1.
Conheci a música de Dorival Caymmi por intermédio do bom
Baiano, pai de minha amiga-irmã, Neide.
Aconteceu assim: fui com amigos fazer serenata para a Neide,
o Baiano abriu a porta e nos serviu uísque com água de coco. Devia estar doido
para que algo distinto de dormir acontecesse naquela noite, era boêmio. Em
pouco tempo, e animados com a birita, a serenata virou festa. Quando o violão
foi parar na mão do “velho”, bem, Caymmi sentou-se ao nosso lado e cantou:
“João Valentão é brigão/Pra dar bofetão/Não presta atenção e nem pensa na
vida”. Como era doce o compositor baiano; e como se parecia com ele,
fisicamente, mas não só, o Baiano de Passos.
Em dezembro, Baiano foi embora. Foi no embalo do mar
distante. Foi de jangada. Foi encontrar a companheira, dona Hilda, que o havia
deixado havia muito tempo, morrendo jovem, jovem demais. Por sorte, em
novembro, pude vê-lo e, de certo modo, despedir-me dele. Já descia a ladeira,
jeito estranho de chegar ao céu, mas continuava bonito, com aqueles olhos
cheios de vida.
Os olhos do Baiano e os olhos da Neide foram, os dele, e são,
os dela, coisa muito séria. Bolotas acesas, diferentes dos meus, tímidos e
desconfiados. Transparentes, deixam, ou deixaram, à mostra a dose exata do interior
desses dois que, para além de pai e filha, foram e continuam sendo — pois isso
a morte não arranca de ninguém —carne e unha.
Meu irmão, quando seus filhos eram pequenos, gostava de acalmá-los
com “Acalanto” (“É tão tarde/A manhã já vem/Todos dormem/A noite também/Só eu
velo por você, meu bem/Dorme, anjo/O boi pega neném”), feita por Dorival Caymmi
para ninar sua filha, a Nana. Conjecturo que o Baiano também a cantou para sua
Neide. É certo que sim. Como eu nasci um pouco antes dela, exatamente uma semana
antes, é possível que, ainda na Santa Casa, eu o tenha ouvido cantar a música
de Caymmi. Assim, teria sido a primeira música que ouvi na vida. Conjecturo.
Conjecturo e, feliz, fecho uma história: Baiano me deu Caymmi nos meus sete
dias, repetiu a dose nos meus quatorze, quinze anos e depois outras tantas
vezes vida afora. Agradeço-lhe por isso. Não só por isso, já que ele me deu a
Neide também.
2.
De longe, via jornal e facebook, acompanho a onda de
violência que tomou Passos de assalto. Segundo as estatísticas disponíveis neste site,
Passos figurava em 2010 (dados provisórios) com 7,5 mortes por 100 mil
habitantes, ocupando, portanto, a 2887ª posição no ranking dos municípios
brasileiros. Se atualizamos os dados com as mortes ocorridas em 2011 (por volta
de 45), Passos saltaria para o honroso posto de 385ª cidade mais violenta do Brasil.
Em termos de unidades da Federação, segundo a mesma fonte, os destaques negativos
são: Alagoas (66,8 mortes/100 mil habitantes), Espírito Santo (50,1), Pará
(45,9) e Pernambuco (38,9). Passos, se fosse uma unidade da Federação, seria,
em 2011, a
quarta mais violenta do Brasil, tirando de cena Pernambuco, aliás, estado que
tem reduzido seus níveis de violência.
As estatísticas por si só não dizem nada, são apenas uma
porta de entrada para entender determinado fenômeno. As anteriores dizem o
seguinte: tenham urgência. Se São Paulo e Rio de Janeiro, megacidades, estão
conseguindo reverter seus índices de violência, o mesmo pode ser feito em
Passos, talvez de forma mais fácil, ainda que o aumento da violência de Passos
deva ter alguma relação com a diminuição nas capitais. Fenômenos sociais são
complexos por natureza.
Como princípio norteador de uma ação em favor da segurança,
creio que não se deve culpar ninguém, nem tirar a responsabilidade de ninguém.
O ideal é promover o casamento entre ação policial e assistência social (termo
genérico para dizer presença do Município, do Estado e da Federação). A sociedade
civil — em suas várias representações, que vão, digamos assim, do fazendeiro
magnata ao desempregado — deve participar de todo o processo.
No facebook, há um começo de movimentação contra esse quadro
lastimável, todavia é preciso que ela saia do virtual para as praças da cidade
(são muitas, houve mesmo um prefeito que ficou conhecido como Zé Pracinha, pois
o que gostava mesmo é de construí-las). Depois das praças, o movimento tem de
entrar no gabinete do prefeito, no quartel do coronel, na delegacia e
principalmente na casa de cada um de nós, passenses, pois será o momento de
fazer diagnósticos, traçar estratégias e, claro, agir. Será preciso passar por
cima das divergências, e é bom não deixar a luta ser privatizada pelos partidos
políticos, que devem, sim, participar, mas de coração aberto, sem segundas
intenções.
Vamos lá, gente, janeiro já ficou para trás, não podemos
permanecer de quatro.