Mesmo tendo tomado quatro doses da vacina, mantenho algumas precauções contra a Covid. Uso, por exemplo, máscara em ambientes fechados. No entanto, em comparação ao que foram meus dias entre 2020 e 2022, estou soltinho.
Em janeiro, fui a festas de amigos. Papos descontraídos,
ainda que resvalando de quando em quando nas atrocidades cometidas por aqueles
afastados do poder pelo voto.
O confinamento havia me deixado meio cabreiro, com um pé
atrás em relação às pessoas. Sempre gostei delas, sou bastante sociável,
principalmente se me chamam para conversas em torno de abobrinhas e outros
quitutes. Mas o afastamento social, num momento em que realidade e mentira foram
intensas e cambiantes, fez com que, isolado, eu construísse um cenário sombrio
sobre o ser humano.
Não tinha expectativa de que todos houvessem se transformado
em direitistas antidemocráticos, mas temia que pudessem ter perdido as manhas
do convívio social. Depois de dois anos flambado no medo, me parecia impossível
que alguém continuasse falando de um gol, de um rosto bonito, daquele livro
injustamente pouco lido ou de uma saudade escorchante de um tio meio doido,
meio poeta. Ou que se debatesse uma polêmica inconsequente por doze horas e mil
chopes e se cultivassem a ironia e até um certo cinismo.
A boa notícia: nem todos sucumbiram. Os assuntos frívolos, apesar
de tudo, se mantêm vivos como sempre estiveram. Voltar à rua – compartilhar um
chope, uma sessão de cinema, uma caminhada, encontrar um amigo por acaso na
feira ou na porta do banco – redimensiona a vida, esta que é dura, aliás, como é
desde os tempos do pecado original. Temos, é verdade, uma responsabilidade
geracional: cortar o delírio direitista que não só se vale da mentira, como também
cria histórias inverossímeis e as enfia goela abaixo até de gente esclarecida.
Tarefa, no entanto, conciliável com a alegria.
Ainda sabemos rir e sorrir; debochar de nós e do outro. Mantemos
a capacidade de argumentar sobre aquilo que ignoramos. Continuamos um pouco
ingênuos, quase loucos e nem um pouco loucos.