Moacyr Luz, sambista da melhor estirpe, os atores Otávio Augusto e Antônio Pedro, além do acadêmico-de-rede, João Ubaldo Ribeiro, estão meio molongós. Proibidos de beber, imagino que proibidos também de triscar torresminho, feijão-tropeiro, leite gordo. Fígado não é mole, ou, por outra, quando começa a ficar mole é um deus-nos-acuda.
Todos vocês, meus camaradas, são mais velhos do que eu (até o Moacyr, esse menino, é), portanto não devem dar ouvido a fedelhos, ainda mais um desconhecido. De todo modo, vejam bem, em abstinência sou macaco velho, pois lá se vão dezesseis dos meus quarenta e sete anos sem dar uma bicadinha sequer.
Por que parei de beber? Hepatite C. (Alô, moçada, cuidado com a hepatite C.) Não estou aqui para dar alerta de saúde pública, e sim para tentar ajudá-los nesse início barra pesada. Pois não é fácil, bem lembro. Procurei terapeuta. Sonhei durante muito tempo que bebia dúzias de cervejolas; como bom mineiro, acompanhadas de cachacinha. A vida ficara meio sem graça, pois, ainda que não pudesse ser chamado de alcoólatra, tentava encaixar a birita em tudo que fazia. Cinema? Com chope depois. Sexo? Chope antes, durante não, mas depois, sim. Ler? Acompanhado de uma branquinha, coisa assim pouca, só para liberar a cabeça, nada de abuso.
Eis que o figueiredo me colocou em sinuca de bico: ou trancava-me em casa ou acostumava-me com a idéia e continuava a levar a vida normalmente. Preferi a segunda alternativa, é da minha natureza estar entre amigos. Acontece que meus amigos, claro (claro?), são bons de copo. Ir ao encontro deles é estar em ambiente de muita bebida. No início, bebi refrigerante exageradamente. Dá uma coca aí. Uma fanta. Desce um guaraná. No final da noite, estavam lá cinco, seis, em noites intensas, oito garrafas dessas doçuras gaseificadas. Descobri que ressaca dá em qualquer um, basta dormir pouco. Oito cocas e pouco sono é ressaca na certa.
Passado um tempo, surgiu uma muleta: a cerveja sem álcool. As vantagens dessa bebida sobre o refrigerante: seu copo fica parecido com o dos amigos e a bebida é menos doce, dá para beber quinze em noites de loucura desmesurada. A desvantagem: quando bebia cocas e afins, meus amigos achavam um absurdo eu pagar a conta. Com a cerveja sem álcool, não tem disso, custa tão (ou mais) caro quanto um chope, e a turma não perdoa, cobra.
Vocês dirão: “Tudo bem, e o pileque, cadê o pileque?” Esse é um assunto mais delicado.
Nem guaraná nem cerveja sem álcool são capazes de embriagar um sujeito comum. Comum? Olha só, não sou comum, os senhores muito menos. Quem compôe samba como o Luz, quem atua como o Otávio Augusto (que se parece muito com meu irmão) ou o Antônio Pedro (Bar Esperança, saravá, seu Antônio) e quem escreve como o Ubaldo não são pessoas comuns nem aqui nem na China. Muito menos na China.
Se não falo com gente comum, posso confessar que dá para ficar de pileque. De duas maneiras. A primeira exige fé, e funciona: basta segurar o xixi. Sim, tome um monte de cerveja zero por cento álcool e só vá ao banheiro quando a bexiga estiver explodindo. Minha tese é que, agindo assim, a amônia circula pelo corpo e chega ao cérebro. Insisto: dá barato, se feito com fé.
A segunda maneira é científica. Lá pelas tantas, seus amigos, que continuam bebendo, ficarão doidos e chutarão a razão lá pro raio que os parta. O que acontece nesse momento? Eles falam e os senhores não os entendem. Não entender o que os outros falam não é coisa de bêbado? No meu caso, quando chega essa hora, decreto-me pra lá de Marrakesh, caio fora, pego um táxi (lei seca é lei seca, não vamos vacilar) e corro para o conforto do meu lar.
Enfim, senhores, a coisa não é tão feia quanto parece. Como no filme “Minha vida de cachorro” (Mitt liv som hund, Lasse Hallström, 1985), pior foi a vida da cachorra Laika, sozinha deambulando no espaço sem fim. A gente está longe disso, e com os pés no chão.
12 comentários:
Oi, Alexandre, já tinha lido essa crônica na Folha Carioca e achei inédito e interessante seu recurso de "trancar o xixi" pra dar barato. Dessa eu nunca tinha ouvido falar... Se a moda pega, vão acabar as filas nos banheiros dos bares.
Beijo
Ana Flores
Aí, Alexandre, gostei da sua crônica. Dê uma olhada também no meu blog: www.harongamal.blogspot.com. Vou acrescentar o seu blog como link do meu.
Um forte abraço,
Haron
Ana,
Nesse mundo de banheiros imundos, sabendo-se ainda que "trancar o xixi" dá barato, acho que posso criar uma empresa.
Haron, obrigado pela leitura. Vou fazer um link do seu blog (que eu já conhecia) por aqui também.
oi xandao
bebida sem alcol, noite sem madrugada, porre sem resaca, festa sem xixi, barato no disco duro isso so os grandes como voce. Adorei a cronica
Queijos e suco de beterrava
gonzy
Gonzy,
Eu falei em bebida sem álcool, você veio com uma poesia pronta, pois noite sem madrugada já é da área da poesia. E uma conversinha mole receber como comentário um misto de poesia e carinho já é uma vitória só.
Vim do Portal Literal pra cá e me deparo com um belo texto sobre abstinência. Jamais pensei que "belo" e "abstinência" coubessem na mesma frase. Mas taí o senhor, que operou este milagre. Parabéns, Alexandre!
Caro Parreira,
Obrigado pela força. E continue visitando o No Osso. Milagre não faço, mas me esforço para tentar dialogar com a moçada.
Abraços,
Olá Alexandre, que delícia de crônica. Já tinha lido antes (privilégio de amigas da irmã do escritor!) Amei! Quero deixar uma outra dica para "ludibriar a abstinência": ler tudo o que você escreve dá barato...
Maisa, o Ministério da Saúde poderia me contratar: não fume seu baseado, cheire o Xandão. Não, não e não, nada de cheirar o Xandão, mas cheire essas bobaginhas que ele escreve.
Meu cachê é baixo, será um bom negócio para os companheiros.
Abraços e não deixe de visitar meu bloguinho.
Oi xará, querido São Pedro!
Adorei os vazios preenchidos. Gostei do visual do blog, simples e elegante, com jeito de cachacinha, ops!, perdão, nada de álcool, que de fato é droga pesada. Nunca gostei de beber alcólicos. Falha na personalidade, o que fazer, nem tudo é perfeito. Fumar unzinho é bem mais saudável, mas, lamentavelmente, recriminado e discriminado pela "sociedade". Pega mal, quero dizer, até que pega muito bem, mas pega e derruba a imagem...
Obrigado pelo convite, continue criando climas.
Abraço
Alexandre Eduardo Weiss
Xará, o que importa é o clima, com ou sem cachinha, com ou sem unzinho, doisinho, o que for. Uma pizza meio saúde física, meio saúde psíquica. E vamos que vamos.
Abraços,
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