7.4.24

Problemas alheios

 

Na Tailândia – especificamente na província de Lop Buri –, macacos, lá protegidos por lei, têm promovido verdadeiras guerras entre gangues. Não são raros ataques a humanos, mas a coisa fica feia mesmo durante o enfrentamento de um grupo contra o outro. O conflito não ocorre na mata, habitat dos animais, mas no centro urbano. Ou seja, você está lá no seu carro, ou pior, parado na calçada, esperando a chance de atravessar a rua, quando de repente uma horda de primatas cruza à sua frente para brigar com a outra que está bem às suas costas. Não conheço a realidade da Tailândia, portanto não posso afirmar se esse é o maior problema deles. Me arrisco a dizer que não, um país nada mais é do que um saco de problemas.

Apesar do inusitado dessa guerra nos moldes antigos, no tapa e na coragem, sem armas – alguns bichos confeccionam ferramentas para auxiliá-los em suas ações básicas, mas não sei de nenhum que produza armas –, os tailandeses deveriam agradecer pelo fato de suas ruas não serem tomadas pela polícia carioca, especializada em soltar tiros a esmo contra bandidos – verdadeiros ou inventados – nas ruas da cidade, para dizer a verdade, nas ruas em torno das favelas, principalmente em seus becos. Nem pela “nova” polícia paulista. Enquanto os macacos disputavam território, o governador de São Paulo, importado do Rio de Janeiro e com as palavras a seguir, encaminhava o pessoal dos direitos humanos à ONU ou à Liga da Justiça, ao raio que o parta, porque ele não estava nem aí com as críticas à truculência de seus comandados nas periferias. Ainda agora essa polícia matou Edneia, uma jovem de pouco mais de trinta anos, cabeleireira, com seis filhos para criar. A imprensa fala em mais um caso de bala perdida. É insuficiente a explicação, quando não cínica.

Os finlandeses são felizes, os mais felizes do mundo, constata uma pesquisa tradicional. Eu já estive lá e conheço seus dias cinzentos e frios, mesmo fora do inverno. Duvido um pouco dessa felicidade, mas não muito. Como assim? Acompanhe a historinha: num habitual dia sombrio, eu cruzava uma praça de Helsinque e, de repente, o sol se abriu. Uma mulher que ia logo adiante de mim se sentou num banco, tirou a blusa, o sutiã e ficou tomando sua carga de vitamina D. Isso, sim, me cheira a felicidade, ao miúdo da felicidade, mas quantas vezes no ano poderão se dar a esse luxo?

Igualmente não sei se o único problema da Finlândia é o frio. Sei um pouco, na verdade. O alcoolismo é uma questão sensível por lá. Quando estive no país, tinha em mente um dos episódios de “Uma noite sobre a terra” (Night on Earth), de Jim Jarmusch. O filme reúne cinco histórias, cada uma delas se passa em uma cidade, Nova York, Roma, Londres, Los Angeles e Helsinque, e os personagens estão sempre em um táxi. Pela lente do diretor americano, as ruas de Helsinque estão cheias de bêbados, o que constatei em minha visita. Se é certo que as cidades finlandesas jamais serão atacadas por macacos – podem ser por ursos e, às vezes, são – nem pela polícia vingativa e falsamente punitiva brasileira, eles têm, bem ao lado, a Rússia e sua discordância ameaçadora sobre a intenção da Finlândia de entrar para a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o que veio a acontecer no ano passado. Uma bala perdida do poderio russo pode extinguir a felicidade e os bêbados da felicidade.

Minha expedição sem sair de casa à Tailândia ou à Finlândia se faz sem bússolas, até sem a orientação das estrelas. Penso na briga de macacos ou na felicidade “medida” pela estatística um pouco para não pensar, por exemplo, nas guerras entre Rússia e Ucrânia ou entre Israel e o Hamas, esta um banho de sangue cruel, comandado por um extremista de direita sem nenhuma visão além da vingança. Ah, senhor da guerra, leia “Judas”, de seu compatriota Amós Oz. Ou simplesmente leia (desconfio da absoluta falta de leitura dessa gente).

Dizem que a grama do vizinho é mais verde, mas a desgraça alheia maltrata mais do que a nossa. Penso assim? Ora sim, ora não. Vagueio, leitora, vagueio, leitor, e, com as mãos no bolso e andando de lado, chuto pedrinhas.

Um comentário:

Afonso Guerra-Baião disse...

Viajei no texto! E vou viajar na indicação da leitura que o Netanyahu não fará!