12.11.18

Sinuca de bico

Um sábio, desgostoso do pouco interesse pelo saber, resolve dar as costas justo ao saber e viver de brisa. Mas isso, em vez de livrá-lo da sabedoria, o torna ainda mais sábio. Diante do paradoxo, o sábio, enfim, não sabe.

Já a mulher que só encontra sentido na vida recheada de sexo e caipirinha, ao ver-se envelhecendo, cada dia com menos apetite para os embates do corpo e com menos fígado para a bebida, conclui que, sim, viver sem sentido também faz sentido. Mas não fica lá muito convencida.

Por sua vez, a criança precoce — a que a está à frente do seu tempo e, por isso, antes de deixar de ser criança já não é mais criança —, quando entende que no futuro viverá de nostalgia, vê correr entre os dedinhos o futuro que não terá.

O confuso, aquele débil para quem a melhor reta está dentro do ponto, é, entre muitos, o menos confuso pois, na sua visão de mundo, Deus é prolixo demais.

A avó materna do primo paterno da tia de um vizinho tem convicção de que as voltas que o mundo dá não são no sentido defendido pelos físicos. O mundo roda de banda, ela advoga para uma plateia de dinossauros.

Provocador, o reverendo espalha por aí que ser e estar dera origem ao universo. Argumenta: primeiro foi o verbo. Se corrige: foram os verbos. Volta atrás, essa diferenciação só existe numas malditas línguas latinas. E se põe a pensar em como seria no mandarim.

A poeta, que não aceita ser tratada por poetisa, pergunta a musicista se algum dia ela havia sido chamada de música, feminino de músico, que é como os instrumentistas são conhecidos. Recebe como resposta, de uma região ao sul do peito, um dó em forma de vento, que não nomeio em consideração à poeta, que não gosta de rimas.




O ventríloquo se dá conta de que está doente quando o boneco dispara a falar verdades. A pior de todas: ele, o ventríloquo, é que é o boneco.

A mulher fica feliz ao compreender que, quando deu à luz, o que era deixou de ser e o que não era passou a ser. O homem ao seu lado caçoa dela: ora se não é assim com todos, até com os pais! Não estava falando da maternidade, ela responde em tom de injúria, mas de não ser plena antes e de o ser depois. O homem canta de galo, de galo de uma nota só, que é o que pode fazer no momento.

Há outras sinucas de bico, mas elas saltarão aos olhos nos dias mais escuros.

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