O assunto é futebol.
Até a rodada da semana passada, o Botafogo liderava o campeonato
nacional masculino com onze pontos na dianteira do segundo colocado, isso depois
de dezesseis rodadas (de um total de trinta e oito). A campanha não tem paralelo
na era de pontos corridos: treze vitórias, dois empates e uma derrota. A coisa
pode mudar? Sim, mas os fatos são esses.
Não é tanto o futebol o assunto de que trato agora.
Ao Botafogo está grudada a pecha do sofrimento. Feita uma
menção ao clube, logo levantam a voz para falar do chororô, remetendo a um jogo
contra o Flamengo em que a torcida alvinegra imputou o resultado (a vitória rubro-negra)
à mão grande do juiz. Mas não só. Se entre os anos de 1950 e 1960, o Botafogo era,
ao lado do Santos, a grande potência do esporte, a partir daí despencou. Ficou
sem ganhar um campeonato carioca por vinte anos; depois de 1968, só em 1989. E faturou
apenas um nacional, em 1995, ainda na época do mata-mata, quando derrubou o grande
rival dos áureos tempos. Não bastasse isso, desceu três vezes à segunda divisão,
tendo voltado à elite sempre um ano depois, como vice-campeão em 2003 e como
campeão em 2015 e 2021.
Esse cenário de um deus chafurdando entre os mortais explica
a tal sofrência do “Glorioso”, que “não pode perder / perder pra ninguém”. (Nos
dias de hoje, o hino seria feito não por Lamartine Babo, mas por um desses
sertanejos universitários. Pelo menos isso não aconteceu, há de se comemorar.) Mas
é preciso ver a trajetória do alvinegro carioca com olhos voltados para além
das quatro linhas (as quatro linhas aqui são o que são, ou seja, não têm nada a
ver com aquela metáfora surrada da extrema direita). O Botafogo, sofrido, se
confunde com o Brasil. E essa identificação é tão clara que não há quem o odeie.
Numa espécie de autoironia, brinca-se com a sua situação, faz-se bullying
com seus torcedores, mas a verdade é a seguinte: se o clube sai da zona do
sofrimento, todo brasileiro sai um pouco também, logo, o sucesso da Estrela
Solitária é a chance de redenção do país.
Não é à toa que, quando o Brasil tira um dedo da lama – sabemos que a lama ainda nos segura e continua alimentada por água e terra que não acabam mais –, o time do chororô assuma a liderança do campeonato. O paralelo vai além: o sucesso do Botafogo passa por uma aliança estranha: o dinheiro de um gringo (o Botafogo foi um dos primeiros clubes a se transformarem em sociedade anônima do futebol, SAF) e os pés de um monte de jogadores – os que têm feito a diferença no ataque, paraibanos – que rodavam pelo mundo em clubes médios ou pequenos. É a tal coalizão.
Talvez a taxa de juros caia e o emprego aumente, talvez nossas dívidas sejam renegociadas e a economia aqueça, talvez o negacionismo regrida e a ciência triunfe, talvez a Amazônia, o cerrado e a mata atlântica passem a ser respeitados e preservados. Se nada ainda é líquido e certo, o clima menos sombrio acende a esperança de dias melhores. Sendo assim, é justo que o campeão seja aquele que sofre em nome de todos. Somos todos Fooooogo.