3.12.05

Nas Quebradas da Vida

Vamos, confesse aqui para o seu amigo, você já namorou em uma quebrada, não foi? Sua mãe não precisa saber, prometo sigilo, e seus filhos, se você os tiver, sabem o que é estar quebrado mas não sabem o que é uma quebrada. Vamos, amigo, amiga, me contem.

 


Com o advento do Motel, as coisas mudaram. Por um lado, ficou mais fácil namorar, por outro, não. Se chegar a um quartinho todo arrumado e poder desfrutar dos doces momentos da vida é uma beleza, chegar ao Motel nem sempre é trivial. Às vezes, o casal tem o carro, mas está sem grana. Às vezes, tem o carro, tem a grana, mas a cidade é pequena e o porteiro do Motel é conhecido de um tio, do pai.

Nessas horas difíceis, dar uma meia-volta na modernidade e aceitar a única opção possível é o que nos resta. Pois, quando um casal fez o pacto do encontro, se não for no Motel será no Fusca. Ah! O Fusca. Quanta ginástica, meu Deus. Muitos dos problemas de coluna que nós temos se devem aos movimentos que fomos obrigados a fazer dentro de um Fusca. Por amor, é claro. Até o amor, que não tem contra-indicação, tem efeitos colaterais.

Todos sabemos, entretanto, que as quebradas têm lá os seus perigos. Mesmo em cidades pouco violentas, como a nossa Passos, sempre há um espírito de porco doido por assustar alguém. Comigo já aconteceu de ser a própria polícia a me pegar no flagra. Sorte que foram compreensivos e fizeram vista grossa à minha tentativa de corrompê-los — quer dizer, não aceitaram os meus minguados 5 contos —, e nos mandaram, a mim e a namorada, dar o fora da área, e que não se repetisse aquilo outra vez, senão... Com outros amigos foi pior. Uns bandidos os deixaram nus com a mão no bolso — juro que não é exagero.

Se para o amor a quebrada foi deixada de lado, servindo apenas como a última opção, para coisas ilícitas, a quebrada passou a ser o quente. A moçada corre aqui e ali para enrolar seus fuminhos, o lado A e o lado B de uma transação fora da lei marcam encontro no mais escondido dos lugares. E por aí vai. A quebrada mudou da água para o vinho; ou melhor, deixando a citação bíblica de lado: do suor dos amantes para o ar escuso.

Todavia, a grande transformação da quebrada ocorreu nesta semana, e lá em casa. Estávamos recebendo amigos. Os adultos ficamos na sala, sorvendo um bom vinho, beliscando queijos e pão. As crianças espalharam-se pelo resto da casa, pulando da cozinha para a sala, da sala para um quarto e deste para outro. Era uma farra medonha. Para nós, os coroas, estava tudo bem, as crianças gritavam, mas a gente conseguia botar a conversa em dia.

 


Numa certa hora, resolvi pegar um outro CD no meu quarto. Eis a surpresa: num cantinho, entre o guarda-roupa e o armário onde estão trancados meus preciosos CDs, o que eu vejo? O Ken e a Barbie transando. Sim, caro leitor, estava lá o namorado da Barbie, aquela boneca bonitinha, mas sem sal, deitado sobre ela.

Tudo bem, os dois são só bonecos e meu quarto não é um matinho providencial. Mas, nestes tempos em que o ser humano transa por computador, aquela foi realmente a mais explícita das cenas de sexo. Não tive vontade, leitores, de repreender os meus filhos. Que isto seja um bom presságio, sinais de novos e melhores tempos. Não acredito em repressão sexual pura e simples.

Não posso negar, entretanto, que estou mesmo é pasmo, sentindo o assombro que nossos pais já sentiram quando éramos nós quem crescíamos. E talvez um pouco mais: mesmo que precocemente, sinto que meus próximos passos serão dados dentro do túnel, dentro da escuridão que a estúpida responsabilidade nos impinge. Posted by Picasa

25.10.05

Luiz Tatit


No início havia o Rumo.

Porém antes, houvera um menino em mendicância de delicadeza, limpando as coisas da poeira, da qual vasculhou a química e a matemática. Enquanto outros esmeravam em aprender a dança assim, assada, tão na moda, e óbvia, Luiz protegia o patrimônio invisível com bafos de modernidade. Como todo grande artista, menino ainda, dava as costas à contemporaneidade para recriá-la num só sopro.

Não por acaso, na década de oitenta, diante das primeiras pisadas do roque tupiniquim, Tatit cantava Noel. Como um castiço da garoa, não como carioca da gema, reinventando o tísico da Vila, emparelhando a música anterior à década de quarenta à sua proposta calcada em canto falado.

Intelectual de cátedra, escreve livros sobre semiótica e música. Reflete sobre música e faz música reflexiva. No entanto, sem perder a espontaneidade (jamais). Cria pequenas epifanias, fábulas de uma certa vida rasteira. Aqui reafirmando: “estou aqui para provar que eu sou eu”. Ali gracejando a partir do lugar-comum: “quer uma coisa? Vai lá e pega. Já pegou? Então sossega.” Ainda que crônicas da vida comum, sua fala não se consome na mesmice, ao contrário, ergue-se de mãos dadas à uma nobre poesia. Algo alegórico como: “Só que as sílabas se embalam como sons que se rebelam, que se embolam numa fila e se acumulam numa bola.” Outro algo melancólico assim: “não há um luar que venha em vão, que não deixe algum sinal no coração.”

Aliás, o redivivo “Luar do sertão” da última letra não é peça solta. Citações da tradição espalham-se aos montes em toda sua obra. Tatit respeita seus precedentes, ainda que lhes cutuque e até mesmo os derrube impiedosamente. Não é um nostálgico. Nem do passado, nem, como Lobão, da modernidade. É, sim, um artista urbano, fazendo de sua São Paulo musa do mesmo quilate do Rio de Janeiro. Se a ex-capital federal embalou a bossa-nova, o samba, a híbrida composição de Marcelo D2, Tatit canta a São Paulo sisuda, no momento em que se fere de uma alegria jamais vista ou quando acompanha um dos seus vinte milhões de habitantes saltitando entre a Vila Madalena e a Vila Beatriz, entre Santo Amaro e a USP.




(Foto de Gal Oppido)


Se com o Rumo a música se apresentava em aparente simplicidade, em seus discos “Felicidade” e “O Meio” Tatit se cerca de craques, arranjadores que se aliam a ele para dar uma caixa rara para guardar as pérolas de suas composições. Quem ouvir com cuidado o arranjo de Ricardo Breim para “Quase” tateará a cumplicidade, sem se importar com o fato de ela ser intangível. “Depois Melhora” ou “O Meio” são outras patadas delicadas de Tatit e os seus.

Depois do Rumo, Tatit continua o mesmo desbravador que avança ao voltar ao caminho já mil vezes cortado, recortado, dando outro sentido a ele. Se antes, indo por aqui se chegava ali, agora, depois das mãos de Luiz, indo por ali se chega muito mais além.

23.10.05

Filosofia Primitiva

Aprendi com minha sogra: queijo com educação é o cortado bem fino e, consequentemente, o sem educação é um toloco só.


Essa classificação trouxe elementos para rascunhar algumas idiossincrasias da moçada lá de casa. Somos quatro irmãos e três modos distintos de encarar o famoso queijo com goiabada, estranhamente chamado por alguns de Romeu e Julieta.



Na primeira turma, o queijo é sem educação e a goiabada, fina. Na segunda, o queijo e a goiabada não primam pela boa educação. Por fim, na minha turma, o queijo é educado e a goiabada chega a ser uma aberração de tão grossa.

(Por sermos quatro, o leitor pode estar curioso em saber qual dos paladares encontra dois defensores. Nenhum deles. Na realidade, uma de minhas irmãs não come doce já há algum tempo e, então, apagamos de nossa memória qual era mesmo a sua preferência.)

É hora de entender como cada um de nós faz de sua opção a única.



Queijo sem educação, goiabada fina: poderíamos batizar essa turma de afrancesada, já que o que importa, na sobremesa, é o sal do queijo. Em sua defesa, a turma diz que o doce deve aparecer muito discretamente e busca comparações com os bons perfumes: mínimos no tamanho e máximos na fragrância.

Queijo e goiaba sem educação: ora, dizem esses pitgulosos, se é para se lambuzar, que seja por inteiro, sem frescuras. A acirrada disputa entre sabores opostos, o sal e o doce, é o ó do rococó da opção.

Queijo com, goiabada sem: o queijo, aqui, cumpre o papel daquele jogador que pouco aparece para a torcida, mas é a alma do time. Mesmo discreto – se discretíssimo ainda melhor – o queijo reinventa o doce.

O que fiz até agora não foi mais do que listar alguns modos de comer a melhor das guloseimas. Não abordei, ainda, a questão filosófica. Portanto vamos amarrar as pontas e dar sentido à coisa.


Um homem vê-se distante de casa, o mundo continua esta bola sem freio, rodando, rodando, rodando. Conhecedor da noite e do amor, experimenta o lícito e o não lícito, planeja revoluções; é, quando mais se precisa dele, um covarde; quando ninguém dele espera um ai, é o valente e o vitorioso. Rei que já passou pela miséria, íntimo dos segredos dos deuses, é um desbravador com inocência. Este homem lê e reescreve todos os dias os seus dias de ontem e não para aí, nada ao encontro do futuro e descansa na cabeceira do rio circular. Quando tudo parece, enfim, alcançar o ápice e repousar, a nostalgia corta a garganta desse homem, que experimenta, assim, a sensação de ter perdido alguma valia: o seu contorno e o seu recheio. Neste momento, seus planos de escrever versos, de investigar a alma, senhor supremo da filosofia, estancam. Meu Deus – diz com o olhar deitado no horizonte – não sou ninguém se me negarem o queijo e a goiabada.



Vocês não entenderam nada? Ou falta-lhes filosofia ou sobram-lhes o vermelho (mole ou de cortar, cascão ou liso) e o branco (fresco, curado ou meio) combinados com ou sem educação. Quem vive longe das verdadeiras iguarias e não se contenta com a goiabada em lata, feita de chuchu, e o queijo frescal mais do que entende o ser ou não ser do filósofo sem-doce.

13.10.05

Uma Provocação Entre Duas Pingas


O sujeito entra no bar e pede uma pinga. Ao ser servido, oferece um trago ao pessoal que está por ali. Tendo bebido sua dose, o freguês boa-gente dá pernas pra quem te quero e não paga nem a birita consumida por ele nem a oferecida aos demais.

Uma semana depois, encontramos, de novo, o cachaceiro no boteco. Ele faz o mesmo pedido e acrescenta, entre os convidados, o dono do recinto, que, sem demonstrar nenhuma contrariedade, aceita a “gentileza”. Os copos vão sendo esvaziados e o cliente já se prepara para dar o fora quando o dono da espelunca salta o balcão, agarra o safado e o cobre de cascudos.

O cachaceiro não se emenda. Poucos dias depois, volta ao bar, pede cachaça para ele e para a rapaziada, mas adverte o dono do botequim:

— Para o senhor, que é violento e descontrolado, não.

O bom desta piada é que ela subverte a ordem das coisas. O trambiqueiro se comporta como vítima.

Mesmo sendo apenas uma piada, ao conhecê-la encasquetei com uma coisa. Este elo entre o consumo de drogas (cachaça é uma droga, lícita, mas uma droga) e a violência. Todo drogado é violento? Com certeza, não, embora seja senso comum dizer que sim. É até usual que o criminoso recorra ao fato de ter consumido drogas para tentar ficar em hospitais psiquiátricos e não em presídios.

O mundo das drogas ilícitas é violento por ser clandestino. Como os traficantes organizam-se em verdadeiros exércitos e estão, permanentemente, em pé de guerra com a polícia ou com outro grupo de traficantes, um consumidor ao desejar tão-somente conseguir um naco do produto de que é dependente, acaba tendo de enfrentar um mundo pra lá de violento. Se, no entanto, ele consegue comprar a sua droga e vai para casa, ou para um bar, ou para uma discoteca, e a consome, não necessariamente irá bater na namorada, apagar o primeiro que lhe apareça. Como diz o rock: ele não estará causando mal nenhum a não ser a si mesmo.

Vou a um posto de gasolina e encontro a frentista inconsolável. Naquele instante, ela havia percebido que alguém surrupiara, bem no seu focinho, o seu celular. Sua revolta, diga-se, não era pelo objeto perdido, que, com algum sacrifício, poderia ser substituído por outro; sua revolta era com a situação em que se encontra o país. Para ela, a culpa disso tudo deveria ser creditada às mães que fazem filhos para, em seguida, largá-los na rua. Eu já vinha rascunhando este artigo quando eu ouvi seu desabafo e minha posição se assemelha em muito à dela, embora, para mim, a culpa pode e deve ser dividida entre pai, mãe e, bem, o Estado. Para conter o exagerado crescimento das taxas de violência são necessários, sim, vários investimentos sociais (escola, saúde, desconcentração da renda etc.), mas, arrisco a dizer, só isso não basta. É preciso que os pais devotem a seus filhos tempo, atenção e carinho. Difícil, todavia, será definir prioridades no tratamento das duas faces de um mesmo cancro: dar educação formal para quem não tem afeto tem um alcance menor do que se espera; tentar resgatar a auto-estima e noção de responsabilidade social de quem já formou família e vive, ou no lodo da pobreza ou no conforto da abastança, é matéria que não encontra bê-a-bá definido e de fácil aplicação.

Aposto que a violência não se esgotaria se hoje todos os consumidores de drogas, por algum milagre, abandonassem seus vícios. E se é assim, melhor liberar o uso das drogas - reforço: drogas que ainda são ilícitas já que um punhado delas pode ser consumido em qualquer lugar e hora - e, através de pesada carga tributária, auferir recursos para combater os males que causam à saúde física e psicológica das pessoas e também as diferentes espécies de violência que permanecerão existindo - a começar por alguma assistência às pessoas que ou não podem ou não querem ver-se como uma peça muito pequena de um intricado jogo de armar.

Eu bem disse, não foi? Seria uma provocação. Mas, pronto, acabou. Volto, então, à pinga. Um amigo meu costumava chegar nas vendas (quando estas existiam) e pedia uma pinga e um sabonete. Outra pinga e outro sabonete. E mais uma pinga e outro sabonete. Se perguntada a razão de pedido tão estranho, respondia que no final da farra contava os sabonetes e sabia quantas pingas tinha que pagar. Ninguém lhe passava a perna. Faz sentido, ora se faz.

7.10.05

Exercício de Opinião

É possível passar pela vida meio encoberto, entrando e saindo calado dos conflitos, mesmo dos mais triviais, que não mudam o curso dos fatos em nada. Há quem não torça por um time, não prefira louro a moreno, vermelho a cinza, amar em colchão de água a desfalecer sobre o recheio de palha de um modelo ultrapassado. Não me lembro se Balzac ou Wilde descreve, num jantar daqueles espalhado em mesa de inúmeros talheres, um cidadão beirando seus trinta anos cuja principal característica é o silêncio absoluto. Explica o narrador: esse mutismo seria uma opção racional, uma vez que, pensava o personagem, tudo que tinha para falar fora dito até seus 18 anos. Estamos aí com dois extremos: o covarde e o lúcido, nem um nem outro abre a boca para emitir uma opinião menor sobre nada. Para ferir minha própria covardia (minha lucidez feriu-se de morte na minha inauguração, nenhuma escola deu jeito nisso), vou tentar dizer o que penso dessa consulta pública a respeito de desarmamento.

Certo dia, adolescente meio perdido, resolvi fazer o curso de economia. Um sujeito que curse economia, principalmente numa linha de pensamento mais ortodoxa, longe do marxismo e afins, fica marcado por todas aquelas teorias. É chato economia, e a gente até tenta se desvencilhar dela, mas, quando algumas questões aparecem, é por meio do raciocínio econômico que nos organizamos.



Para economista, bem é tudo que se produz. Um carro, uma cama e seu colchão, um revólver, cocaína, craque, serviços hospitalares ou de prostituição. Portanto o mercado, lugar das interações entre pessoas (cada qual vendendo seu produto — a força de trabalho é um deles, claro), é o espaço da socialização por excelência. Com a necessidade, o mercado passou a ser fonte de renda também do estado, através da cobrança de impostos. Portanto acorrem a ele o vendedor, o comprador e o coletor. Estando tudo mais ou menos dentro do razoável, as três figuras acordam que as transações devem ser acompanhadas de um pagamento ao governo, que com a receita provê a todos os serviços cabidos a ele.

Se é assim, um mercado conhecido, reconhecido e tal sofrerá um revés dilacerante se for jogado ao espaço da ilegalidade. Ontem era legal, hoje não é mais. É verdade que no caso brasileiro as empresas poderão continuar a fabricar suas armas, reduzindo o raio de sua ação ao vender apenas para as polícias ou ao exportar. De outro lado, os cidadãos que gostam de ter armas, que têm armas porque se sentem mais seguros com elas do que sem elas, o que farão um dia depois de serem metidos na ilegalidade? E o que fará o governo ao ter parte de sua receita diminuída concomitantemente ao aumento de seus custos (velar pela nova lei)? Veremos surgir dois legados da disfunção social: mercado negro e corrupção. Quem gosta de armas continuará a tê-las; quem deveria conter o mercado negro, mal equipado, mal remunerado, poderá ceder ao velho e bom jeitinho (dez mil réis para o leite dos meninos).



Não tenho armas e acho que uma única vez dei um tiro, que, por sorte, passou longe do passarinho, meu alvo. Hoje não carrego o arrependimento de um assassinato; e a ave — eu acho, eu torço — ainda voou por aí durante o tempo próprio dos pássaros. Conheço pessoas que têm. Algumas são facínoras, outras, colecionadoras: Peters Pans de plantão. Uma e outra já estão naquilo que chamamos de meia-idade, portanto, não aceitarão, nem com a força da consulta universal, o fato de não poderem ter mais armas.

Se é assim, melhor seria, ao invés de uma proibição pura e simples, um investimento em educação da não-violência. Mas como, dirão? É mesmo, como? Só se muda um mundo carregado de violência se nele é desferido um golpe de morte na sua lógica realimentadora. Um exemplo: desarmando a polícia. Por que não?

Se nunca mexi com armas, brinquei muito de bandido e mocinho, metendo chumbo de mentira em meia dúzia de delinqüentes, ladrões de vacas do velho oeste. Na adolescência, já pacífico e poeteiro, quando muito troquei uns socos em briga de rua. Nelas aprendi uma coisa: há regra até nessa confusão. A coisa só descamba para algo mais perigoso quando uma das partes se arma, seja de cadeira, seja de garrafa, seja de pedaço de pau. Uma reação, sempre. Se ninguém sai do braço e da perna, a porrada vai durar, muita gente vai se machucar, mas tudo no braço e na perna. Se a polícia está desarmada, os bandidos também podem ficar. Inocência? Acreditar que a proibição da comercialização de armas resolverá uma grande parte dos problemas atrelados à violência, não é?

Digo mais: melhor liberar as drogas, trazer para a legalidade um mercado oculto, quer dizer, ilícito, mas nem de longe oculto. O efeito final sobre a violência e suas adjacências será infinitamente maior.

4.10.05

Dorival Caymmi é




Não sou!
Tentei; mal provido das penugens de um bigode eu era ainda. Din-don, din-don. Meu violão entre o som metálico e a falta de ritmo. Din-don no samba. Din-don na valsa. Din-don em tudo.
Sofrível violeiro, nem por isso deixei de ganhar aqui e ali umas moças. Surdinhas que se encantavam com meu din-don ou aquelas que amam por pena. Porque existem mulheres assim, e homens também, que amam o esfarrapado, o inseguro, o feio. Pé torto para sapato furado, o ditado cheira a isso e deve ser outro, não sou bom de memória. Nem de música: don-din.

Se me perguntassem na lata o músico que eu gostaria de ser, não titubeava e riscava o nome de Dorival Caymmi. Não seria outro. Talvez um Chico para impressionar. Um Paulinho da Viola para ficar impressionado comigo mesmo.
Inteiro, de sol a sol, sustenido e bemol, repito: seria Caymmi, o marido de Stela e pai de três filhos, dos quais já ouvi dizer: bons como o pai. Acrescento, em tom de advertência, quase tão.
Baiano preguiçoso, buliçoso, praieiro, bom de bico, fotogênico, dono de voz ao mesmo tempo cavernosa e suave, além de um trejeito no seis cordas de tirar o chapéu, a roupa, a pele, os ossos. Tanta coisa não é para qualquer um.
Dorival é o Machado de Assis da música. Não só porque todos os demais músicos beijam sua mão em pedido de benção. Mas porque ambos têm cadência parecida, tamborilam uma ironia aqui, carregam numa tragédia ali, riem do mundo, são insinuantes, sensuais e de uma simplicidade só alcançada pelos grandes.
Por sorte, não sou. A sombra de Dorival ofuscou meu bafo de vontade de ser músico, e desisti. Perdi as meninas ruizinhas de ouvido ou bondosas de alma. Perdi também o hábito de passar dias inteiros só no meu canto, dedilhando din-don, din-don, din-don. Ganhou a música popular brasileira.
Me virei para a escrita, e a sombra do Bruxo não vai me inibir nem por nada nesse mundo. Em alguma coisa a gente tem de ser sem-vergonha.

22.9.05

Dossiê Tio Lozo

Para tudo há teóricos, principalmente aqueles que agem no rasteirão da vida, gente como eu. Um deles, não deles pois permanecem as teorias, quiçá aforismos, o que seja, e não os teóricos; portanto, me corrigindo, segundo o dito: o mundo e todos os momentos são um só, a despeito da armadura do tempo, e, portanto, nada é por acaso.
Vamos aos fatos. Depois deles, suas conclusões, amigo leitor, podem ser as mesmas minhas. Ou não. O mundo também é vários.

***

No dia 12 de setembro mandei o correio eletrônico reproduzido a seguir para minha mãe e meus irmãos.

“Vocês talvez saibam os versos de cor. Eu nunca soube. E acho que o Tio Lozo também não.
Beijos em todos.

Santa (soneto)

Esta que passa por aí, senhores
De olhos castanhos e fidalgo porte
É a princesa ideal dos meus amores
A mais franzina pérola do norte

Contam que numa noite de esplendores
A esta que encanta o coração mais forte
Hinos cantaram e jogaram flores
Às estrelas em mágico transporte

Acreditais talvez ser fantasia
Eu vos direi que não em certo dia
Quando ela entrou na festival capela

Eu vi a virgem mergulhada em prantos
E o Cristo de marfim fitá-la tanto
Como se fosse apaixonado dela”



A lembrança de meu padrinho chamava por mim. Bom sujeito era aquele. Não casou. Não foi pai. Trabalhou sem êxito, digo, sem esse êxito da acumulação. Sobre nós, sobrinhos e afilhados, deitou uma influência imensurável. Com os mais velhos compartilhou noitadas, mesas de bilhar, declamações de poemas (como o soneto acima) em lugares pouco santos. Em mim, e em outros de safra mais recente, exerceu um poder mágico, tanto por ser homem de famas (pacificador de zonas boêmias, exímio matador de frango no tiro) como por ser respeitado sem que coubesse nele o modelo de pai, marido, proprietário. Depois de ser levado a sua última morada, num bar, cinco ou seis sobrinhos matamos uma caixa de cervejas como quem reza, repartindo os bens intangíveis deixados por ele da forma mais honesta e equânime possível.
Bem, pouco depois da mensagem que enviei a meus familiares, minha Tia Yole me manda uma carta registrada, com selo de urgência. Não estando em casa, minha companheira me ligou aflita: “abro?”. Na primeira frase lida, já sabíamos, a urgência não é dessas que pedem socorro, é das que vêm em socorro. Era um carinho de minha tia, deitado no lombo da minha saudade dela e dele, já que junto com a carta vinha a crônica reproduzida daqui um cadinho.
A tal unicidade garante: as energias, em redes de comunicação para além do bico da engenharia, voam e pousam nos corações dos que se gostam. Eu gosto da Tia Yole. E ambos gostamos de meu padrinho Lozo. (Ou Lôzo. Ou Loso. Cada um escreve a seu modo, e todos têm e não têm razão.)
Abaixo então vão a carta de minha tia, sua crônica (simples, penetrante, produto de uma observação atenta e sentimental) e, exatamente como a produzi quase vinte anos atrás, uma poesia. Ilustra esse dossiê fotos tiradas por Beth Brandão, hábil em transformar o fugaz de um momento numa espécie de depoimento vivo. Como se vê, Tio Lozo era homem feio, mas, acrescente mais magia ao ente mágico: ao vivo e em cores, sua feiura não se revelava.

***

Carta recebida de Yole Pessoa Brandão

(Embora sem data, a carta é de algum dia próximo a 20 de setembro de 2005.)


Alexandre,

Ai vai uma lembrança do pequeno grande tio Lozo.
Sua imagem permanece naquela esquina como uma marca de sabedoria de outros tempos.
Firme na paciência.
Forte na esperança.
Grande na resignação.
Não podemos esquecê-lo... nunca.

Tia Yole

***

A crônica

Tio Loso
(autora: Yole Pessoa Brandão)

Suave, discreto, quase uma sombra...
Sempre em silêncio, o corpo curvado, passos ritmados, carregava por ruas e ladeiras sua inseparável solidão. Nas esquinas parava, voltava-se e lançava ao redor seu olhar melancólico. Como a constatar que nada mudara...
Quando alguém o parava para um papo, ele — fugidio e abstrato — o tornava breve. Nada que amolecesse sua alma acostumada ao frio e ao deserto.
Postava-se naquele canto da praça, seu território absoluto, e dali, com certa ironia, ficava a observar o pulsar da cidade; gente passando, amores nascendo, a vida fluindo afobada e alegre, mas sempre fora de seu alcance.
Era frágil e franzino mas emanava uma grande força interior; a força de carregar com dignidade o êrmo irreversível de sua vida.
Ocupando um espaço mínimo deixou entretanto um vazio enorme na nossa (tão tardia) percepção de sua valente e resignada figura.
Agora sua doçura transcendeu seu pequeno corpo, pousa longe, aconchegada no sossego das coisas eternas.
Partiu Tio Loso — o tio de todos nós — um regaço de paz, brandura, humildade...

***

O Poema

Lôzo
(autor: Alexandre Brandão, em 28/04/87)
a meu padrinho

Um câncer te levou,
ficaram tacos de bilhar cheios de saudades,
putas de zona de tua juventude
que ainda bradam:
- vem meu menino
derrama teu esperma em meu umbigo.

Um câncer
na tua boca despida de dentes,
trajando palavras simples, carinhos e sorrisos.
Um câncer no teu franzino corpo forte
de saber boêmio.

II

A partir de tua morte
vaca, águia e cachorro não deram -
estão ocultos e aflitos.
O copo de cerveja quente,
o de rabo de galo,
o de cowboy
estão com sede do teu consumo.
Tuas unhas não cravam as mesas,
não existem mais som, sonho, infância.

III

Um câncer te comeu por dentro
e não houve mais espaço para o macarrão que eu te fazia.
Um câncer te apagou o mundo,
e fiquei eu num mundo obscuro,
andando incerto por ruas e cidades que ignoro.

Com você
morreu a geografia.

17.9.05

Diálogo com Dois Amigos

Ilustram essa pequena divagação dois chamamentos visuais.




O primeiro deles, retirado do FOTOLOG “Olho da Rua”, de meu amigo e jornalista e escritor e músico e também agora fotógrafo Nelson Vasconcelos, é um achado do instante, como são em geral as crônicas visuais desse artista. Vê-se um gato avizinhando-se de uma garrafa de uísque escocês. Há estranheza na junção de dois mundos quase que de todo apartados: o da bebida e suas significações e o do gato também com suas significações.
O uísque não é para qualquer um, por raridade e, portanto, preço. O gato também não o é, mas por um senso de liberdade muito próprio dele. Isso não impede que alguns pés-rapados se lambuzem com a iguaria escocesa nem que se domestiquem os gatos.
Na foto, o amarelo que se derrama e se espalha por ela inteira, do primeiro plano até o fundo, pode vir da coloração da bebida ou do olho do bichano, muito embora seja mesmo um efeito secundário da luz, convertida de mera dádiva natural em invento científico muito propício à sociabilidade humana. O artista rouba as funções dos elementos ao alcance de sua criatividade, acrescentando-lhes outras. Na salada de embriaguez, zoologia e ciência, Nelson Vasconcelos brinca com os sentidos de quem navega no mundo que não é, o do espaço virtual. E o faz cavalgando o cavalo do humor tão carioca, tão dele.

O segundo deles é trabalho de meu amigo Horácio Soares, analista de sistema, escritor e artista plástico, que pode ser visto em www.barenforum.org/ members/soares/(1). Até onde sei, o sítio mencionado é uma comunidade de xilogravuristas espalhados mundo afora, uma turma que troca seus trabalhos e, com isso, cada um deles pode ter sua obra exposta por tudo quanto é canto do planeta. E não digo exposição no espaço virtual, mas aquela das antigas, em museus, ateliês e que tais.
O nome do trabalho: “Trip”. Batemos os olhos e reconhecemos o trem apinhado de gente suburbana, como o próprio Horácio foi um dia, correndo o caminho entre a casa e o trabalho. Chama a atenção, no entanto, o fato de não ser uma viagem atual, é alguma feita não pelo homem maduro de hoje, mas pelo jovem em descoberta da vida. Uma única mulher está entre os homens cujos trajes fixam o tempo passado. Não só a roupa: é o bigode de um e uma expressão, ainda que cansada, leve de todos; por fim, o próprio fato de ser uma única mulher, então em minoria nas lidas do mercado.
Mas o esforço de Horácio, ao resgatar de sua memória esse trem em que viajou do subúrbio ao centro e vice-versa, não pretendeu trazer à luz um enunciado sociológico, histórico. Não, ali uma narrativa oculta-se nas expressões. O olhar ausente do homem de terno; a bondade transbordante do careca no primeiro plano à esquerda; a expressão algo irônica e pedinte daquele de bigode logo atrás da mulher. Como bem sei da aproximação do artista com a literatura de Nelson Rodrigues, os personagens de Horácio vão chegar em casa para viver os fantasmas domésticos tão bem revelados pelo dramaturgo.
Não percamos de vista, está entre tantos uma única. Com uma das mãos agarra-se à alça, com a outra segura o baú. Baú, sim. Lá, no tempo do mundo laboral estritamente masculino, uma mulher, enquanto trabalhadores vão e voltam das oficinas e escritórios, viaja entre eles tendo nas mãos o baú. Uma caixa de Pandora, quem sabe. Ou não: o baú seria apenas o instante, voltamos ao instante, em que a mulher segurou seus segredos com as próprias mãos, tornando-se enfim donas de si mesmas.

(1)A página pessoal de Horácio é: www.analisevital.com.br/.

10.9.05

Na Estrada


Dentro das Viagens
Alexandre Brandão

Depois de dias de muita chuva, vieram outros de plena estiagem. O calor voltou a pino, e a estrada levantava poeira ao menor sinal de carro. Uma poeira branda, é verdade. Mas como o suor escorria de minha testa, a fina camada de pó grudava na pele sem piedade. Meu cabelo ia pouco a pouco ficando nojento, duro. Quando eu voltasse, mesmo tendo passado dias fora e tendo tomado regularmente os banhos, minha mãe murmuraria: — nossa!
Lá ia eu pensando na volta mal a jardineira apontava para a subida que desemboca no Seu Tuca. A estrada da Julieira terá uns 40 quilômetros de cabo a rabo, não sei, e não cortáramos mais do que um décimo de toda a distância, muito pouco até mesmo para o meu destino e o de meu padrinho, a Fazenda do Gordurinha, a 20 quilômetros de Passos. Pensava na volta, porque sempre pensamos na volta no início das viagens, é como um lembrete para mantermo-nos inteirados de que é preciso, sim, voltar. Mas eu tinha, meu Deus, alguma coisa entre 8 e 10 anos e nenhuma noção de que somos cheios de escapes, subterfúgios. Eu pensava na volta e daí a pouco já não pensava mais — só isso. Sonhava com pomar, com bica de água fria, com a aventura de ter de ir cagar no mato. Sonhava em andar no Segredo, cavalo grande e manso. E tinha certeza de que meu padrinho, ali do meu lado, batendo seus dedos no apoio de braço do banco, olhando tudo e todos, deixaria eu fazer aquilo que me desse na veneta. Comer pão-de-queijo antes do almoço, não almoçar, chupar a fruta que estivesse no galho mais alto da árvore.
Dentro do ônibus, eu viajava no espaço, rumo à fazenda. E, de pensamento em pensamento, roçava distraído o beco inominável. Insisto: tendo aqueles 8, 10 anos, não podia imaginar que existisse, dentro da gente, um oco mais concreto que alicerce de casas de alvenaria.
Tendo passado outros 10 anos, lá vou eu de novo dentro de um ônibus maltrapilho. Agora a estrada, embora poeirenta, é outra, e a distância é maior. Cruzo a Bolívia, desde Santa Cruz de La Sierra até Cochabamba e de Cochabamba até nem sei onde e de aí, por fim, até La Paz. Meu padrinho não vai comigo, quem vai é o Carlos, amigo chileno que cometerá o desplante de morrer com pouco mais de 40 anos. Apesar de meus 20 anos de então e de viver sempre um pouco bêbado e de mascar as folhas de coca que me oferecem e de ter deixado um amor no Brasil e de estar lendo com indomada fúria e de ter medo do desconhecido que está por vir e de sentir calor e de ouvir música em um toca-fitas que é uma verdadeira geringonça; apesar de tudo, já tocara com as próprias mãos aquele oco imponderável. Não o conheci (nem conhecerei) plenamente, mas aprendi que é feito de pau e luz, de ferro e brasa, de barro e sombra.
Os motoristas destes ônibus são gente muito qualificada. O menino que tinha o cabelo cortado a mando da Dona França (nuca quadrada) vê com encantamento o homem que vinha muito sério lá na frente de repente subir, pela escada exterior do carro, na capota da jardineira e ir direto e reto na mala da senhora que irá descer ali nos Meireles.
O universitário em férias sente frio quando no meio da madrugada o motorista é obrigado a parar o ônibus que vem rateando já há algum tempo. Tendo pego uma lanterna muito da esculachada e enchido a mão de ferramentas, ele desce à estrada, estica um forro de papelão, deita-se sob o chassi e começa a fuçar para ajeitar aquilo e poder dar prosseguimento à viagem. Há crianças espalhadas pelo corredor do carro; Carlos dorme, tombado pelo excesso de chicha; o velho que vai ao meu lado, meu fornecedor de folhas de coca que me caem bem que é uma coisa, está muito preocupado com a galinha que leva sob a jaqueta esfarrapada. Não vou dormir. Nem vou encantar-me com mais nada.
Noite boliviana que recebe o sono dos lhamas, escrevo na sua escuridão, sem lápis e sem papel, um livro para esquecer logo depois.

7.9.05

Setembro é o bicho


* Setembro, no Rio de Janeiro, apesar do tempo incerto deste resto de inverno que ora é veranico, ora é chuvoso e frio, é um mês que promete. Na EMERJ (Avenida Erasmo Braga, 115/ 4o. andar) acontece o evento Livro Aberto, um misto de entrevista com escritor e encenação de sua obra. Sonia Peçanha baterá papo com Ferreira Gullar (6),Carlos Nascimento Silva (13), Alberto Mussa (20) e Luiz Ruffato (27). Aliás, hoje já era, quem foi, foi, quem não foi não pôde ouvir o Gullar contar-se menino, pivete meio larápio lá em São Luis do Maranhão, nem tampouco comover-se com a visão dele dessa encrenca toda em que o país está metido. A gente se inventa, ele disse. Será que também nos reinventamos? Precisamos, não é?

*E daqui a pouco é hora do encontro anual das pequenas editoras. São muitas, inclusive a Bom-Texto (que editou o "Estão todos aqui"), e brigam por manter-se vivas nesse mercado feroz. Este ano, a Primavera dos Livros terá como patrono o escritor João Ubaldo Ribeiro e começa no dia 22, nos primeiros susurros das flores, isso se o Rio não inventar um invernico, um outonico, sei lá, o mundo anda tão mais ou menos. Será que a gente se reinventa?

A ilustração é "Primavera" de Botticelli, baixada, em 7 de setembro de 2005, do Google, que indica o site www.spaceandmotion.com/ Philosophy-Art-Truth.htm.

5.9.05

Fica Trevisan


Soube no Cronópios (www.cronopios.com.br)que o Sesc São Paulo está em vias de acabar com o espaço de oficinas, organizado e conduzido pelo João Silvério Trevisan. Particularmente, e sem saber exatamente os motivos, acho uma perda sem igual. Freqüentei bastante o Balaio de Texto e, em 24 de novembro de 2001, publiquei a crônica abaixo, um grito de satisfação pela exploração saudável e inteligente do espaço virtual. Republico-a como quem pede: parem, revejam suas posições.


Poetas em Fumo
Alexandre Brandão


Muita gente se reúne em torno de uma boa idéia. Outros tantos, o leitor astuto estará pensando, juntam-se em torno de idéias malignas. Verdadeiras uma e outra afirmações. Porém não estou aqui para filosofias, não agora. Trago-lhes apenas notícias de uma boa idéia.
O SESC São Paulo mantém uma página na INTERNET — http://sesc.uol.com.br/sesc ou http://www.sescsp.com.br/sesc* — bastante interessante. Lá estão desde a programação dos vários programas culturais promovidos em seus muitos teatros espalhados por São Paulo, capital e interior, até espaços virtuais mesmo, onde, de forma interativa, pode-se discutir arte e cultura. Normalmente, freqüento um desses, o Espaço Literário.
Nele é possível, por exemplo, saber de concursos literários, de endereços de sebos e de participar de debates sobre textos produzidos pelos internautas. Para isso, existem dois, digamos, subespaços. Num, às quartas-feiras, o Sopa de Letras, coordenado por Lizete Mercadante Machado, pode-se falar de literatura de forma bastante informal.
No outro, coordenado pelo escritor João Silvério Trevisan, há uma outra divisão. Assim é possível, por exemplo, cursar uma oficina literária. Para isso, é preciso acompanhar o calendário de quando estarão abertas novas inscrições e, então, seguir à risca as regras sugeridas ali. Não é um espaço aberto a todos, embora seja possível a qualquer um ler alguns textos produzidos pelos alunos.
Às quintas-feiras, existe um encontro, coordenado pelo mesmo João Silvério Trevisan e nomeado Balaio de Textos, aberto a qualquer um e que consiste no seguinte: na página de entrada, o internauta lê o texto que estará em destaque na semana — numa é poesia, noutra, conto —, entra na sala e dá a sua opinião, ou melhor, discute a sua leitura com várias outras pessoas. Qualquer um pode mandar um texto para o Balaio. O próprio João trata da seleção, mas como recebe uma quantidade enorme deles nem sempre enviar uma contribuição significa tê-la ali discutida em um curto espaço de tempo.
Tenho participado com freqüência desse Balaio de Textos. É uma coisa boa. Já se formou uma turma cativa, embora semana a semana surjam novas pessoas. Normalmente, quando estamos na sala, está também uma escritora gaúcha, uma que vive no interior de São Paulo, um conterrâneo de Arcos, um brasileiro vivendo no Canadá, alguns paulistanos, outros baianos. Todos, ou quase todos, poetas. Poetas que só conhecem de si opiniões ou textos, poetas, portanto, sem rosto. Poetas em fumo.
E, embora sem rosto, as relações que se estabelecem no Balaio expandem-se para outros espaços virtuais. Hoje, me correspondo, com certa disciplina, com três ou quatro balaieiros. Trocamos textos, informações sobre isso e aquilo e, em alguns casos, até nos fazemos algumas confidências.
Realmente, é um tanto estranho ter amigos assim chegados e não saber a cor de seus olhos. Mas a gente se acostuma.


* Os endereços podem não estar atualizados, já que a crônica é do ano de 2001.


A foto do Trevisan foi obtida na pesquisa Google, que indica www.bmsr.com.br/ autores/texto.htm como o caminho para encontrá-la. Foto "baixada" em 5/09/2005, às 22:20 h.

3.9.05

Antes das Crônicas



Para situar:

Em 1995 lancei "Contos de homem", Editora Aldebarã (sonho que ficou pelo caminho).
Em 2005, "Estão todos aqui", Editora Bom-Texto. Edição caprichadíssima.
Ambos foram resenhados em jornais de grande circulação: Folha de São Paulo e Estado de Minas ("Contos de homem"); O Globo, Jornal do Brasil, Rascunho, além dos sites Verdes Trigos e Bestiário ("Estão todos aqui").
Me fizeram companhia no primeiro: Nelson Vasconcelos (orelha) e João Gilberto Noll (prefácio). No segundo: Nilma Lacerda (orelha).
Ganhei, em 2000, o prêmio Oficina do Escritor, da Funarte. Em vez de grana, troféu ou coisa parecida, faturei um leitor especial, todo dedicado à leitura do livro. O leitor: Flávio Moreira da Costa. O livro: na época, com o nome "Qual é, solidão?", hoje, recauchutado, "Amor, sexo, o resto e o que ficou esquecido".

2.9.05

Apresentação




Alexandre Brandão. Escritor. Funcionário Público.

Pretensão/sões:

Escrever crônicas por aqui. Assim como escrevi, por um ano, no jornal "A Gazeta", de Passos, Minas Gerais. É possível que reproduza algumas delas. Escreverei outras.

Se pintar um clima, falarei de meus livros, e de leituras que faço, do meu modo. Sempre do ponto de vista afetivo. Cerebral é o economista que bate ponto no IBGE. O escritor, esse é um inconformado com a demanda exacerbada por razão.

Ganharei outras com a intimidade com essa coisa de blog.