tag:blogger.com,1999:blog-162378732024-03-15T22:10:06.737-03:00No OssoNo Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.comBlogger586125tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-20459726157899030752024-03-10T20:49:00.001-03:002024-03-10T20:49:24.167-03:00Maria Escolástica<p style="text-align: right;"> <span style="font-family: arial; font-size: medium;">às crianças da Palestina</span></p><p style="text-align: right;"><br /></p>
<p style="text-align: justify;"></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Dos filmes que têm circulado, inclusive candidatos ao Oscar,
“Dias perfeitos”, de Wim Wenders, com o incrível ator japonês Köji Yakusho, foi
o que me tocou mais profundamente. O enredo do diretor alemão e de Takuma
Takasaki se passa no Japão, com atores japoneses, equipe japonesa e falado em
japonês. É quase mudo, além de ser de poucos movimentos, ao contrário do que
eram as fitas de Charles Chaplin ou Buster Keaton. A música é uma personagem, a
voz do silencioso Hirayama, o limpador de banheiro público em Tóquio. Tenho
assistido a algumas produções ótimas, como “Pobres criaturas”, “Anatomia de uma
queda”, ou a não tão ótima “Saltburn”, e o de Wenders se diferencia delas por nos
convidar a buscar um cantinho, tirar os sapatos e tomar um café no mundo
interior. Os outros, ruidosos na sua maioria, são de embates, de personagens que
se afirmam quando lutam contra um lá fora hostil. Hirayama não quer nada disso,
ainda que não seja nem tolo nem alienado. Aos poucos, temos algumas pistas de
sua vida e podemos levantar hipóteses sobre por que está ali, levando aquela
vida simples, rotineira, sem grandes contrariedades.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Toda noite, Hirayama sonha imagens meio tremidas, cheias de
sombras. Todos os dias, fotografa as sombras formadas por uma imensa árvore (a
questão das sombras se explica, desde que o espectador espere o final dos
créditos). E a esse respeito, houve uma coincidência. Um ou dois dias antes de ir
ao cinema, acompanhei a <i>live</i> “A fim de poesia” que a poeta Noélia Ribeiro
faz, desde o início da pandemia, no Instagram. Na temporada mais recente, ela
mudou a dinâmica. Agora, em vez de convidar poetas e promover um sarau no qual eles
leem seus poemas, ela e Fátima Ribeiro escolhem poesias e as leem. Naquela
ocasião, Fátima leu um poema do meu “O sol pelo basculante” (editora Urutau),
que reproduzo a seguir.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p align="center" class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-align: center; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O homem íntegro<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><i><span style="mso-spacerun: yes;">
</span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></i><i>a
Eustáquio Grilo<o:p></o:p></i></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 0cm;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Não sou desses homens que têm dois lados<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">o A em contraposição ao B<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">o beco às terças, a avenida aos domingos<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">o comezinho de costas para o incomum<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">a alma contra o corpo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Mesmo assim ou por isso mesmo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">amo desconfiado<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">trabalho desconfiado<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">vivo desconfiado<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">— há, na integridade, uma sombra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Tenho, como todos,<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">peito e dorso<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">bunda e coco<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">ombro e sexo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">joelho e calcanhar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Dentro e fora, o único rosto<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">em feriados e dias úteis, um só esforço<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">na mesma bica, o sedento e o saciado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Tomo como certa a hora de <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">cortar o cabelo. E como medo<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-indent: 99.25pt;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">inconfesso que me aparem a sombra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Meu poema – aqui não há uma questão de valor ou coisa similar
– faz fronteira com “Dias perfeitos”. Não é uma afirmação narcísica, mas a percepção
de pontos de diálogos. Hirayama se encaixa bem no homem íntegro do poema.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Seja como for, e seja lá o que isso tudo é, Wenders berra a
favor da simplicidade – em entrevista, ele disse: “Dias perfeitos é o mais
próximo que já cheguei de fazer uma declaração sobre a paz” – e me remete a uma
vida que já tive: a de jovem do interior de Minas. Lá viveu minha prima Maria
Escolástica. Era sobrinha de meu pai, mas não diferiam muito em idade. Dona de uma
casa movimentada – aos filhos e, depois, noras, genros e netos, agregavam-se sobrinhos,
primos, vizinhos –, ela tinha uma máxima recorrente: tudo é bobagem. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Hirayama, ao dar acolhimento à sobrinha que foge da casa dos
pais, leva-a para ver o rio, e ela lhe pergunta se o rio vai dar no mar. Sim.
Ela pede para irem até lá. Ele responde que da próxima vez irão. A menina
indaga quando é a próxima vez. E ele: a próxima vez é a próxima vez. Ela insiste.
Ele mantém a resposta frouxa e acrescenta, agora é agora. Ambos saem pedalando
e improvisando uma melodia para “a próxima vez é a próxima vez, agora é agora”.
Uma cena linda, num filme de muitas cenas lindas. Bem, mas eles poderiam sair
cantando “tudo é bobagem”. Minha saudosa prima Maria Escolástica está na gênese
do filme de Wenders.<o:p></o:p></span></p><div style="text-align: justify;"><br /></div><p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-16056199449134137382024-02-25T09:38:00.003-03:002024-02-25T09:38:38.313-03:00O perrengue da comunicação<p> </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj4z_xzkfufNivn_rHgEtDXywE3LrzXZvxyu-zyzw_qYx9DNd3_EUvjZVDEiQb6Kt6T8_4hY01gca4mc5TEkKKNBrVJBwLNS5I8WGoc9kC9l91WA8B9oAgZJE0ei4LMDNVVUF0ZKH57qD_DwlQdqx_4AS_DG9mywJjsQ8HI2SBiAdfhCD3FBN9Ljw" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="500" data-original-width="780" height="256" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj4z_xzkfufNivn_rHgEtDXywE3LrzXZvxyu-zyzw_qYx9DNd3_EUvjZVDEiQb6Kt6T8_4hY01gca4mc5TEkKKNBrVJBwLNS5I8WGoc9kC9l91WA8B9oAgZJE0ei4LMDNVVUF0ZKH57qD_DwlQdqx_4AS_DG9mywJjsQ8HI2SBiAdfhCD3FBN9Ljw=w400-h256" width="400" /></a></div><p></p><p class="MsoNormal"><br /></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Quando eu disser a vocês o que tenho a dizer, vocês me dirão
– É isso o que tem a nos dizer? E eu direi – O que vocês queriam que eu
dissesse?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Eu disse, ela disse — Repete. Eu repeti, ela repetiu – Repete.
Eu repeti, ela repetiu – Repete. Eu repeti, ela disse – Você não se cansa?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A mãe perguntou ao filho se estava entendido. Ele disse que
sim, só não entendeu exatamente o que deveria ser entendido. A mãe então concluiu
– Ok, estamos entendidos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ele me pediu um minuto. Pegou um papel, fez um desenho. Era
uma cena chocante, um monstro engolia uma pessoa pela cabeça. Eu ainda me
perdia nos detalhes da gravura, e ele já me perguntava se, vendo e não ouvindo,
tudo se esclarecera. Eu respondi – Bem, o desenho tem problema de perspectiva.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Quando ela começava a se despir, ele disse – Espera. Ela
ficou estática. Ele não disse mais nada. Ela continua lá.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Do nada, ela diz – As árvores trocam mensagens umas com as
outras. Eu pergunto – E daí? Ela responde – Daí que o desentendimento é maior
do que imaginamos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ouvir, ouvi, mas ouvir é pouco.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O palestrante perguntou – Alguém? Eu levantei o dedo. Ele
nem deixou eu me ajeitar direito na cadeira – E então? Eu respondi – Concordo.
Ele se surpreendeu – Com o quê? Escandi as palavras – Com o que o senhor não
disse.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O prefeito mudou o nome da rua. Todas as cartas endereçadas a
ela foram parar numa rua homônima em outra cidade. As pessoas que as receberam
abriram, leram e responderam uma a uma. Assim, aceitaram o convite para um <i>date</i>,
o pedido de perdão, mas, num caso, o falso destinatário reclamou – Alguma coisa
deve estar errada, o aluguel está em dia, o IPTU é que ainda não deu pra pagar.
Não parou aí – E não me chamo Raimundo, Perivaldo é meu nome.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A professora pediu a atenção de todos – De todos. Começou então
a falar de forma automática o discurso de começo de ano. Os alunos se distraíram
em surdina. Quer dizer, Luisinha não, ela estava tão atenta que caiu no choro
quando a professora disse que não eram dela aquelas palavras.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Discreto é o suspiro, no entanto é sempre bem entendido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Tiramos a palavra na sorte. Fiquei pensando o que fazer com
a minha. Enfim, decidi ficar calado, com o olhar de quem acompanha um voo de
pernilongo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Na voz miúda, dizem que a guerra foi perdida quando o
comandante ordenou que atirasse a primeira pedra aquele que não sofreu por amor.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Bateu à porta da casa da namorada. Nada. Bateu de novo.
Nada. Mais uma vez. Nada. A namorada, ao lado, não sabia o que fazer.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ela deu um sonoro não ao pedido de casamento. O rapaz, assustado,
mas célere, buscou uma saída – Esquece o casamento, vamos tomar um sorvete. Ela
respondeu – Uma coisa dessas só faço depois de casada. E completou – Você tem
uma bicicleta?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Depois de ler o jornal de cabo a rabo, a garota levantou-se
e foi à cozinha. Lá encontrou a cozinheira. Elas se olharam, se olharam e mais
uma vez se olharam. A garota saiu de lá certa de que o jornal jamais olharia
para ela e a cozinheira. Jornal gosta é de distâncias. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Esse negócio de beijar na boca de olhos fechados tem deixado
muita gente a ver navios.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Achou muita graça ter ganhado o prêmio de quem menos
entendia piadas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Escrevi muitos livros, compus músicas mil, pintei quadros a
valer, pena que sempre estivesse dormindo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Com a casa vazia, o rapaz anunciou – De agora em diante, falarei
o que me der na telha. Gotejou então duas ou três ideias que as paredes, caso
tivessem ouvido, o teriam tampado. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Eu queria dizer a vocês, mas vocês não me entenderiam. Então
não digo. Será que vocês me entendem?<o:p></o:p></span></p><div style="text-align: justify;"><br /></div><p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-55971102871046598372024-02-22T16:06:00.002-03:002024-02-22T16:06:23.789-03:00Aí onde não cabe - Editora Patuá.<p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">Para compra, acessar <a href="https://www.editorapatua.com.br/ai-onde-nao-cabe-novela-de-alexandre-brandao/p">aqui</a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh688Y27T3uw5ngaeEQJKFsEZduSoTAfco-shMlBLavdfsqXHX9UObu7BTi3-bPac9fb8rWEBqNTMjsvCP2ZatLlXPZ7C26DBXEk3RO4wl7_yAzmcWQBNLEqqQ9YpRQxpqE1X3ljrxc35h_aXGMvQeV2GtdEmzG3PSjWfIWkXhnoPxGkO7NECj_lA/s1080/4.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh688Y27T3uw5ngaeEQJKFsEZduSoTAfco-shMlBLavdfsqXHX9UObu7BTi3-bPac9fb8rWEBqNTMjsvCP2ZatLlXPZ7C26DBXEk3RO4wl7_yAzmcWQBNLEqqQ9YpRQxpqE1X3ljrxc35h_aXGMvQeV2GtdEmzG3PSjWfIWkXhnoPxGkO7NECj_lA/s320/4.png" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxImlMnyhoqfn5Sdi_eEIhzAW4aCZJ4uLchN2tSCHctiEfj_sFovbHs9VcRH8V7cdyQD0Mw2qUlOUr6OCjFo5ryfa_CNJJa2qchJro7scSKy6u3LJ-iKf4L6NZPIfmRM1ZV0O9y7TIK0FEEvsHJg32gIjp6DUNQRIHr5l6Mjkp0VAds63ZhtxhhQ/s1080/5.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhxImlMnyhoqfn5Sdi_eEIhzAW4aCZJ4uLchN2tSCHctiEfj_sFovbHs9VcRH8V7cdyQD0Mw2qUlOUr6OCjFo5ryfa_CNJJa2qchJro7scSKy6u3LJ-iKf4L6NZPIfmRM1ZV0O9y7TIK0FEEvsHJg32gIjp6DUNQRIHr5l6Mjkp0VAds63ZhtxhhQ/s320/5.png" width="320" /></a></div><br /><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8997YWBnqFLBJKovNkmXfiuekdbXVcjC4Nc2GOwRbEJv91eYCpgK325a54iQZu_pqZx6sojBi5bJHg77-YvwrrMxZSDqfo4_C05MBojEX7s6YTKUIH7CgHkH-QPWv9Mwto_nVtDfnvy0SDw7nj3GEnyqK0VqqR9XjwazZwlgiOUgo_KyPtbzkcw/s1080/9.png" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi8997YWBnqFLBJKovNkmXfiuekdbXVcjC4Nc2GOwRbEJv91eYCpgK325a54iQZu_pqZx6sojBi5bJHg77-YvwrrMxZSDqfo4_C05MBojEX7s6YTKUIH7CgHkH-QPWv9Mwto_nVtDfnvy0SDw7nj3GEnyqK0VqqR9XjwazZwlgiOUgo_KyPtbzkcw/s320/9.png" width="320" /></a></div><br /> <p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-69500549193024707652024-02-10T18:45:00.004-03:002024-02-15T13:47:41.326-03:00Um falcão de volta ao céu<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></p><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-align: left; text-indent: 0cm;"><i><span style="font-family: courier; font-size: medium;">Lá na rede social,</span></i></p></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-align: left; text-indent: 0cm;"><i><span style="font-family: courier; font-size: medium;">passa boi, passa boiada</span></i></p></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-align: left; text-indent: 0cm;"><i><span style="font-family: courier; font-size: medium;">às vezes a gente acredita,</span></i></p></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><blockquote style="border: none; margin: 0px 0px 0px 40px; padding: 0px; text-align: left;"><p class="MsoNormal" style="line-height: normal; margin: 0cm; text-align: left; text-indent: 0cm;"><i style="text-indent: 0cm;"><span style="font-family: courier; font-size: medium;">noutras, pensa, “é marmelada” </span></i></p></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote></blockquote><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Nos primórdios do mundo virtual, o e-mail parecia uma coisa mágica,
mas, com a chegada das redes sociais, um tempo depois, ele passou a quase nada.
Estávamos diante de uma inovação que mudaria de vez – para pior e para melhor –
nossas vidas.</span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">As coisas ruins só fazem crescer: excesso de propaganda,
suspeita constante de vazamento de nossos dados, ditadura do algoritmo, vista grossa
dos donos das poderosas redes aos descalabros que circulam livremente por elas,
verdadeira bomba capaz de destruir os alicerces da vida social em harmonia, a
própria democracia. Tudo isso num ambiente – como outros tantos no capitalismo tão
pouco concorrencial – de alta concentração: quatro ou cinco redes nos prendem a
todos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Dorrit Harazim, jornalista que dá gosto de ler, em recente
coluna falava sobre as possíveis cem mil vítimas palestinas (não há contagem,
apenas inferência) na guerra entre Israel e Palestina. (Não vou comentar esse
conflito, que, a meu ver, está longe de ser uma simples resposta de Israel a um
ataque terrorista.) Na conclusão de seu artigo, Harazim cita uma carta de John
Steinbeck a Pascal Covici escrita no início da Segunda Guerra. Depois de o autor
de <span style="mso-tab-count: 1;"> </span>“As Vinhas da Ira” afirmar que a
espécie humana não aprende as lições que toma (“a experiência de 10 mil anos
não deixou qualquer marca sobre os instintos do milhão de anos anteriores”), ele
conclui: “Não digo que o mal vence – jamais vencerá –, digo apenas que ele não
morre...”. Essa percepção cabe bem para ilustrar o perigo que ronda as redes
sociais.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Sejamos justos: existem as coisas boas. Já pensou a pandemia
sem as <i>lives</i>, sem a consulta médica ou a terapia à distância? Melhor nem
pensar ou pensar que, além disso, essas redes ainda permitem que façamos amigos
a léguas de nossa casa e que reencontremos alguns deixados pelo caminho. No
filme “Vidas passadas” (da sul-coreana Celine Song), por exemplo, dois amigos,
namoradinhos na passagem da infância para a adolescência, conseguem, graças a
uma rede social, se reencontrar doze anos depois de a menina, Na Young, ter se
mudado para o Canadá. É um filme bonito, introspectivo – e que toca com
delicadeza a questão da imigração –, no qual o mundo virtual só está ali de
forma coadjuvante como deveria ser.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Nas redes, arredio como sou a grandes embates, quando não
estou divulgando meus textos ou fazendo chacota da vida, me distraio com receitas
culinárias ou macetes para disfarçar uma fenda na parede ou dar vida a plantas moribundas.
Logo eu que quase não cozinho, não cuido de plantas e não tenho o menor pendor
para pintar paredes, consertar ferro elétrico, enfim, para lidar com afazeres
tão domésticos. Diante de minha confissão, não estranharia se me censurassem
pelo tempo gasto com inutilidades e vissem em meu entretenimento um tico de tristeza
doentia, uma queda pela escuridão. Se é assim, diante do breu e obediente a Thiago
de Mello, eu canto.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Além desses vídeos sem-noção, curto outros simples, que – se
não saíram da cabeça de uma Inteligência Artificial, hipótese a não ser
descartada –, me enchem de esperança. São delicados os que mostram um urso
panda brincando na neve e a dificuldade de uma elefanta ou de uma onça para atravessarem
seus filhotes numa rodovia – tem sempre um que volta. Um vídeo me toca em
particular: três pessoas, cientistas, imagino, chegam ao topo de uma montanha e
tiram de uma caixa uma ave enorme, um falcão, se não estou enganado. Esse
animal fica andando de um lado para o outro, estudando a paisagem, reconhecendo
a casa, decidindo o melhor momento de voltar ao seu <i>habitat</i>. Ele vai
para cá, vai para lá, vai e volta de novo até tomar coragem e despencar no céu.
Vibro pela ave de voo tão seguro, mas igualmente pela atitude daquelas três
pessoas cujos rostos não são mostrados. Elas devem ter resgatado o animal fragilizado
e o levado a um centro de tratamento, onde ele foi recuperado. Aos poucos, treinaram
a ave, a estimularam em voos controlados e, depois de muita observação, concluíram
que era o momento de devolvê-la à liberdade.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p><div style="text-align: justify;"><br /></div><p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-42809232796366799512024-01-29T09:41:00.005-03:002024-01-29T09:41:52.426-03:00Janeiro visto de um cesto de gávea<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Nos devaneios a que me entrego vez ou outra e quase sempre,
concluo, por exemplo, que não deveríamos nos assustar com a inteligência
artificial, haja vista que a literatura é o resultado de uma certa IA. Assim
como faz a máquina, para escrever um poeminha, é preciso ler outros tantos,
misturar uns com outros, respeitar ou não a métrica, à moda de uns, as formas
clássicas, à moda de outros. Um erudito talvez leia mil livros, a IA, alguns
milhões, senão todos. No entanto, o primeiro vai ao banheiro, a segunda não.
Nosso diferencial – e nossa vantagem – portanto, meus amigos, está no fato de
irmos ao banheiro. O dia em que a máquina pedir um tempinho para fazer xixi,
adeus humanidade.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Há algo de muito errado com nossos figurinistas, pelo menos
os de novela. Em Paraíso Tropical – novela de 2007 que se passa no Rio de
Janeiro, tendo Copacabana como o centro do mundo –, é sempre verão. Há o núcleo
dos que jogam futevôlei e o dos jovens que frequentam a praia após as aulas. Há
as meninas de programa em roupa minúscula fazendo ponto ao longo da orla.
Enfim, é como é essa cidade-inferno. No folhetim, todavia, fora da praia, os
homens se agasalham – de terno, no escritório, de casaquinho desses que as mães
aconselham os filhos e as filhas a levarem caso o tempo mude, nos outros
ambientes –, enquanto as mulheres não ou quase nunca não. Uma amiga lançou a
ideia de que as mulheres com menos roupa obedeceriam ao velho machismo. Pode
ser, mas eu vejo como um problema de verossimilhança (ou marketing da indústria
do vestuário). Numa mesma cena, os homens – que já estiveram em marte – estão
no inverno, e as mulheres – que transitaram por vênus –, no verão. Acordai,
figurinistas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Quando cheguei à Folha Seca, livraria no centro do Rio que
completou no dia 20 de janeiro vinte e seis anos, encontrei seu dono, o Digão,
carregando cadeira, ajeitando o piano e as caixas de som. Para quem não sabe:
no dia de São Sebastião, o padroeiro da cidade, a Folha Seca promove uma festa
de rua maravilhosa. Grandes músicos vão para lá e dão altas canjas. A vedete é
um piano de cauda, que vai passando de mão em mão. A gente ouve em sequência
chorinho, samba-jazz, bossa nova e o velho e bom samba. Pois bem, encontrei o
Digão pegando no pesado e comentei que o havia conhecido quando ele era
livreiro da Dazibao. Dei-lhe uma espetada: livreiro, não, um repositor de
livro. Ele então me disse que aqueles eram tempos bons, agora, dono do negócio,
carregava cargas mais pesadas. Dito isso, foi levar cadeiras para a turma do
samba. A vida de um empreendedor cultural não é fácil.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A passagem de dezembro para janeiro foi, em termos de saúde,
um pouco complicada. Nada sério, só aquelas chatices que surpreendem nosso
corpo dando-nos um alerta de nossa mortalidade (será que devo almejar a
Academia de Letras?). Primeiro foi um evento – realmente não sei como me
referir a isso – de herpes-zoster. Apareceu no olho direito. Dei sorte, não
tive dor, o que parece raro nesses casos. No primeiro dia útil do ano, fui ao
escritório, o que só faço de quando em quando, pois trabalho à distância. No ônibus,
um senhor caiu. Me levantei para ajudá-lo: me agachei, dei-lhe a mão, ele se
apoiou em mim e se levantou. Quem por pouco não se levantou fui eu. Enquanto o
ajudava, uma pinçada na coluna quase me nocauteou. Um anti-inflamatório e uns
analgésicos aliviaram a crise nos dias seguintes. A Solange, que trabalhou em
casa por trinta anos, quando soube do caso e de sua consequência lombar, me
mandou um conselho: “Ó, vencida a barreira dos sessenta anos, ao presenciar um
acidente assim, o máximo que devemos fazer é exclamar: Ah, coitado!”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Li mais devagar neste janeiro à beira dos sessenta graus. De
todo jeito, coisas boas. Algumas estão aí à disposição dos leitores (“A casa da
mãe dos homens”, Telha, de Ione Mattos,
e “As filhas moravam com ele”, Caos e Letras, de André Giusti), outras têm de
ser garimpadas em sebos (“A língua da serpente”, Lê, de Jeter Neves) e, por
último, um inédito. Sobre este não anuncio o título nem o autor, mas aguço a
curiosidade de vocês: é um livro que, numa escrita leve e sem pompas, não
parece muito diferente, mas é.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Estar num cesto de gávea
pressupõe estar num barco à vela, a caminho de uma Índia qualquer, encarregado
de avistar terra logo adiante. Não estou em barco nenhum. A imagem serve para
dizer que estou sobre as águas da cidade submersa pela chuva. Sob os desígnios
do deus marítimo e menino, o El Niño, com o auxílio luxuoso de anos de
crescimento urbano desordenado e incompetência misturada com má-fé (ou pior) do
poder público, as águas sobem pelas ruas e derrubam as casas dos morros. A
chuva não tem piedade de ninguém, ou, um pouco a Caetano e Gil e sendo mais
exato, ninguém, não, dos que são “quase pretos, ou quase brancos, quase pretos
de tão pobres”.</span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-37699423306044314482024-01-15T09:25:00.004-03:002024-01-15T09:25:47.702-03:00A música alimenta<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Comecei a gostar de música quando era miúdo de tudo, criado
num ambiente em que não era raro ter cantoria, com sanfona e violão. Nascido no
interior de Minas Gerais, a música caipira – que, para diferenciar da sertaneja
atual, ganhou o sobrenome raiz – sobressaía às demais, ainda que, numa casa de
irmãos mais velhos e antenados, eu ouvisse desde os primeiros passos de um Chico
Buarque até os garotos de Liverpool que disputavam a fama com Jesus Cristo.
Depois, na adolescência das décadas seguintes, para desespero de mamãe, o Pink Floyd
e mais tarde o Queen fizeram pouso e escândalo na nossa casinha no Beco dos Aflitos.
Ao contrário de muitos amigos, não deixei de lado a MPB, e Milton Nascimento tratou
de abrir a porta de um mundo amplo e diverso.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Foi um movimento natural querer ser um compositor de música
e letra. Por sorte, nada do que fiz permaneceu, ainda que eu me lembre de trechos
como: “você que faz minha cabeça vem comigo pr’eu não parar” (parceria com meu
primo Paulinho de Araçatuba); “Conrado, hoje jornal fechado, ilusão de tê-lo sempre
ao meu lado”; “Luz e companhia, um fósforo aceso na madeira podre do coração
azul”. Sabe-se lá por quais motivos guardamos coisas assim e esquecemos nomes,
senhas, o caminho de casa em dia de porre homérico, mas isso não importa, o que
vale é que a música me ajudaria a escrever meus contos (não guardei o primeiro,
mas sei do que tratava: um funcionário da Petrobras via uma sujeira no chão da
sala de sua casa e refletia sobre ela), poemas e crônicas. Esse estímulo seria
intensificado quando, um pouco depois, cheguei, como ouvinte, à música instrumental:
um pouco de chorinho, de violão e piano brasileiros, depois jazz e umas investidas
na música clássica.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Se eu, escritor principiante, não tivesse nenhuma ideia, me sentava
diante do computador, ligava uma música sem palavras e, não demorava muito, surgia
ali na tela uma frase e logo depois outras tantas que vinham em companhia ou
socorro da primeira. Bem diferente de hoje: se começo a escutar música no meio da
noite, batata: vou ficar no fone até duas, três da matina, sem fazer nada além
daquilo. Nada? Ora nada, a música é uma amante sem corpo que liga todas as
máquinas de minhas fantasias, sem me dar o alento do gozo final. Vou querer (e
poder) sempre mais. O problema será encontrar forças no dia seguinte. Por isso,
tenho preferido manter a audição como uma atividade diurna, a melhor companhia nas
caminhadas feitas nessa paisagem chamada Rio de Janeiro. Mas não é a mesma
coisa. Na caminhada, a música é apenas uma presença discreta, um, como diria Marisa
Monte, barulhinho bom. O fato é que a música já não me faz escrever – até mesmo
atrapalha –, mas não consigo considerá-la apenas um entretenimento. Vou contar
uma historinha que ilustra bem isso.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Dia desses, eu fazia uma coisa rara: ver vídeos no Youtube. Assistia
distraído à <i>playlist</i> do Duo Metafonia, mais ouvindo do que vendo. Batucava
os dedos, balançava o corpo, mas aos poucos a voz, as melodias, os instrumentos,
os arranjos e as letras foram pedindo uma atenção mais aguda. Como bom mineiro,
me perguntei que trem bonito era aquele.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Que trem bonito é aquele? Já bem atento, fui me respondendo:
é o trem que trafega na tradição nobre da nossa cultura, de músicos que, compondo
agora, estão sendo parceiros de Chiquinha Gonzaga ou de Sueli Costa, de Caymmi
ou de Roberto Mendes, de Noel Rosa ou de Aldir Blanc. O Duo Metafonia (@metafonia.duo,
no Instagram) fala com a tradição, a rearranja e, como os grandes, joga para o
futuro uma versão modificada dessa tradição. Enfim, produzem um som sem firula
e sem mesmice.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Nora Fortunato – poeta e violoncelista da Orquestra Petrobras
Sinfônica – e Walter Ribeiro – músico popular e cria da Bahia – fazem música para
criança (no Spotify, Cirandaê) e para adulto. Assim como Vinícius e sua “A Arca
de Noé”, o duo vê na criança uma inteligência a ser respeitada e provocada. Quando
se volta aos adultos, alcança aquele ponto em que a música é simples, mas não simplória,
é sofisticada, mas não excludente. Nora e Walter compõem e escrevem caprichados
arranjos. Além disso, transformam uma história do João Paulo Vaz em música para
criança e revelam o Nuno Rau como um letrista tão bom quanto o poeta que é.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Estaria diante de um duo bom
de ouvir não fosse o caso de a Nora e o Walter terem-se tornado meus amigos, um
desses que convidam a sua casa e servem cerveja, que bebo sem moderação. Servem
também um bonito estrogonofe, que eu, saciado pelo violão e pela voz do Walter
e pelo contracanto do violoncelo da Nora, me privo de comer.</span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com5tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-73960882504656609432023-12-21T16:39:00.003-03:002023-12-21T16:40:41.671-03:00O raro romance de Ione Mattos<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> “A casa da mãe dos homens” (editora Telha), novo livro de
Ione Mattos, é um romance, mas um romance com uma personalidade muito própria,
um estranho quando comparado à produção atual com a qual tenho contato, ainda
que, como muitos outros, dê voz a quem vive à margem.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ione traz para o centro da narrativa pessoas contra as quais
a sociedade costuma torcer o nariz, seja por suas características físicas (a
obesa, a anã), seja por suas escolhas pessoais (o homem que se veste de roupas
femininas, os que praticam o poliamor, o homem que se quer manter virgem até o
casamento). Além disso, a casa é em si uma personagem que interage com os
personagens (essa característica me faz pensar em “Crônica da casa
assassinada”, de Lúcio Cardoso, embora não saiba bem por que caminho) e abriga vivos
e mortos, estes relacionando-se com uns poucos escolhidos entre aqueles.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O romance corre em dois tempos. No passado conhecemos a
família que é dona da casa. Descobrimos então como a casa foi cair nas mãos de
duas mulheres muito raras, a bisa e Mirtila, mãe e filha, que não têm uma
ligação de sangue com os donos. Os donos são gente rica, barões e baronesas.
Mas, e aqui começam os “desvios” que Ione tinge com as cores mais fortes (e
agradáveis), entre eles há um trisal: o barão (filho da grande baronesa), sua
mulher (uma feminista de primeira hora) e uma prostituta. Há uma atenção
especial e sem preconceito sobre esse relacionamento, indicando que o amor não
se adequa a modelos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">No presente, a casa é uma ilha, um pedaço de Brasil – um
país possível – que busca preservar aquilo que seria a essência humana: o amor,
a tolerância, a solidariedade. Seus moradores vivem no trânsito entre esse
espaço especial e a hostilidade da vida urbana hoje. O choque entre os dois
mundos é inevitável e chegará a extremos ao longo da história.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Todos os personagens estão fugindo ao estereótipo pelos
quais veem sendo atacados desde sempre, mais recentemente pelas hordas
direitistas. Nessa caminhada, os “abandonados” (e os “assistidos”, nome dos
sem-teto que são alimentados e, algumas vezes, acolhidos pela casa) se
encontram e se fortalecem (mas há os arranca-rabos, os conflitos, não é um mar
de rosa, ainda que seja um porto seguro).<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Não me proponho a contar a história, fazer um resumo, deixo
que cada leitor vá lá e leia, aliás, aconselho que se faça isso. O que importa
é que, como já disse, Ione coloca o amor, a solidariedade, a compreensão, o
acolhimento (da casa, de seus moradores) como peças-chaves na sobrevivência
humana e atuam como um elemento de fortalecimento da experiência de vida.
Quando o mundo está envolto em guerras, vivendo sob regras não cumpridas por
seus defensores, gente hipócrita em grau máximo, essa casa da mãe dos homens recebe
o divergente, o expulso, o aprendiz. A figura feminina, nessa visão, é a única
capaz de reequilibrar o mundo. No livro (assim como na vida), o feminino é
forte e diverso – está na feminista do começo do século XX, nas mulheres que
transformam o casarão em espaço de proteção e crescimento, na jovem muito cheia
de si, no homem que se veste de mulher – e, sem que haja um foco proposital e
forçado nele, é a grande personagem que acompanhamos. A casa, outro feminino,
também.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O livro se vale de um espalhado diálogo da autora com
escritores, ficcionistas ou não, e se faz presente ora na voz de um dos
narradores (no passado, é um barão machadiano que nos contará sua história de
um amor não convencional), ora nos títulos, ora em alguma história que se conta.
No belo final, a personagem mais velha, a bisa, conta à mais nova, Justina, uma
possibilidade de criação do mundo. Não opta nem pela bíblica nem pela
científica, escolhendo uma da cosmogonia indígena, a que coloca como princípio
de tudo a criação, <i>do nada</i>, de uma mulher.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Apesar dessa clara leitura feminina, não há um desprezo
pelos homens, ao contrário, o caminho está aberto à comunhão, desde que o
princípio seja o amor. A figura de Lemuel serve bem para ilustrar essa linha.
Ele chega à casa, depois de ter vivido sua infância num orfanato, e ali vai
viver entre aquele ambiente quase utópico – onde convivem e se respeitam figuras
tão diferentes, onde o trabalho é sempre compartilhado – e, um pouco depois, se
ver atraído pelo mundo-mundo, este em que há disputa, ambição; o mundo
masculino, afinal de conta. Ele viverá então a tensão desses dois polos até que
a complexidade de um mundo habitado por vivos e mortos aja sobre ele. Seja como
for, ele é uma espécie de espinha dorsal do romance. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">No romance de Ione, o
final é triste. No romance de Ione, o final é feliz. Eu bem disse que estamos
diante de uma peça incomum.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjSHIZTdaLUXaPOm8mD_XjR3GsC4hDwXvOeOYrSlKz2M0n74EWcHQ4rq1GuqiqeoVD6x2YDcvt6UQK2fR4iiQb7_gFzKsn3YH8zkkaYcpnq5GKte7FQpqopetPCsXx7KShVKRUiz3s-D9NIf5PWGmS_psJ2OvYjWdp4Hyb9IB2CWTld2orhOM5FgA" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="274" data-original-width="184" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjSHIZTdaLUXaPOm8mD_XjR3GsC4hDwXvOeOYrSlKz2M0n74EWcHQ4rq1GuqiqeoVD6x2YDcvt6UQK2fR4iiQb7_gFzKsn3YH8zkkaYcpnq5GKte7FQpqopetPCsXx7KShVKRUiz3s-D9NIf5PWGmS_psJ2OvYjWdp4Hyb9IB2CWTld2orhOM5FgA=w268-h400" width="268" /></a></span></div><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /><br /></span><p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-13613547248086310082023-12-18T14:24:00.000-03:002023-12-18T14:24:29.508-03:00Ainda em Minas<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Depois de passar uns dias em Tiradentes, não voltei ao Rio,
fui a Belo Horizonte ver familiares e amigos. Na capital mineira fiquei duas
semanas e, ao contrário de outras vezes, circulei pouco, ficando mais na casa
de minha madrinha e irmã, a mãedrinha. Eu e ela estávamos trabalhando e, aqui e
ali, assistíamos a alguma coisa na TV.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Vimos um filme meio sessão da tarde, “Nosso amigo extraordinário”,
uma espécie de “E.T., o extraterrestre” que se desenvolve numa situação diferente
da original: em vez de aparecer para as crianças, o de agora aparece para uns
velhos que, até aquele momento, fugiam da solidão indo assiduamente a encontros
públicos demandar melhoras na cidade. Filme simples, mas bonito, com ótimos
atores: Ben Kingsley, Jane Curtin e Harriet Sansom Harris. Vimos também o Som
Brasil com o Zeca Pagodinho, tremendo artista. Ele contou que, quando vendeu um
milhão de cópias de seu primeiro disco, a vida não mudou muito porque ele andava
e continuou a andar pelas favelas, onde já era conhecido. No final dos anos
1980, eu trabalhava no pé da Mangueira e sabia – os meninos que tomavam conta
de nossos carros nos contavam – que ele passava algum tempo por ali. Imagino
que tomava umas, fazia uns sambas, enfim, era o autêntico boêmio que ainda não
deixou de ser, com a saúde de ferro de quem tinha quarenta anos menos. O danado
do Zeca Pagodinho, e é isso que interessa, canta muito, aquela voz meio
detonada faz milagre durante a interpretação de um samba. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ainda na estadia mineira, eu e mãedrinha assistimos aos quatro
primeiros episódios de “Betinho: No fio da navalha”, direção de Lipe Binder e
Julio Andrade. Há muitas maneiras de ver a série. Betinho foi um protagonista
da história recente do Brasil e, nesse sentido, sua trajetória mostra como os vestígios
da ditadura custaram a desaparecer, ou nem desapareceram de vez, basta pensar
na anistia injusta. Refazer a vida naquele ambiente não foi nada fácil, e a criação
do Ibase mostra bem isso. Num ambiente tenso, mas também esperançoso, a AIDS
apareceu e mudou o mundo, em particular o dos hemofílicos, como Betinho e seus
irmãos, Henfil e Chico Mário. Enfim, aos que dão as costas à história, a série
é um bom chamado à realidade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Tenho também uma leitura mais pessoal. Não fui próximo do
Betinho, mas, graças a amigos que trabalharam no Ibase, em particular Wania
Santanna e Atila Roque (personagem na série), convivi um pouco com ele. Ao lado
daquela doçura tão presente em seu olhar, havia um sujeito muito divertido, de
uma ironia até ácida. Como mostra a minissérie, Betinho gostava de música.
Graças a isso, tive a sorte de ir com ele e Atila a um show do Johnny Alf e, em
torno de uma roda de música, o recebemos em casa, naquela que dever ter sido uma
de suas últimas saídas. Na época, eu e ele não podíamos beber, então lhe ofereci
uma cerveja sem álcool. Ele não sabia daquela “novidade”, mas garantiu que a partir
daquele momento sempre teria alguma na geladeira. Por essa tímida proximidade,
a série tende a me emocionar, o que não aconteceria se não fosse o trabalho
artístico. Aí está mais um acerto: a constituição de época, o ritmo da história
e principalmente a atuação dos atores. Esse Julio Andrade é um espanto, e não o
vejo trair a memória física que guardo do Betinho – o olhar, o corpo arqueado,
os gestos das mãos, está tudo ali.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Proximidade maior tenho com a Maria Nakano, o que me faz
muito bem. Maria é o tipo de pessoa que nos abraça e acolhe em sua casa, uma
raridade neste mundo de isolamento e egoísmo. Certa vez, lancei a ideia de
fazermos um livro sobre a sua história, Maria desconversou. Penso que nisso haja
um pouco de timidez, de não querer se expor, mas também uma sabedoria, a de
que, tendo participado de um momento tão importante do país, melhor deixar sua
imagem no emaranhado do coletivo. Entendo bem, e admiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Apesar do recolhimento, saí
algumas vezes em Belo Horizonte. Com Ronaldo Guimarães, que acaba de lançar “O
dia em que os Beatles visitaram Belo Horizonte” (Editora Lê), fui a um bar em Santa
Efigênia, no mesmo dia em que tomei umas cervejas com o Celso Faria. Sérgio Fantini,
mais uma vez, me recebeu em sua casa. Dessa vez, foram também Ádlei Carvalho
(que está lançando “Céu de luz Marina” pela Editora Patuá), Aloísio Sá, o Lelu,
e Tadeu Sarmento, que arrumava as malas para ir ao Rio de Janeiro receber, por “Meu
amigo Pedro” (Abacatte Editoria), o prêmio Biblioteca Nacional, na categoria Literatura
Juvenil. Na livraria Quixote, um monte de amigos se reuniu para ouvir, entre
outros, Caio Junqueira Maciel e Adriane Garcia falarem de seus livros da coleção
“BH, a cidade de cada um”. Depois da conversa, fomos eu e Fantini à casa do
Caio. O Vasco conseguiu ficar na primeira divisão, o que deixou o anfitrião
feliz demais. Já eu, botafoguense, amarrei outra decepção, o time, para jogar a
Libertadores, terá de disputar uma etapa anterior. Tive ainda um dia esplêndido
na casa do poeta e conterrâneo Antonio Barreto e de Graça Sette, amiga que é
uma usina de fazer pensar. Na festa de meu cunhado, eu e meus três irmãos nos
juntamos depois de uns cinco anos. Ah, sim, fiz umas estripulias com meus
sobrinhos Cristiano e Conrado e com o primo Lucas. E o melhor de tudo: vi meu
querido Apollo, que nasceu meu sobrinho-neto e agora é meu neto.<o:p></o:p></span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-45439197910787536882023-12-04T09:27:00.001-03:002023-12-04T09:27:09.462-03:00Um momento mágico<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Eram dez da noite, e eu estava no Conto de Réis, restaurante
bem no Largo das Forras, em Tiradentes. Com um copo de cerveja numa das mãos e um
feijão amigo na outra, observava o movimento da praça. Algumas pessoas estavam
entretidas com as imagens transmitidas na fachada da Capela do Senhor Bom Jesus
da Pobreza, outras simplesmente passeavam, indo ou vindo de algum lugar, talvez
da casa de Papai Noel, talvez de um dos concertos do Festival Artes Vertentes.
Sentado com moradores da cidade, ouvia opiniões sobre a tentativa de, na época
de Natal, fazer da histórica cidade mineira, tão rica em eventos culturais, uma
espécie de Gramado. Uns concordavam com a ideia, outros não. Não que eu não
tenha opinião sobre isso (não gosto), mas meus olhos estavam encantados com o
trânsito de crianças, jovens e velhos pela rua, todos sem nenhuma preocupação
com a violência. Essa tranquilidade me remeteu à minha infância, à minha cidade
de origem, que já foi pacífica e não é mais tanto. Enfim, enquanto meu caçula tinha
o celular roubado no Rio de Janeiro, e eu ainda não sabia, Tiradentes curtia sem
medo uma noite fresca, quase fria, nesse verão dos diabos.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Não sou o único, mas, ao caminhar por cidades históricas, sinto
a presença fantasmagórica dos inconfidentes, de “Marília de Dirceu” e Xica da
Silva, além de ver nitidamente a dor da escravidão cunhada em cada parede ou
muro erguidos. Atualmente, encontro nesse patrimônio de orgulho e vergonha um pouco
do que esperamos do mundo: um lugar de pessoas despreocupadas, passeando enquanto
a noite é entornada na madrugada. Restaram poucas ilhas calmas em nossa sociedade
insana.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Em Tiradentes, tenho sido apresentado a pessoas bacanas. Os cariocas
Sérgio e Beth, donos do Conto de Réis, a família em torno do Sabor Rural – Kleber
e Fernanda à frente –, a Carmen, funcionária de um banco e que exige que eu abra
uma conta antes de me dar um cartão de crédito sem limite e anuidade, uma tremenda
burocracia, <i>mon cher</i>. Também Luciana, nascida em uma cidade vizinha de
Passos, Carmo do Rio Claro, que me vem à memória por seus doces caramelizados e
artesanais (verdadeira obra de arte) e sua tecelagem em tear manual bonita de doer.
Sem contar o Gabriel Vilella, criativo diretor de teatro. Quem me facilita tomar
contato com os tiradentinos, poucos por nascimento, a maioria por exílio espontâneo,
são meus amigos Marco Ajeje e Tereza Portugal. Eles se mudaram para a cidade há
uns quinze anos e hoje são bem conhecidos, não só por sua simpatia, mas também pela
qualidade do trabalho que fazem na Divinas Gerais, oficina de móveis e artes, e
nas associações da sociedade civil a que pertencem ou trabalham como voluntários.
Com eles, começo a tomar intimidade com a cidade e já posso frequentar sozinho um
boteco e me sentar com um conhecido. Por isso, abraço esse resistente
patrimônio histórico onde ainda (tomara que para sempre) se respira sem aflição
e medo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">No último final de semana de novembro, Maria Valéria Rezende,
premiada escritora, estava em Tiradentes e nos encontramos. Por ela ser filha de
mãe e neta de avô passenses, nós nos chamamos de primos. (Seu avô, Elpídio
Vasconcelos, foi um artista plástico e fotógrafo que, na primeira metade do
século XX, lançou o primeiro livro retratando Passos.) Na infância, frequentando
a cidade de seus ascendentes, a prima entrava em casas de familiares para um
dedo de prosa, um gole de café, uma degustação de quitandas. Ela tem a impressão
de que, de casa em casa, entrava em todas, portanto os passenses seríamos todos
do mesmo sangue. Não só concordo como, se for o caso, comprovo com um teste de
DNA.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Maria Valéria participava do Festival Artes Vertentes. Fez
oficinas de haicai, lançou “Toda palavra dá samba” pela estreante editora paraibana
Dromedário, bateu papo com jovens que a vão descobrindo. Deu o show de sempre.
Dessa vez, estavam com ela duas de suas irmãs, Valentina e Viviana. Uma
primaiada só. Certa hora, consegui sequestrar as três e levá-las à Divinas
Gerais. O encontro com a arte do Marco Ajeje (logo incorporado ao ramo sírio-libanês
dessa família elástica) foi, nas palavras da Vivi, o momento mais emocionante
da viagem. Marquinho – primo delas, meu irmão – é um artista imenso. Seus móveis
– feitos em grande parte de madeira de demolição – são, além de bonitos, funcionais;
suas esculturas, um deslumbre. Maria Valéria e ele pareciam velhos conhecidos,
o que sempre acontece, isso é, dois artistas, se controladas suas vaidades, são
afinal velhos conhecidos e bons parceiros.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A escritora ainda conheceu
pessoalmente o Celso Faria, violonista de Passos, morador de Belo Horizonte,
que fugiu para Tiradentes para vê-la de perto e não deve ter se arrependido. Na
companhia do Celso estava Carminha Guerra – musicista responsável pela gravação
de discos de poetas como Adélia Prado e Thiago de Mello, além de muitos musicais,
como o de Maria Lúcia Godoy (por coincidência, vizinha das primas Rezende em
Belo Horizonte) –, que chegou a essa turma meio desavisada. Lá pelas tantas, ela adjetivou
o momento como mágico. Graças também a ela, foi mesmo.</span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-10350904073429656092023-11-20T14:11:00.004-03:002023-11-20T14:11:43.576-03:00Futebol e outras frivolidades<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Vocês me desculpem se trato de temas amenos. Amenos, não,
insignificantes. É que os dias andam difíceis, as guerras, televisionadas ou
não, matam crianças sem nenhuma piedade, desrespeitando seus próprios códigos
de ética. Dito isso, enfatizo: para minha saúde, caçar assuntos até frívolos é
fundamental. Assim, gasto umas quatro horas – tempo estimado para escrever uma
crônica – transitando nas nuvens, e você, caro leitor, cara leitora, se distrai
por uns cinco minutos. Claro, isso se der tudo certo na minha escrita e na sua
leitura.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Sou botafoguense, logo aliado do sofrimento. Essa pecha
grudou no time e ninguém consegue desgrudá-la. Agora, por exemplo, depois de
termos liderado o campeonato com até treze pontos à frente do segundo colocado,
a última rodada nos deixou na vice-liderança e corremos o risco de nem ir para
a chave de grupo da Libertadores. Mas meu assunto não é o Botafogo, que só está
aqui para servir de mote a assuntos futebolísticos, que podem ou não ser os
únicos tratados adiante. A ver: escrever é uma aventura.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A última vez que o Brasil sagrou-se campeão mundial foi em 2002.
Era um bom time, com craques como Ronaldo e Ronaldinho, Rivaldo, Dunga,
Taffarel, Cafu, enfim, gente cujo nome já revela um jogador de futebol. Naquela
equipe, havia uns nomes mais sofisticados, Roberto Carlos, Gilberto Silva, Edmilson,
apontando para uma mudança que ocorreria daí em diante. Se vamos para trás,
Romário, Bebeto, Zinho, e mais atrás ainda, Jairzinho, Gérson, Tostão, Zagalo, Vavá
e os deuses Pelé e Garrincha. Minha tese: o que faz o Brasil ganhar campeonato
são os nomes de seus jogadores. Neymar, Ederson, Emerson Royal, Gabriel Jesus anunciam
um fracasso. Melhor convocar um Tiquinho, um Tche Tche, até mesmo, por exótico,
um John Kennedy ou uns caras que têm me chamado a atenção – pelo nome, sempre
pelo nome –, Praxedes e Galdino. Nomes menos usuais e bons apelidos são uma indicação
de que os donos daquelas pernas sabem correr, pular, passar a bola, driblar ou impedir
o drible, fazer ou evitar o gol, enfim, sabem jogar o bom e velho futebol da
escola brasileira.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Mal elaboro a teoria, dou o assunto futebol por esgotado. Apesar
de minha descrença espiritual, estou em período de oração pelo meu time,
apostando que, pelo fato de poucas vezes demandar um socorro divino, eu possa
ser ouvido e atendido. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O que haverá de frívolo além do futebol? Concurso de miss?
Não, disso não falo, não é assunto de meu interesse. Embora essa coisa de miss
me faça lembrar de um romance lido recentemente, Pastoral Americana, de Philip
Roth. Nele, Seymour Levov, o personagem central da história, é casado com uma
miss. E daí? Daí nada, foi só uma lembrança. Mas já que falei do livro, tem uma
coisa espetacular na literatura do Roth: a concatenação feita entre a vida
miúda (a minha, a sua, a daquele Levov, o Sueco, como é chamado) e a política. Nisso,
ou também nisso, ele é mestre. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Vejam que só de citar aquilo que me parece a coisa mais leve
do mundo, o concurso de miss, aliás, evento que resiste fora da grande mídia,
esbarrei na literatura. E literatura não é nada frívola. Até os textos ruins ou
de entretenimento não o são. A literatura é coisa séria, mesmo quando não é. Se
é assim, eu deveria cortar os dois últimos parágrafos, mas me custaram um bom
tempo, me afeiçoei a eles e os manterei.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O fato de a literatura nunca ser frívola não quer dizer que
ela e seu entorno não tenham sua graça. Me despeço dando prova disso com um trecho
de uma carta que Macedonio Fernández, escritor argentino estranhíssimo – autor,
por exemplo, de “Museu do Romance da Eterna”, um livro cheio de prólogos a um
romance que afinal não se escreve –, remeteu (ou não) a Borges. Encontrei “as (de
maneira nenhuma) mal traçadas linhas” no site do <i>La Nacion</i>, com data de
11 de setembro de 2007, mas o texto traduzido estava em um post em rede social
de Adaubam Pires, que afinal não sei quem é.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">“Desculpe-me por não ter
ido ontem à noite. Eu estava indo, mas sou tão distraído que no caminho me lembrei
que havia ficado em casa. Estas constantes distrações são uma vergonha, e às
vezes esqueço de me envergonhar também”.</span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-1642115131647648532023-11-06T09:32:00.001-03:002023-11-06T09:32:17.889-03:00Psicologia no busão<p></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Antes de tudo, preciso falar de ônibus lotados, ou não
exatamente deles, mas de uma das razões por que ficam lotados. A partir da
minha experiência no Rio de Janeiro, e não só o de fevereiro e março, alô, alô,
seu prefeito, aquele abraço, os ônibus lotam porque sua frequência é
incompatível com o fluxo de passageiros. Mas há algo pior. Desde que alguns
conhecidos abriram um sebo-livraria em Laranjeiras – a maravilhosa Casa 11 –, me
desloco bastante entre meu bairro, Botafogo, e lá. Antes até de eu me mudar para
a Cidade Maravilhosa, quer dizer, bem mais do que quarenta e três anos, já existia
a linha circular ligando o Cosme Velho ao Leblon. Quem está em Botafogo,
portanto, pode ir a Laranjeiras e voltar de lá sem problema, pois o bairro está
na trajetória. Quer dizer, podia. A linha não acabou, mas cadê os ônibus? Cadê,
prefeito? <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Dia desses, esperei de quinze a vinte minutos pelo
famigerado e, como não veio, peguei um alternativo, que nos deixa no início de
Laranjeiras e nos obriga então a tomar outra condução para chegar ao interior
do bairro ou caminhar. Quando se tem tempo, a segunda opção é ótima. Num
momento de correria, a coisa aperta. Foi o que me aconteceu naquele dia, eu não
tinha tempo, mesmo assim, desci do ônibus e, suspeitando de que esperar poderia
ser uma cilada, andei até a livraria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O que quero contar – passado o momento usuário prensa o
prefeito, que por sua vez não vai se importar com nada disso – é o que me
aconteceu no ônibus, este que estava lotado e tomei com pressa. Minto, não
aconteceu comigo, nem posso dizer que vi, pois não vi e sim ouvi. Nessa era de <i>podcast</i>,
os ouvidos estão bem treinados. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O ônibus levava trabalhadores de volta para casa. Me
posicionei em pé já perto da porta de saída, precavido que só. Espalhadas ao
meu redor, nos bancos à minha esquerda, atrás de mim, e muitas, feito eu, em pé,
iam várias mulheres. Imagino que algumas trabalhem nas clínicas e em hospitais
da redondeza, outras devem ser domésticas, cuidadoras, atendentes de loja. Elas
conversavam alto, de um jeito informal e íntimo, próprio de quem se esbarra com
frequência. Isso acontece no transporte público, sei até de festas de fim de
ano dentro de ônibus. Bem, mas as mulheres falavam, falavam muito e
desordenadamente (para quem não estava no assunto). De repente, contando um
caso, uma voz sobressaiu às demais. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">De uns tempos para cá, ela passou a ter umas tremedeiras. Foi
ao médico, fez exames. Nada. Foi aconselhada a ir a uma psicóloga. Sessão
marcada, presença garantida. O resultado a deixou fora do eixo. No consultório,
falou com as paredes, pois a outra nem tchum. Como se não bastasse, ao final perguntou
à psicóloga se lhe indicaria um remédio, e a resposta foi não. Ela era esperada
na outra semana, no mesmo horário. Onde já se viu uma coisa dessas? A mulher
queria ouvir seus segredos e não lhe dava nada em troca. Preferia seus
tremores. O pior, no entanto, ainda viria: a “doutora” deu uma cruzada de perna
digna de Sharon Stone em “Instinto Selvagem”. Puro assédio. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Antes que eu fosse em busca de minha psicologia de botequim
para aplicar àquela história, a senhora já se queixava do ônibus lotado. Era um
perigo, ela disse. Nisso veio uma moça pedindo licença, pois saltaria no próximo
ponto. A passageira falante perguntou se ela era homem. A pergunta preconceituosa
não encontrou uma resposta à altura, a moça simplesmente disse não e avançou
sobre o espaço que lhe foi aberto. Quando ela desceu, a trêmula comentou que, se
fosse homem, não passaria atrás dela, a menos que se virasse de costas. Acontecem
muitas histórias de violência sexual em ônibus e trens lotados, eis uma
verdade. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Essa passageira, na realidade, era fogosa, seu assunto
principal era de cunho sexual. Suas amigas, sabendo bem disso, a provocavam. Uma
lhe perguntou sobre o novinho. Ela suspirou, diminuiu um pouco a voz, um pouco
mesmo, um quase nada, um faz de conta que baixava a voz, e começou a falar da
gostosura do rapaz. Ele era gordinho, o que só a deixava mais encantada – não era
bem essa palavra – e saudosa, apesar de ser apenas uma relação idealizada. O
rapaz nem sabia de seu amor, o que não tinha importância. Ela suspirava, e isso
já lhe valia uma alegria, um prazer sem fim, eu diria.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Coincidiu de descermos juntos. Eu ansioso, ela com uma expressão
marota, própria de quem se alegra por ter feito as pessoas rirem. Pessoa leve,
apesar de tudo. Eu poderia dizer a ela que um bom psicólogo a ajudaria com
aquelas tremedeiras sem diagnóstico e, até quem sabe, a vencer a timidez e
chegar junto de seu <i>crush</i>. Mas não disse, eu estava a um passo de me atrasar
para o compromisso em Laranjeiras, que antecedia outro que me levaria de volta
a Botafogo. Eu, na realidade, tremia de raiva do prefeito e de pressa, o que me
fez voar e chegar a tempo aos dois. <o:p></o:p></span></p><div style="text-align: justify;"><br /></div><p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-82633260522547428512023-10-23T10:51:00.000-03:002023-10-23T10:51:06.131-03:00Crônica seca<p> <span style="font-family: arial; font-size: x-large;">Eu não mato crianças, mas eles matam, logo nós matamos.</span></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-74161330235496720672023-10-07T12:09:00.005-03:002023-10-09T09:37:14.489-03:00O encanto estrangeiro<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> Não é raro rirmos do estrangeiro. Tampouco é raro a troça
desandar para o preconceito, como é o caso do português entre os brasileiros. O
que, nesse caso, é estranho, pois, veja bem, quando eles chegaram por aqui, havia
apenas os indígenas, logo as diferenças evidentes entre ambos os grupos eram
tão grandes que, diante dos sustos recíprocos, deve ter sobrado pouco espaço
para graça. Tudo bem, a nudez de uns e o excesso de roupas dos outros podem ter
se traduzido em dedos apontados para lá e para cá e risinhos de canto de boca. Imagino
que o português só tenha virado piada depois de o país ter alcançado uma vida
urbana mais intensa, quando os escravizados já eram uma parte substantiva da
população.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Galindo, professor, tradutor e escritor, em seu livro “Latim
em pó” defende que o “brasileiro”, nosso verdadeiro idioma, nasceu de uma
mistura do português de Portugal do século XVI com as demais línguas que por
aqui circulavam, em particular as indígenas e as africanas. Ele acaba por
concluir que o brasileiro é o pretoguês, reforçando a influência africana no
nosso modo de falar. Se é assim, enquanto nossa língua se distanciava do
português castiço, o sujeito verdadeiramente brasileiro que se estabelecia passou
a ironizar o colonizador. Da ironia à piada e dela ao preconceito é um pulo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Apesar do perigo em errar a dose, é difícil não rir de um
estrangeiro, que, a bem da verdade, nem precisa ser de outro país. Nasci no
interior de Minas e em cada uma de minhas mudanças convivi com ironias e gozações.
Quando fui para Belo Horizonte, brincavam (estou sendo suave) com meu “erre
retroflexo”; ao chegar ao Rio, com meus excessos de “uais” e “nossas” e “virgens
marias”. Mesmo hoje, vira e mexe alguém aponta alguma de minhas notas dissonantes
ao ouvido carioca. É do jogo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Fui fazer um curso em Madri e, num fim de semana, eu e um
colega chileno conseguimos uma viagem bem barata para Lisboa. Ficamos dois dias
por lá, tempo suficiente para conhecer um pouco da cidade, comer uma boa
bacalhoada servida por um garçom goiano e ouvir uma apresentação muito triste de
fado. E, claro, para enfrentar as diferenças — bem além da língua — entre o português
e o brasileiro. Perguntei a um taxista aonde ia o trem que passa sobre o Tejo.
Ele me corrigiu: “O comboio?” Concordei. Ele então respondeu à minha pergunta: “Ora,
pois, para o outro lado, mas depois regressa”. O chileno, que não falava
bulhufas de português, caiu na risada. Isso de compreender sem entender acontece.
Na Alemanha, eu sabia exatamente se meus amigos mantinham conversas amenas ou não
— e desconfiava de quando caçoavam de mim. Seja como for, e voltando a Portugal,
a beira do Tejo era o ponto das baladas. Fui ao banheiro de um dos bares, e
todas as piadas que fazemos com os portugueses estavam pintadas (não pichadas ou
rabiscadas) nas paredes, com um detalhe: os personagens tacanhos éramos nós, os
brasileiros.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Um funcionário do instituto de estatística da Espanha veio
fazer uma consultoria na área em que trabalho no IBGE. Um dia o levamos para
almoçar num local mais ajeitadinho. Escolhemos um restaurante mineiro, de que,
aliás, ele gostou muito, achou a comida parecida com a espanhola. Cerveja aqui,
caipirinha ali, ele, mais solto, afirmou que na Espanha a mulher ideal era a dinamarquesa;
em Portugal, a polonesa; na Alemanha, a espanhola (posso ter trocado as
nacionalidades, mas o espírito era esse). Dito isso, quis saber qual era a mulher
ideal para o brasileiro. Um gaiato gritou lá da ponta oposta da mesa: “A do
outro”. O espanhol gostou tanto da resposta que passou a contar a história,
agora anedota, em seus cursos. Sei disso porque fui aluno dele logo depois.
Quando viajei para fazer o curso, levei-lhe de presente uma boa cachaça. A
primeira pergunta que me fez foi se poderia colocá-la no congelador, feito uma
vodca. Não tinha ideia, mas ele, passado um tempo, me disse que colocou e ficou
muito bom.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody><tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEivnDDIT_qkV3Coc7eDDb14ZQ9E24QlYoywnar6dODkB3YyTLXp5XERdGV2Yl2WqYWlcDnup3-TdmKWxZtKmEgUqDw-i77QvbwRd6-b3GbxNFLe-6_8F7Xvr_1DJ9lhxfC_p3tuAYQgdwkz_KLW6qUCIZ2YZ23A9R1Qrue1LScZQQgqRQ4D1smh3g" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img alt="" data-original-height="1405" data-original-width="3051" height="243" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEivnDDIT_qkV3Coc7eDDb14ZQ9E24QlYoywnar6dODkB3YyTLXp5XERdGV2Yl2WqYWlcDnup3-TdmKWxZtKmEgUqDw-i77QvbwRd6-b3GbxNFLe-6_8F7Xvr_1DJ9lhxfC_p3tuAYQgdwkz_KLW6qUCIZ2YZ23A9R1Qrue1LScZQQgqRQ4D1smh3g=w530-h243" width="530" /></a></td></tr><tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Obra de Goya</td></tr></tbody></table><br /><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Esse espanhol, Manuel, seu
nome, teve disposição para passear comigo por Madri. Fomos ao Museu do Prado,
que ele conhecia em detalhes graças à sua mulher, ex-funcionária de lá. Diante
de cada obra, meu anfitrião discorria sobre o período em que ela foi criada, a técnica
utilizada, dava alguma palavrinha sobre a biografia do artista, em particular
de sua relação com o poder, ilustrava, enfim, os Velázques, Rubens, El Greco
espalhados pelo salão. Uma hora, no entanto, a voz de Manuel sumiu, deixou de me
alcançar: havíamos chegado à parte em que estão as “pinturas negras” de Goya, obra
que ele, já velho e, sem sair da Espanha, vivendo uma espécie de exílio, pintou
no reboco de sua casa (na <i>Quinta del Sordo</i>). Diante delas, fui perdendo
o interesse por tudo fora do meu campo de visão e audição. Um estrangeiro,
morto fazia muito tempo, me cobrava uma compreensão do mundo distinta da que eu
tinha. Goya parecia me dizer que no mundo, no mundo ideal, não haveria
fronteiras. Caminhamos em sentido oposto.</span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-57118008882719662812023-09-23T11:48:00.004-03:002023-09-25T08:59:08.706-03:00Em busca do ouro<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> Na classe média estamos os nem lá nem cá, muitos cobiçando o
andar de cima, oásis da opulência, outros de olho no de baixo, para onde não
querem voltar ou despencar. Diríamos que somos um aglomerado desigual e propício
a intensa e merecida piada.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Sonhamos com a Disney e, se conseguimos chegar lá, somos
vistos como verdadeiros patetas, a tal ponto que, aqui e ali, nos repreendem.
Vocês são muito novos para se lembrarem de Pepeu Gomes e Baby Consuelo barrados
no parque. Mickey e seus amigos consideraram a figura do casal roqueiro —
cabelos e roupas bem coloridos, uma bobagem aos olhos de hoje — muito
chamativa, capaz de roubar a atenção dos demais frequentadores. Tem cabimento usar
Pepeu e Baby como exemplo da classe média? Não se iludam, pertencem a ela tanto
quanto eu — e talvez você — e podem ter ganhado algum dinheiro, mas, sei lá,
nunca permaneceram na lista dos mais tocados, nem daqueles que batem ponto nos
programas de auditório badalados. E ainda se separaram, e ainda tiveram muitos
filhos. Além do mais, a classe média é um território bem extenso, bastante habitado
e com diferenças gritantes entre os quase ricos e os por muito pouco fora da
pobreza.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Em 2015, a Piauí publicou uma reportagem do escritor
norte-americano Walter Kirn. É um texto típico do que se convencionou chamar de
jornalismo literário, uma peça que conta a história aos poucos, enchendo-a de
pormenores saborosos que, não raro, esclarecem os interesses do jornalista ao
contar aquilo. No caso, Kirn resolve levar um cachorro — que, depois de um
atropelamento, ficou paralítico e só conseguia andar com um carrinho que lhe era
acoplado à parte traseira do corpo — de Montana à cidade de Nova York para entregá-lo
à pessoa que o adotou: ninguém mais, ninguém menos que um Rockefeller. A
estranheza de um milionário (não um qualquer) se interessar por um cachorro que
lhe daria muito trabalho e talvez tivesse uma vida curta motivou o escritor, que
viu nessa história material para um possível novo livro. Na verdade, o Rockfeller
não era um Rockfeller, e sim um golpista que, não se sabe muito bem como, vivia
em altas rodas sem ser desmascarado e mantinha peças de artes caríssimas (Mondrian,
Motherwell, Pollock e Rothko). Mesmo achando o sujeito excêntrico, Kirn manteve
uma relação (até mesmo uma amizade) com o golpista de 1998 a bem depois, sem
desconfiar de suas trapaças. Em 2013, a farsa do milionário veio à tona. Descobriu-se
que muitos anos antes ele havia cometido um crime. A reportagem não esclarece
como o alemão (sim, era um estrangeiro) chegou tão longe, quer dizer, como deixou
o anonimato da classe média e tornou-se um rico de pedigree, nem rico, nem com
pedigree. Conheço histórias não desse quilate, mas com o mesmo princípio. Na
minha cidade, havia um homem, pai de amigos, que certa vez vendeu um terreno em
Belo Horizonte, e o comprador só se deu pelo golpe quando, indo registrá-lo,
descobriu que sua nova propriedade estava submersa na Lagoa da Pampulha. O meu
conhecido não foi exitoso como o alemão, mas nunca se emendou e viveu tentando
dar o pulo do gato, sem, contudo, conseguir deixar o porão onde se amontoa a
ralé dos remediados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Em tempos de internet, além dos golpes virtuais, há outros
meios de alcançar — ou pelo menos de tentar — a riqueza. A classe média sabe
ocupar um espaço honesto, mesmo aqueles que os falsos moralistas apedrejam sem
dó. Soube ainda esta semana de uma moça muito jovem que, vendo-se em apuros
financeiros, começou a obter <i>likes </i>de homens e mulheres em sites adultos.
Não é a única que se aproveita da imagem, mas ela vai além e se exibe transando
com parceiros de ambos os sexos, o que também não é uma grande novidade. Ela
inova ao abordar homens na rua e perguntar-lhes coisas assim: “Tapa ou beijo?”;
“Dois reais ou um presente secreto?” Isso foi considerado abusivo e gerou uma
campanha de <i>cancelamento </i>contra ela. Apesar disso, ou exatamente por
isso, seus seguidores em redes sociais nas quais é possível compartilhar
conteúdo erótico só têm aumentado. Hoje ela estaria faturando algo como cem mil
reais por mês.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A classe média tem aqueles que
não dormem no ponto. Com astúcia e sorte, podem dormir na cobertura da pirâmide
da distribuição de renda, mas, presos ao destino irônico, quase sempre amanhecem
na pindaíba de sempre — ou mais além.</span><o:p></o:p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-3115933422853339122023-09-11T07:38:00.002-03:002023-09-11T07:38:26.887-03:00Viajando na maionese e na abobrinha<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Não faz muito tempo, li “Madame Bovary”, de Flaubert. O
autor e o editor da revista em que o romance foi publicado tornaram-se réus porque,
aos olhos de seus contemporâneos, o adultério – feminino, se fosse o masculino
estava tudo certo, sabemos bem disso – teria ganhado certo glamour naquelas páginas.
Não é bem assim, quem leu sabe o fim da intensa Emma, a <i>madame</i>. (Espero
que essa pequena confidência não seja vista como <i>spoiler</i> e afaste
possíveis leitores.) Não vou analisar ou fazer uma resenha do “romance dos
romances”, pois não tenho interesse nem os apetrechos exigidos pela empreitada –
sou apenas um leitor amador. Trago-o à tona porque fiquei pensando se nosso “Dom
Casmurro”, de Machado de Assis, não seria um “Madame Bovary” do ponto de vista
do <i>monsieur</i> Bovary, que, como todos sabem, inclusive quem nunca leu o livro,
é um corno. Corno manso, devo acrescentar, na esperança de atrair novos
leitores ao romance francês. De quebra, também ao brasileiro.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Retomei uma leitura de muitos anos atrás e dessa vez fui com
ela até o fim: “Crônica da casa assassinada”, de Lúcio Cardoso, um livro e
tanto, no tamanho (umas 500 páginas) e na qualidade. Quando vejo autores contemporâneos
explorando, num mesmo texto, vários narradores, fico pensando que um dos que mais
souberam fazer isso foi esse mineiro de Curvelo. Desse ponto de vista, ele é um
mestre, e a obra um primor. Mas Lúcio Cardoso (não sei se por pressão externa de
pré-leitores ou do editor, ou se interna, a pior delas) não manteve sua história
no extremo. Quando nos acostumamos com o fato de o clã dos Menezes ter cruzado a
fronteira da moral burguesa, a trama recua e nega o<i> horror</i>, bem, isso até
onde seria possível negá-lo naquela altura do romance. No prefácio da publicação
comemorativa de quarenta anos da primeira edição, lançada em 2000 pela Civilização
Brasileira, André Seffrin diz que “se o último capítulo dilui e desfibra boa
parte da tensão e do enigma que o livro encerra, e se no todo a narrativa deixa
transparecer um engenho demasiadamente literário, estes detalhes são
infinitamente pequenos ante o poder extraordinário da poesia que se levanta destas
páginas”. Concordo, e isso me faz pensar no que seria um bom romance. Na
realidade, não sei, mas anoto que pelo menos uma – quem sabe duas – de suas
partes deve ser muito boa: a história, o texto, a estrutura... ou a coragem de
quem o escreve. Flaubert é corajoso. Machado de Assis é corajoso. Lúcio Cardoso
é corajoso. Clarice Lispector, Carolina Maria de Jesus, Hilda Hilst, Maria
Valéria Rezende são corajosas. Viva a coragem, mesmo aquela – ou principalmente
ela – que não tem nada de clara e triunfante.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Troco o assunto literatura por um ameno: comida, que, aliás,
dá título a esta crônica em que uso maionese e abobrinha para expressar uma conversa
inconsequente, meio à deriva. Sem querer armar confusão, afirmo de forma
contundente: a segunda melhor comida do mundo é o pão de queijo. Não os deixarei
sem saber qual é a primeira, claro. Num texto em que dei até <i>spoiler</i>, vou
esconder uma coisica à toa? A melhor comida do mundo é o pão de queijo da Nilzinha.
<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Não há comida sem bebida, mesmo os médicos dizendo que é
melhor não misturá-las durante as refeições. Olha só, médico nenhum me disse
isso, mas essa “verdade” zanza por aí muito antes da existência da internet. Essa,
sejamos sinceros, só dá celeridade a assuntos candentes, que despertam apenas o
nosso – reles rudes, giróvagos mesmerizados – interesse. Me lembro que em
tempos pré-redes sociais uma de minhas irmãs foi convencida de que o jeito mais
fácil de emagrecer seria comer com uma colher pequena. Ela adotou a estratégia
e, de fato, emagreceu, mas não naquele momento, e sim muitos anos depois,
quando já havia abandonado a tal colherzinha, deixado de comer doce e virado
rata de academia. Ela é enxutinha agora, passados uns tantos anos após ter
recebido a preciosa dica. Se estivéssemos entre 2020 e 2022, interstício do
nosso aprisionamento, chamaríamos aquela divulgadora da ciência para nos dizer se
a dieta do talher miúdo é comprovada e eficaz, mas, agora que ela cutucou até Freud,
parece mais sensato deixá-la de lado e mudar de assunto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Aliás, não vou mudar de assunto,
e sim fugir do enorme parêntese em que me meti. Eu ia falar de bebida e acabei expondo
minha irmã e desferindo indelicadezas contra quem eu nem conheço. Falemos de
bebida. Não sei se vocês tomam, assim na maciota, um drinquezinho ou uma cervejola.
Caso não bebam, não vou aconselhá-los a beber, haja vista que o álcool faz um
mal danado e não raro leva ao vício – o que está comprovado, mas há de se pesarem
os prós e os contras, pois, nas pesquisas divulgadas até a semana passada, o
vinho tinto chileno é visto como um elixir cardíaco. Se você, correndo os
riscos do vício e da cirrose, toma um gole aqui e outro ali, preciso dizer o
seguinte: beba água entre uma talagada e outra. Não sei se está provado pela
ciência – ainda que minha irmã, aquela da dieta, tenha visto na internet que sim
–, mas, no meu caso, atenua bem a inevitável ressaca.<o:p></o:p></span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com6tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-62842829995483876112023-08-26T10:03:00.001-03:002023-08-28T10:23:29.678-03:00A fuga do espelho<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Tenho estado com pessoas com quem só me relacionava pela
rede social. É incrível, elas existem. Uma tem nariz bem torneado, o que não
quer dizer que seja bonita; outra, orelha grande, o que não quer dizer que seja
feia. Tem aquela cuja beleza não passa de um filtro; e aquela que é alta – como
eu poderia imaginar? Uma, apesar de poeta, de boa poeta, é chata. Já outra,
coitada, péssima no verso, na prosa, na piadinha que faz para agradar, é uma
simpatia sem fim.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Continuamos tridimensionais, no corpo, e complexos, na
essência. Não deixa de ser uma esperança. Afinal de contas, o mundo das redes é
um sugador insaciável de nossa humanidade e, se é forte dizer que nos escraviza
– melhor deixar a palavra para o que ela de fato representa, a exploração aviltante
do trabalho, o uso do castigo físico e o rapto da liberdade –, cabe dizer que
nos torna dependentes. Um vício. Injeta-nos uma droga que, antes de destruir o
corpo, destrói a cuca. Sem um <i>like,</i> não vivemos mais e, para conquistá-lo,
caprichamos nas fotos e escondemos as complicações.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Nos livros, encontramos personagens bastante intricadas, mas
elas estão presas a determinadas situações, que se repetem a cada leitura. Raskólnikov,
de “Crime e Castigo”, não pode marcar um encontro com um dos leitores,
desabafar, contar de seus planos de crime e, quem sabe, ouvir o outro e recuar da
jornada de autodestruição e castigo. Tampouco Dmitri, o mais velho dos irmãos
Karamázov, consegue abandonar sua existência de palavras e, pedindo que lhe paguem
um chope, quer dizer, uma vodca, dialogar com quem, por ser mero espectador de
seus dramas, é capaz de alertá-lo de que só se amassa o pão depois de colhido e
preparado o trigo. Cito dois personagens de Fiódor Dostoiévski por ser ele um
autor conhecido por criar personagens mais humanos do que qualquer um de nós.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Na rede social, somos as personagens. Eu faço o bobo; fulano,
o militante; a universitária, a sedutora; o rapazote, o poeta romântico; o tiozão,
o defensor dos bons costumes – todos lineares e em busca de uma dose de <i>like</i>.
Mas é possível que, num chope, eu não seja tão bobo assim e o tiozão, na
terceira tulipa, nos revele que, não sempre, mas também não em tão raras vezes,
dorme de conchinha com um sobrinho ocasional.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Se o romance é um espelho que,
ao nos refletir quase em minúcia, nos assusta, a rede social é um espaço sem
meio-termo, de onde o contraditório (não confundir com treta) foi expulso. No romance,
o autor torna complexo o já complexo; na rede social, enxuga-se o simples até
que só lhe reste o simplório.</span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-82424085241929919732023-08-14T08:41:00.004-03:002023-08-14T08:41:55.677-03:00O fim de tudo<p> </p><p class="MsoNormal" style="margin-left: 8.0cm; text-indent: 0cm;"><span style="line-height: 150%;"><span style="font-family: arial;">Há muito tempo eu escuto esse papo
furado / dizendo que o samba acabou / só se foi quando o dia clareou (Paulinho
da Viola)</span></span></p><p class="MsoNormal" style="margin-left: 8.0cm; text-indent: 0cm;"><span style="font-size: 9.0pt; line-height: 150%;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ora acabam com o samba, ora com o conto, com a literatura,
com a história. No entanto, meus amigos, o que vai acabar é o mundo, mas até lá
nosso assombro, cuja voz é a música, a literatura, a escultura, a pintura, o
cinema, a ciência, continuará se manifestando. Portanto não passa de um novo
alarme falso o fim da crônica anunciado por Julian Fuks em sua coluna no UOL. Segundo
ele, a pressa dos dias de hoje justifica essa morte. Não a pressa de todos, ele
esclarece (ou imagina esclarecer), mas a do leitor. Ó, meu deus, a pressa está
aí pelo menos desde a Revolução Industrial, claro que se ajustando às novas
tecnologias. Ela nada mais é do que a subtração do nosso tempo pelos perrengues
da sobrevivência, portanto a gente se adapta a ela não é de hoje. Alguns afoitos
leem, no entanto a maioria nunca leu nem vai ler. Assim é a triste realidade.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O tique-taque comeu, sem mastigar, o tempo medido pela posição
do sol, pelo desenho da sombra, pelas manifestações do estômago, e essa aceleração
não destruiu nada que chamamos de arte, ao contrário, o romance – esse colosso
que já teve mil, mil e quinhentas páginas, reduzidas hoje, na pressa de todos,
inclusive dos escritores, a no máximo duzentas, com raras exceções – frutificou
ali. Agora o vapt-vupt engoliu o tique-taque, e, graças às descobertas e
inventos atuais dos tempos velozes, viveremos uma vida longa – morrendo, no
entanto, mais novos do que nunca – e, como não?, produzindo arte e ciência. Portanto
sejamos menos alarmistas. Quem dá as costas à literatura ao rés do chão é a grande
imprensa. A crônica, que nasceu num cantinho sem proveito do jornal, foi expulsa
dele. Sobra um Joaquim Ferreira dos Santos aqui, uma Martha Medeiros ali. Mas,
em meio ao menosprezo, surge, na cabeça apaixonada e sábia de um jovem paranaense,
essa Rubem, que dá guarida a mim e a outros onze cronistas (sem contar os que
já contribuíram com ela), alguns inclusive com passagem pelos jornais. O Rascunho,
publicação literária já longeva, mantém cronistas entre seus colunistas e, recentemente,
o prêmio Jabuti abriu distinção ao gênero, o que sugere que se têm escrito livros
de crônica. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Enquanto houver pobreza, haverá crônica. Enquanto houver
histórias de amor, haverá crônica. Enquanto houver uma tristeza ou mesmo uma alegria
sem motivo, haverá crônica. Tédio? Crônica. Ironia? Crônica. Um sujeito dado a
caminhadas pela rua é um potencial cronista. Uma mulher tomada por uma
lembrança erótica é uma potencial cronista. Um saudosista pode ser um cronista,
ainda que chato. Uma atendente de <i>petshop</i> precisará apenas de um
empurrãozinho (do talento) para escrever crônicas contando aonde chegou nosso
amor pelos animais domésticos, sem se esquecer dos excessos por conta desse
amor.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="text-indent: 0cm;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A crônica não acabará,
assim como a história não acabou com o fim da Guerra Fria. Nosso problema é
outro: se não cuidarmos do mundo – mantendo florestas em pé, esfriando o
planeta um bocado, distribuindo a riqueza –, é certo que, pegos no contrapé, não
teremos nem tempo de escrever a crônica do fim de tudo.</span></span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-70845411745146962062023-07-30T10:08:00.000-03:002023-07-30T10:08:39.696-03:00O líder<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O assunto é futebol. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Até a rodada da semana passada, o Botafogo liderava o campeonato
nacional masculino com onze pontos na dianteira do segundo colocado, isso depois
de dezesseis rodadas (de um total de trinta e oito). A campanha não tem paralelo
na era de pontos corridos: treze vitórias, dois empates e uma derrota. A coisa
pode mudar? Sim, mas os fatos são esses.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Não é tanto o futebol o assunto de que trato agora.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ao Botafogo está grudada a pecha do sofrimento. Feita uma
menção ao clube, logo levantam a voz para falar do chororô, remetendo a um jogo
contra o Flamengo em que a torcida alvinegra imputou o resultado (a vitória rubro-negra)
à mão grande do juiz. Mas não só. Se entre os anos de 1950 e 1960, o Botafogo era,
ao lado do Santos, a grande potência do esporte, a partir daí despencou. Ficou
sem ganhar um campeonato carioca por vinte anos; depois de 1968, só em 1989. E faturou
apenas um nacional, em 1995, ainda na época do mata-mata, quando derrubou o grande
rival dos áureos tempos. Não bastasse isso, desceu três vezes à segunda divisão,
tendo voltado à elite sempre um ano depois, como vice-campeão em 2003 e como
campeão em 2015 e 2021. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Esse cenário de um deus chafurdando entre os mortais explica
a tal sofrência do “Glorioso”, que “não pode perder / perder pra ninguém”. (Nos
dias de hoje, o hino seria feito não por Lamartine Babo, mas por um desses
sertanejos universitários. Pelo menos isso não aconteceu, há de se comemorar.) Mas
é preciso ver a trajetória do alvinegro carioca com olhos voltados para além
das quatro linhas (as quatro linhas aqui são o que são, ou seja, não têm nada a
ver com aquela metáfora surrada da extrema direita). O Botafogo, sofrido, se
confunde com o Brasil. E essa identificação é tão clara que não há quem o odeie.
Numa espécie de autoironia, brinca-se com a sua situação, faz-se <i>bullying</i>
com seus torcedores, mas a verdade é a seguinte: se o clube sai da zona do
sofrimento, todo brasileiro sai um pouco também, logo, o sucesso da Estrela
Solitária é a chance de redenção do país. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Não é à toa que, quando o Brasil tira um dedo da lama – sabemos
que a lama ainda nos segura e continua alimentada por água e terra que não
acabam mais –, o time do chororô assuma a liderança do campeonato. O paralelo vai
além: o sucesso do Botafogo passa por uma aliança estranha: o dinheiro de um
gringo (o Botafogo foi um dos primeiros clubes a se transformarem em sociedade
anônima do futebol, SAF) e os pés de um monte de jogadores – os que têm feito a
diferença no ataque, paraibanos – que rodavam pelo mundo em clubes médios ou
pequenos. É a tal coalizão. </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Talvez a taxa de juros caia
e o emprego aumente, talvez nossas dívidas sejam renegociadas e a economia
aqueça, talvez o negacionismo regrida e a ciência triunfe, talvez a Amazônia, o
cerrado e a mata atlântica passem a ser respeitados e preservados. Se nada ainda
é líquido e certo, o clima menos sombrio acende a esperança de dias melhores. Sendo
assim, é justo que o campeão seja aquele que sofre em nome de todos. Somos todos
Fooooogo.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgIVcfg4MPQuVjmvnpkskk79Ab9eepC66ei9OYi7lMvD0X721iJGsqKTDq4t_yx00Zlvn0HCQODE10pJaQgG8F13cszTWamJ97jiKONY0kxVQf3pCrbkvSUeerl4k2qsC2eNpyHb8JlJKaZt3tudSHU159QdqNlclqZ53_lGthT5gbH1F2mBf7YKg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="320" data-original-width="298" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgIVcfg4MPQuVjmvnpkskk79Ab9eepC66ei9OYi7lMvD0X721iJGsqKTDq4t_yx00Zlvn0HCQODE10pJaQgG8F13cszTWamJ97jiKONY0kxVQf3pCrbkvSUeerl4k2qsC2eNpyHb8JlJKaZt3tudSHU159QdqNlclqZ53_lGthT5gbH1F2mBf7YKg=w373-h400" width="373" /></a></span></div><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /><br /></span><p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-29813854625046380052023-07-15T09:58:00.002-03:002023-07-17T09:23:11.053-03:00CM e a rapadura<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Carlos
Magno, na certidão de nascimento e na esperança familiar de se tornar um grande
homem; Classe Medião, como, depois de homem feito e cheio de história, o
descreveria aos pais um novo amigo do filho, encantado com tantos brinquedos e
aparelhos eletrônicos existentes na casa dos vizinhos recém-instalados no
prédio; mas foi como CM que ficou conhecido. O senhor CM. O parça CM. Papi CM.
CM, meu amor.</span></p>
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Na infância,
carregou caixa de engraxate, negociou passarinho, fez uns pequenos furtos. Depois
foi trabalhar na loja de esporte do seu Kalu, de lá arrumou um emprego num
banco privado e, por milagre – opinião de sua mãe, baseada no fato de nunca ter
visto o Carlinhos (pra mamãe não tinha essa de CM) com um caderno na mão –,
passou num concurso do Banco do Brasil. Foi mandado para uma cidade distante. Não
sendo conhecido de ninguém, fez do emprego um cabide para favores de toda
sorte. Favores, diga-se de passagem, que custavam aos beneficiários uns bons bagarotes.
</span></p>
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Quando
visitava a mãe, levava-lhe presentes. Filho atencioso, está muito bem no
serviço público, comentava envaidecida a senhora. De fato, estava, só que o
recheio de sua conta tinha pouco a ver com o salário mensal. Bastava compará-lo
a um colega mais ou menos contemporâneo para constatar isso. O outro estaria
bem, mas ali no limite, e bastava um sopro nos ares da conjuntura para consumir
sua poupança, fazê-lo tirar o filho da escola particular ou voltar a tomar a
cerveja barata ou mesmo deixar de tomá-la. Já CM nem se preocupava com cenários
econômicos, micro ou macro.</span></p>
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Assediou a
moça bonita, filha de uma autoridade importante do município, e foi
correspondido. Casamento, filho, construção de uma casa confortável. Um monte
de amigos. Depois a transferência para a cidade grande. Quando se instalou no
prédio de bairro nobre, aconteceu o caso que lhe custou a alcunha de Classe
Medião. Ele achou foi graça, era isso mesmo, mas que não o chamassem assim,
pois era CM. Para o filho. Para a mulher. Para a mãe; não, pra ela, não. Para
os clientes vips. Nas reuniões de condomínio, à boca pequena, o chamavam do
apelido que lhe desagradava, mais por pilhéria que por maldade.</span></p>
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ah, a vida
na capital. No início, o deslumbre. Almoços caros, bares da moda, uma amizade colorida.
No entanto os arranjos do banco tornaram-se mais difíceis; difíceis, não,
impossíveis. Lá no interior, os favores lhe eram pedidos e já chegavam com o
orçamento definido. Era pegar ou largar. Ele sempre pegou, porque ser trouxa
não era de seu feitio. Mas na capital... Deveria se oferecer? Desenrolo aquele
pedido de empréstimo em troca de um pequeno agrado. Faço sua assinatura subir
para o gerente agora. Sumo com essa ficha meio suja. Cidade grande, gente miúda.
Vai que todo mundo ali fosse honestíssimo? Ou que o jogo fosse maior? Que ajuda
em empréstimo coisa nenhuma, a questão era ocultar umas exportações, usufruir
de um câmbio especial, dar um calote sem pena nas contas do governo.</span></p>
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">CM foi vendo
o dinheiro minguar e a timidez crescer. Não era desses, o que se passava? Veio
então o vento outonal de uma crise econômica, e o sortudo bambeou as pernas.
Prudente, dispensou a amiga. Mais adiante, a empregada. Tirou o filho da escola
privada, notícia recebida com ironia no condomínio: “Agora é o Classe Medinha”.
Não ficou muito mais tempo no apartamento caro e bonito, deixando para trás
aluguéis, taxas e impostos atrasados. Foi morar longe e começou a economizar
nas refeições, a descolar umas caronas para não enfiar o salário todo no
transporte urbano. A mulher se mandou para a casa dos pais, lá na cidade do
interior, e logo entrou na justiça cobrando-lhe uma pensão pra lá de
escorchante. </span></p>
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Conheceu a
solidão da pessoa sem dinheiro. Maldisse seu infortúnio e deu de beber. Um dia,
embalado pela cachaça (das baratas, nada de luxo), pegou um papel e escreveu: “Sou
o lateral esquerdo – ou talvez o beque central – ou talvez o quarto zagueiro –
ou talvez o lateral direito – ou todos eles, incluindo o cabeça de área – de
minha defesa devassada”. </span></p>
<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Seria poeta, decidiu com a
certeza do borracho. Escreveria umas coisas aqui, outras ali e, para não perder
o hábito, roubaria uns versinhos. Ninguém notaria, afinal quem lê poesia nesse
mundo? Se viu recitando seus versinhos nos programas vespertinos de televisão.
A fama logo se traduziria em grana. Estava quase feliz com seus devaneios
quando o pileque passou, deixando, ainda, a maldita ressaca no descontrole de
tudo. Nessa hora, ouviu a mãe dizendo aos vizinhos: “o Carlinhos, coitado,
entregou a rapadura”.</span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"></span></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhEQz14hnwWCWDKpT02tcYWP5RxKemDXsINCI2yd4aG3wPqw4Pf48v66ax8UAaX1nrRK7mXUAqybIcPx18pyHu6hy3gqIAz_NW4gu1DCqy5__6_8haFaV-SzVeDuOTHZQpZcNID-JP0VnaGcLV5hHNpEFP9nCfmtBmFe-wlfvEWzYs_d-CQGxjw3Q" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="600" data-original-width="900" height="266" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhEQz14hnwWCWDKpT02tcYWP5RxKemDXsINCI2yd4aG3wPqw4Pf48v66ax8UAaX1nrRK7mXUAqybIcPx18pyHu6hy3gqIAz_NW4gu1DCqy5__6_8haFaV-SzVeDuOTHZQpZcNID-JP0VnaGcLV5hHNpEFP9nCfmtBmFe-wlfvEWzYs_d-CQGxjw3Q=w400-h266" width="400" /></a></span></div><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /><br /></span><p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-82246457978415866522023-07-03T09:48:00.000-03:002023-07-03T09:48:12.284-03:00A mesa vizinha<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Passáramos (o escritor moderno talvez prefira escrever
“havíamos passado”, mas há pássaros em passáramos, e eles acabam de pousar bem
aqui) o dia indo e vindo entre o velho e o novo apartamento de meu filho e
minha nora. Levávamos a parte miúda da mudança: roupa, talher, louça, material
de limpeza, livros, mas também duas televisões grandes e até o tampo da mesa de
jantar, de vidro, frágil. Terminada a tarefa, fomos deixar o carro na locadora
e encontrar um bar para molhar as palavras, estancar o suor, jogar conversa
fora, enfim, essas coisas nomeadas de um jeito a não escancarar o fato de que fomos
beber. Comemorávamos a casa nova, o sucesso do nosso trabalho, o fato de termos
passado o dia juntos.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">No bar, sentamo-nos ao lado de uma mesa ocupada por quatro
mulheres. Duas mais velhas, uma intermediária e uma menina de uns dez anos, no
máximo doze. Conjecturei que era uma família e apostei que a criança estava
acompanhada da bisavó, da avó e da mãe. Depois eu soube que não, eram as suas
duas avós, a materna e a paterna, e sua mãe. Como eu disse, quando chegamos,
elas já estavam lá e, digo agora, de lá saíram no mesmo momento que a gente. Venci
a timidez quando esperávamos a condução. Aproximei-me da mãe da menina e
perguntei sobre o parentesco (pelo menos essa curiosidade eu não carreguei).<span style="color: #c45911; mso-themecolor: accent2; mso-themeshade: 191;"><o:p></o:p></span></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Ainda no bar, elas fecharam e reabriram a conta algumas
vezes, quase sempre pediam mais três chopes, embora uma das senhoras tenha
passado a tomar refrigerante a partir de determinada hora. Ou tenha tomado um
refrigerante e, em seguida, voltado ao chope.<o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A menina, que estava de costas para mim, foi quem prendeu
minha atenção. Enquanto as mais velhas tagarelavam, como é o esperado em mesa
de bar, ela jogava no celular, o que<span style="color: #c45911; mso-themecolor: accent2; mso-themeshade: 191;"> </span>passou a ser habitual nos dias de hoje. Ao
olhá-la batucando a tela, notei suas unhas, eram enormes e carregadas de esmalte
carmim. Mais tarde, quando ela se levantou e pude vê-la de frente, percebi que
estava maquiada de um jeito que nem mesmo em moças mais velhas, adolescentes e
jovens tenho visto. <o:p></o:p></span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A menina, ao estar caracterizada como adulta, parecia presa
ao passado e, agarrada ao eletrônico, ao futuro – que já é presente, mas, em
perspectiva, está bem aquém do que será em breve. As outras mulheres também
davam sinais ambíguos. Falavam o que eu não conseguia captar – e nem queria,
afinal, estava com os meus celebrando um dia produtivo –, mas houve uma hora em
que a mãe da menina, filha de uma senhora, nora da outra, usou uma expressão
bem masculina para falar de uma atitude tomada certa vez: “meti o dito-cujo (não
foi bem essa palavra, mas uso-a para não ferir o pássaro que voou sem sentido
algum no início da crônica) na mesa”. Não é raro eu ouvir mulheres usando
expressões assim. Tudo, inclusive a linguagem, anda mais complexo do que
imagino.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Saio pouco de casa, talvez
por isso tenha me encantado, melhor dizer – sem querer me proteger de um possível
julgamento –, me assustado com aquela mesa. Não deve ser nada diferente nos muitos
botequins da cidade, é que perdi a cancha, a malícia, enferrujei. Em devaneio, até
escuto o pensamento irônico borbulhando na cabeça daquelas mulheres: “Por aí,
seu cronista, tu não vai chegar a lugar nenhum, não envelheça tão casmurro”. Casmurro?
Eu? Então me respondam: em que alcova andará escondida minha Capitu?</span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-31076151071791458152023-06-19T10:17:00.000-03:002023-06-19T10:17:43.800-03:00Futuros<p> </p><h2 style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O futuro começou ontem<o:p></o:p></span></h2>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Em entrevista a Daniel Prado (BBC News Brasil), o indígena ticuna
Alex Rufino contesta a visão de que, após a queda de um avião, a sobrevivência
de quatro crianças indígenas em floresta densa da Colômbia teria sido um
milagre. Ao se afirmar isso, ele pondera, não se toma a perspectiva de quem nasce
íntimo da floresta, portanto protegido por ela. Rufino nos oferece uma
sabedoria alternativa, e nela estão tanto o aprendizado corriqueiro (o que comer,
como se proteger de animais) quanto a teia espiritual que atua no sentido de
dar bom destino àqueles que se encontram à deriva.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Nós, urbanos, perdemos dia a dia o contato com o passado.
Nossa sede é de futuro, acreditando que a colheita brota do nada. Estamos ansiosos
pela inteligência artificial – capaz, dizem alguns, e não nos importamos muito
com isso, de ceifar a vida humana da face da terra –, do mesmo modo com que
esperamos o novo modelo do carro ou do relógio que medirá as horas e nosso batimento
cardíaco e que talvez nos faça, durante o sono, virar de lado para facilitar a respiração.
Nossa fé é que o passado esteja capsulado nas traquitanas do futuro, portanto
não precisamos olhar para trás, um tempo esquecível, morto.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Não sairíamos vivos da floresta, mas os indígenas têm sobrevivido
não é de hoje ao nosso mundo, que lhes é hostil. Não só hostil, inimigo. Destruímos
quase tudo que era deles, cabendo-nos agora, em respeito, deixar-lhes (aos
poucos restantes) as terras que cuidam e preservam desde muito antes de uma
formalidade constitucional. Podemos ir além, despir-nos de nossa soberba e aprender
com a sabedoria milenar que cultivam. Um pouco mágica? Bastante, por isso
potente. Na entrevista de Rufino, ele diz que a mãe das crianças indígenas, morta
no acidente, espalhou-se em espírito pela floresta e ajudou seus filhos a
sobreviver aos quarenta dias.<o:p></o:p></span></p>
<h2 style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></h2><h2 style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">O futuro terminou ontem<o:p></o:p></span></h2>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Eu não a conhecia, na realidade, jamais havia ouvido falar seu
nome. Portanto o anúncio de sua morte poderia ter me passado despercebido ou me
custado apenas o acionamento de um daqueles botões de solidariedade da rede
social. Mas não. Um querido amigo, logo de manhã, começou a dividir conosco seu
luto, seu abandono. Esse amigo, além de livreiro, é poeta e perdia uma amiga
também poeta. Logo, outros conhecidos meus também se manifestaram. A poeta que
perdeu o futuro tinha a idade de meu filho mais velho, jovem demais. Eu não a
conhecia, repito, mas a dor daqueles que a perderam me feriu igualmente e de
tal modo que o dia todo pensei sobre aquela morte. Talvez o fato de ser uma
poeta torne pior o que já é terrível – a morte de uma jovem. Morreu uma jovem
justo agora que precisamos dos que carregam os grãos do passado até o futuro,
assim como os indígenas, assim como as poetas.</span><o:p></o:p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-90414347426203206542023-06-05T08:56:00.000-03:002023-06-05T08:56:05.199-03:00Distraído nefelibata<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Sou um pedestre distraído. Aliás, hoje quem não é um
pedestre distraído? A maioria está capturada pelo celular, alguns conversando
com a mãe, checando se ela tomou os remédios da manhã, se marcou o médico, outros
olhando o <i>nude</i> que fez soar o alarme do zap. Sim, a turma já olha ali na
calçada, sem constrangimento, afinal o nu deixou de ser uma coisa privada. Convidado
pela amiga, você vai ver a foto do joelho recém-operado do marido dela e se
depara não só com aquilo como também com uma enormidade diminuta ou uma pequenez
robusta. Tudo na boa. Novos tempos. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">A minha distração não é dessa natureza.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Posso, no corpo a corpo da disputa pelos espaços exíguos das
calçadas estreitas, me perder numa lembrança. Com isso, diminuo a velocidade
dos meus passos e provoco pequenos engarrafamentos de gente. Se me perguntam o
que está pegando, sou obrigado a dizer que empaquei naquela procura sem sucesso
em que estou metido. Qual, criatura? Ah, aquele disco instrumental d’A Cor do
Som, aquele em que o Egberto Gismonti faz uma participação especial. Mas isso é
motivo para reter os atrasados para o trabalho ou para um encontro amoroso ou
simplesmente fugidos de uma situação perigosa? É verdade, mas, olha, aquele som
já me salvou, num sabe? Ninguém quer saber, e, como pedestre não tem buzina, metem
a mão na cumbuca do xingamento: seu isso, seu aquilo e seu aquilo outro. Me
ajudar na procura, ninguém.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Mas quem me xinga? O autômato do celular. Ele anda com a cara
enfiada na telinha e nada o tira dali a não ser quando dá um encontrão num
distraído de outra natureza. A minha distração requer paradas para olhar ao
redor. Não que eu espere achar algum <i>link</i> do disco tatuado no chão, ou
mesmo um CD abandonado ao lado de uma lixeira, não é isso, é que a nostalgia
daquele disco, como eu já disse, me remete a situações meio bravas que aquelas
músicas me ajudaram a superar. Então eu preciso parar e suspirar.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Falo desse disco porque o procuro, ainda que apenas nas
plataformas aquém da pirataria, já há algum tempo, mas minha distração, sempre
nefelibata, se alimenta de outras e muitas miudezas. <i>Nudes</i> também, mas
não os que estão escancarados nos <i>smartfones</i> da vida. Entre minha casa e
o mercado onde gosto de comprar o pão francês, aquela menina que hoje, feito eu,
rompeu a sexta década de existência, me aparece adolescente em seu biquini
verde-água em torno da piscina em que nos refrescávamos e, olhando uns aos
outros, fazíamos planos de gente grande. Planos que incluíam, se não eram apenas
isso, sacar a pouca roupa que vestíamos e nos visitarmos com a sem-cerimônia
que ainda não tínhamos. Como é possível caminhar objetivamente, cioso da
responsabilidade que um cidadão tem para o bom fluxo de todos os demais pedestres,
com minha juventude e aquela menina com a qual não fui além do convívio em
torno da piscina ocupando a minha cabeça? Ah, os distraídos das redes sociais
que me desculpem e adquiram um aplicativo que sinalize a existência de outros
distraídos a sua frente e os ajude a não tropeçarem em nós, pobres coitados.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">É verdade que os distraídos de uma e de outra natureza poderíamos
conviver de forma mais harmoniosa, mas, na cidade do Rio de Janeiro, já se vão uns
vinte anos ou mais, um prefeito resolveu alargar ruas e estreitar calçadas. Na época,
muita gente aplaudiu, tudo indicava que diminuiriam os engarrafamentos de automóveis.
Talvez tenha acontecido, mas, aos olhos de hoje, o melhor jeito de fazer isso é
tirando os carros das ruas, que desse modo devem ser estreitadas, forçando
assim a que as pessoas procurem o transporte público. Reduzindo-se o transtorno
do trânsito e a poluição, com calçadas largas, distraídos de toda espécie circularão
mais soltos, enfrentando riscos menores de se atropelarem e com isso saírem no
braço.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Exagero ao dizer que um mundo de calçadas largas e ruas estreitas
garante a felicidade, mas é um bom passo para irmos nos aproximando dela.</span></p><p class="MsoNormal"><o:p></o:p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-18401698570859632322023-05-22T08:12:00.001-03:002023-05-22T08:17:40.646-03:00O sol pelo basculante: o consolo da poesia<p style="text-align: right;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><span style="background-color: white; color: #222222; text-indent: 0cm;">Caio Junqueira Maciel</span> </span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><span style="background-color: white; color: #222222; text-indent: 0cm;"><br /></span></span></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><span style="background-color: white; color: #222222; text-indent: 0cm;">Publicado pela editora
Urutau, o livro de poemas O sol pelo basculante, do mineiro Alexandre Brandão
traz, entre algumas epígrafes, um verso de Drummond, de “A flor e a náusea”,
que diz: “O sol consola os doentes e não os renova.” Se esse poema drummondiano
está em Rosa do povo, é dali que busco outro, “Consolo na praia”, para
alavancar melhor essa basculante solar do poeta de Passos, agora acariocado.</span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="color: #222222; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> Drummond começa seu
poema assim: “Vamos, não chores.../ A infância está perdida./ A mocidade está
perdida./ Mas a vida não se perdeu.” No livro de Brandão, estruturado em 8
partes, a primeira vem justamente falar da infância, do “Menino de mim”. O
poeta fala de seu refúgio numa mangueira, do cavalo trotão e sua “tristeza
zaina”, das descobertas sensuais do corpo, da gambiarra vencendo a escuridão.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="color: #222222; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> A segunda parte,
“Coração pequeno”, que também remete à equação drummondiana do coração vasto ou
pequeno diante do mundo, Alexandre branda versos que abordam primeira comunhão,
circo, celebração com chope, morte e o “pequeno infinito” que é o seu moleque
jogando basquete, “enterra seu seus sonhos e/ resgata, na entrada do garrafão/
a fé na vida.” Um poema elegíaco à morte de uma amiga fecha essa segunda parte,
em que a partida para o além significa em aceitação do voo.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="color: #222222; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> “Diminutas sirenes”
batiza a terceira parte: aqui a natureza dá suas cartas, com formiga, montanha,
peixe, pássaros e até o prosaico pernilongo, o que porta as tais “diminutas
sirenes”. Depois, na quarta parte, vem o cortejo dos “poemas datados”, a tensão
da pandemia, o poeta diante da única via ou última quimera; o dia contendo mil
horas; o cheiro do medo. E há ali um poema de que gosto bem, é “meu canto”,
revisitação daquela frase bandeiriana que a poesia está nas estrelas e nos
chinelos. Alexandre canta sua havaiana marrom, sem uma das tiras, e, em vez de
tirar, põe de vez sua poética no cotidiano e com isso nos consola.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="color: #222222; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> Na quinta parte, “O
azul não é um acontecimento”, contrabalançando com as sombras da pandemia, o
poeta exalta o prazer de estar vivo, o amor que resiste ao redemoinho, a busca
do sol não obstante haja a “destruição triunfante”. Porém, em outro texto,
afirma que é preciso reagir diante das montanhas de medo. Hesitando entre a
paralisia do azul e o movimento, o poeta traça seu mapa, inclui ausências e sai
em busca dos “Fantoches”, que é o nome da sexta parte. Se a poesia parte do
homem, do logos e do cosmos, esse bloco se estica ao mundo, seja Minas, Bagdá,
as guerras e as cidades. E as urgências, as urgências com relação às mortes estúpidas
provocadas por balas perdidas.<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="color: #222222; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> Na sétima parte, “Aqui
e ali do poema”, mesmo sabendo da dificuldade de se escrever poemas profundos,
o poeta sabe que palavra poética traz seu sol, é consolo, afaga a alma, traz
esperança. É preciso insistir com “palavra verso estrofe”, liberar trovões
reprimidos, “alfabetizar a lucidez do infinito.”<o:p></o:p></span></span></p>
<p class="MsoNormal" style="background: white; text-align: justify; text-indent: 0cm;"><span style="color: #222222; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-font-kerning: 0pt; mso-ligatures: none;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"> No epílogo, “Fuga em prosa”, mesclam-se os
signos da prosa e da poesia. Poetas, crianças, cachorro, cidade. Que cessem os
latidos, a caravana da poesia passa e traz o sol que nos consola, todas as
vezes que um poeta refaz e renova o necessário ofício de lutar com as palavras.</span></span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-25179193840294012023-05-18T11:51:00.001-03:002023-05-22T11:44:02.339-03:00BH íntima e distante<p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span></p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7yCmfgtYNpbQcX7ZMGdTjtZSiaCWhBft2ZBVdiOPoQAQ23UGdv6n4YrLPDf57LisAgRqMiSEyxDha-W4FmOUWUiw0trCbFYQqt5NKMr-EfYbhxcw4Hxd_v3cWweIBkPUeasuScRX1TdmmUAEVileVJ9-1VDf8bPYcyQHVOM3V-5O1VI5Pwao/s3442/BH.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1800" data-original-width="3442" height="294" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7yCmfgtYNpbQcX7ZMGdTjtZSiaCWhBft2ZBVdiOPoQAQ23UGdv6n4YrLPDf57LisAgRqMiSEyxDha-W4FmOUWUiw0trCbFYQqt5NKMr-EfYbhxcw4Hxd_v3cWweIBkPUeasuScRX1TdmmUAEVileVJ9-1VDf8bPYcyQHVOM3V-5O1VI5Pwao/w565-h294/BH.jpg" width="565" /></a></div><br /><span style="font-family: arial; font-size: large;"><br /></span><p></p><p style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Morei três anos em Belo Horizonte, entre 1977 e 1979, assim,
sempre que volto à cidade, sinto um misto de intimidade e distanciamento. Vivia
no bairro Santo Antônio, frequentava primeiro o icônico Estadual Central – projeto
de Niemeyer –, depois o Promove da Gonçalves Dias, batia pernas na Savassi e no
Centro, visitava amigos, tudo a poucos metros da república que dividia com
minhas irmãs e alguns conterrâneos. As maiores distâncias a que eu ia eram, de
quando em quando, o Mineirão e, para encontrar um dos meus primeiros amigos na cidade,
a Nova Suíça, o que exigia que eu tomasse pelo menos dois ônibus. A área mais
central conheço bem, me desloco com desembaraço. Recentemente, novos amigos (graças
à literatura) têm me levado à Cidade Nova, à Nova Vista e até a Sabará. Bares
de familiares, por sua vez, e já há algum tempo, me oferecem um drinque no Prado
(bairro em que se passa o espetacular “O amanuense Belmiro”, de Ciro dos Anjos)
e na Lagoinha. Enfim, enquanto percorro os “novos” lugares, busco alongar meus
braços para envolver a verdadeira extensão da cidade.</span></p><p class="MsoNormal"><span style="font-family: arial; font-size: large;"><o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Passei a semana que subtraiu Rita Lee de nós na capital
mineira. Minhas saídas foram, na maioria das vezes, para locais que pouco
conheço. Visitei um amigo convalescente no Padre Eustáquio, um escritor querido
na Cidade Nova, tomei cerveja com outro no Prado e, com o poeta cujo empurrão me
jogou nesse mundo da literatura e sua companheira, minha conversa fiel de
Whatsapp, comi uma pizza no Carlos Prates. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Durante a pandemia, fui convidado por três amigos, duas
escritoras e um escritor, a discutirmos, em encontros virtuais quinzenais, os capítulos
de romances que cada um desenvolveria. Jamais imaginei escrever um romance, pois
o preguiçoso que mora em mim é um ditador impiedoso. Mas me voltei contra ele e
aderi à proposta. Depois de não sei quantos encontros, a maioria de nós chegou
a uma primeira versão dos textos. O meu se passa parte em Passos e parte em
Belo Horizonte, numa história que se desenvolve entre o final dos anos de 1990 até
os dias iniciais da pandemia, período no qual eu estive bem distante tanto de
uma cidade quanto de outra. Ao fazer essa opção, fugi daquilo com que tenho
mais contato e intimidade e, quando falo do romance, prefiro esquecer o risco de
escrever sobre o desconhecido e explorar o motivo de voltar, por meio da
literatura, a essas cidades das quais saí, primeiro de Passos, com quinze anos e,
em seguida, de Belo Horizonte, com dezoito.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Há uma razão simples e bastante óbvia: não abandonamos o
lugar e o tempo em que germinamos. Até os dezoito, vivemos nossos anos mais
esperançosos e os mais sofridos. A descoberta do sexo, o desejo de ser adulto,
os sonhos de vida, a impossibilidade de conquistar o mundo, tudo está ali. No
meu caso, cheguei a essa idade vivendo nas duas cidades de Minas Gerais onde a
história do romance acontece.</span></p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Especulo que uma outra intenção,
pouco clara, terra a ser explorada, ajude a entender essa opção. Os últimos
anos, esses em que a incivilidade da direita fez (e continua a fazer) um
estrago nas relações básicas entre familiares e amigos, me custaram muito. Me
distanciei de muitos mineiros que amo demais, e isso foi o mesmo que ver Minas escapar
de minhas mãos. O romance é um jeito de resgatar não exatamente os amigos, mas
a mineiridade da qual gosto tanto.</span></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-16237873.post-76597082091253542712023-05-05T19:25:00.003-03:002023-05-08T10:40:00.235-03:00Entrevistas, cantadas e outras coisas miúdas<p> </p><p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">1.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Você é muito lido?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Lindo?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Lido.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Ah, também não.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">2.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Um medo.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- De sarau.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">3.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Na foto, o turco Mesut Hancer segura a mão de sua filha de
quinze anos, Irmak Hancer. O ambiente é de ruína (pedras, concreto, vergalhões
e pedaços de móveis à vista), e a menina está morta, estendida embaixo do colchão
em que dormia. O pai não a abandona, enquanto as equipes de socorro procuram
sobreviventes ou outros corpos.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Faz muito frio na Turquia.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">4. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Amor, antes de tirar o diabo do corpo, passa aqui em casa.
Tem vinho na geladeira e um queijinho da canastra. <o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">5.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Ontem me senti tão brasileiro.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Foi prum samba, se acabou na feijoada e na caipirinha?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Não, nada disso, furei uma fila.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">6.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Meu filho, você anda comendo muita gemada.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- É que vou fazer um “pode quede”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Um quê?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- “Pó de kedis”.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- O quê?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- “Pote quetis.” “Pô, discaste.”<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Seja lá o que for isso, chupa uma balinha, ovo dá um bafo
danado.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">7.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Como você tem visto a conjuntura?<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">- Molhando no chuvoso, sendo até mesmo um pouco crochê, me
recorro ao chico popular: Deus escreve ovo por linhas chocas.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">8.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Caminhando pela pista Cláudio Coutinho, um tiê-sangue,
aproveitando que não havia ninguém além de mim por perto, pousou num galho e ficou
passando o bico de um lado e de outro. Não sei se amolava, limpava ou coçava o
bico, mas que o passarinho contou com o fato de que eu jamais o importunaria,
nem mesmo tirando uma foto, disso tenho certeza.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">9.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Beber, bebi. Ficar bêbado, fiquei. Mas uma coisa não tem
nada a ver com a outra.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><o:p><span style="font-family: arial; font-size: large;"> </span></o:p></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">10.<o:p></o:p></span></p>
<p class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><span style="font-family: arial; font-size: large;">Sonhei um poema, acordei sem me lembrar de um mísero sequer de
seus versos, mas de sua beleza não me esqueço.</span><o:p></o:p></p>No Ossohttp://www.blogger.com/profile/16601649236311939421noreply@blogger.com2