Palavra da moda é “treta”, que tem o sentido de um bate-boca
meio desvairado e não de uma discussão ponderada. No limite rígido do
dicionário, e me valho do Aurélio, os significados da palavra são “ardil,
estratagema” e “habilidade na luta ou na esgrima”. Já “tretas” tem o sentido de
“palavreado para burlar”, e “tretear” é “fazer uso de tretas”. Dando um nó
nessas várias pontas, a treta tem a ver com uma esgrima da boca pra fora.
No calor das paixões atuais, não fazemos outra coisa que não
seja promover tretas, já que o que importa é espetar o outro com a ponta
rombuda da nossa espada. Nesse momento político conturbado, há os que, com
ironia, clamam por treta mais amena, tipo aquela que, apenas para citar uma,
surge quando se aponta o dedo para o que é considerado uma fraude literária. Afirmar,
por exemplo, que o “escritor fulano é um engano”, a despeito de ter faturado
vários prêmios e vendido milhões de livros, pode gerar uma troca de sopapos
verbais inacreditáveis. Mas, diante das radicalizações do período eleitoral ou das
diretrizes para as quais os futuros governos (federal e estaduais) têm
apontado, o enfrentamento em polêmicas menores não passa de um sonho de consumo
de toda gente.
Apesar de minha mineirice e aptidão à reserva, andei
trocando uns sopapos nesses tempos passionais. Procurei combater sem me
utilizar de fakenews, entretanto dei uma
e só uma derrapada. Foi naquele caso, se não estou enganado ainda não de todo
elucidado, da mulher gaúcha em cuja pele teria sido cravada uma suástica. Comprei
logo a história de ela ter sido atacada, mas há uma hipótese grande de que tenha
sido uma imolação. Em minha defesa, advogo que o grave é o símbolo nazista
circular em tom exitoso pelo país. Naqueles mesmos dias, uma igreja na região
serrana do Rio de Janeiro amanhecera com várias suásticas pichadas em suas
paredes.
Muito já se disse sobre as fakenews, motor de arranque de muitas tretas, mas, para além de seu
uso pelos desavisados — os idosos da família, os assustados da hora, os
ignorantes, os crédulos de toda sorte —, o que me chamou a atenção foi o fato
de que algumas pessoas usam a falsa notícia sabendo que é mesmo falsa. Tive a
experiência de alertar uma pessoa sobre uma mentira que disseminava, e ela
pouco se importou com isso. Seu objetivo, me disse, era incomodar o outro lado.
Estou fugindo da minha aspiração ao começar a crônica. O que
eu queria dizer é que não tarda muito alguém fará uma antologia daquelas “tretas
das galáxias”, as mais mais. Haverá capítulo dedicado aos argumentos pueris (os
que falam em comunismo infiltrado em todas as reentrâncias da sociedade têm
lugar ao sol), aos litígios violentos, às ironias certeiras, não podendo faltar
o pequeno tratado da vergonha alheia. Tudo, claro, ilustrado pelos memes, que
não são desse mundo. Não me admiro se um escritor conhecido, dos bons ou não, que
engana ou não, se lance a essa empreitada. Acho mesmo que ela servirá como um
documento indispensável de nossa época, sem contar, é óbvio, que, se o clima
estiver menos exacerbado, abrirá o período de descer o malho no trabalho do
colega de arte e, com isso, dar início a uma nova onda de tretas.
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