AB
Um mandruvá letroso inoculou em meu amigo, então pititinho, um zê de ipsilone como se fosse o xis da questão. E ele, envenenado e carcomido de letra, viu-se fonêmico. Em seguida frasal. Descambou em poético. Uma lua cheia de costa pro vento sonhando com marés quadradas nas hipotenusas menores do sol sustenido. São os nostálgicos do amanhã sem ontem os únicos a entendê-lo. Embora nem sempre.
AR
Tem morada naquela cabeça o gosto de amplitude infinita. Ah, talentoso! Ah, conquistador! Ah, justo! Na linha da história, sua ciência, nossa amizade será não mais do que alguns pontos, todavia fortes, pois deles alimenta-se a linha inteira (soma enfim) na qual negros chegam ao poder do Império e marginalizados ganham voz. Meu amigo, que busca fixar justiça no que será história, semeia na militância o sorriso e a sensibilidade artística, deixando a dor, sua miserável companheira, longe disso, como se nunca houvesse existido.
HSN
O único erro que não se deve cometer é acertar sem errar. Errar uma segunda vez é como lambuzar-se de manga toda vez que se chupa uma. É inevitável caso não se disponha de garfo, faca e prato. E mesmo que se disponha, todos sabemos: uma manga chupada é melhor do que uma manga cortada e mordida com decência.
Aliás, não é no chão decente que brota saudável o fruto da criação. É no solo de lata enferrujada; no campo das dúvidas banais; nonde sobra esterco do belo. Se jardineiro é quem conhece e discorre sobre a ciência das flores e, indefectível, produz as mais vistosas e enebriantes, meu amigo não pode ser um deles. Mas ele é, eis o fato.
MJO
Não se é ator sendo-o. Talvez, sim, arqueando-se as pernas, por si só arqueadas, ao rir-se triste das dores que o lugar fora do palco impinge em cada um de nós. O buraco é mais embaixo da unha. Ele sabe, mas prefere pensar de outro modo, ou melhor, gostaria que o buraco não fosse ali tão perto dos dedos que apontam, que agarram, que coçam e caçam. O palco poderia ser o buraco.
MTC
Ele dorme acordado. E acorda dormido, momento em que afunda os meninos e as meninas que sabem só um cadinho raso da vida nos próprios sonhos. Neófito, sempre volta ao local do crime, e ali encontra a fuga adulta da infância nas digitais do que será, para todos, nostalgia impalpável. Chora e, choroso, dorme acordado para acordar dormido e redescobrir a seta do início com a cabeça no rabo. Repisa.
NV
Quem estuda seus passos de ritmo moderado apreende a utilidade da mochila — sempre às costas. Nela se acomodam o verso futuro, o desenho por se desenhar, a música em gestação e ainda o passo rápido que um dia animará seus pés, fazendo-o chegar a si mesmo.
PB
Descobriu a poesia entre os presos. Como era ele o carcereiro, ofereceu a ela a oportunidade de viver livre, desde que se encarcerasse nele. Ali ela está, e bem cuidada. Não são felizes porque poetas e poesias não o são. Nem querem sê-lo.
RT
Nada escapa de seu olhar, e este comanda a mão. E das mãos uma peça se fará visível a outros olhos. Não será peça para deleite, mesmo que bela, pois toda beleza questiona e confunde. Será panfleto de um artista deslocado, cuja compreensão alcançaremos se e somente se estivermos também pisando no deslugar.
SF
Sob o boné, a urgência. Dela, manuscrito, um trapo lavado a seco e sua mensagem dúbia, mas sem rodeios. O álcool dos mimeógrafos sempre deu algum sentido aos poemas marginais, e esses subverteram os poetas que escapavam aos revolucionários. Brotou dessa guerrilha sem armas outra geografia das ruas que se pensavam apenas como concreto e traço. Ele, capitão temente aos recrutas rasos, sugeriu a direção na qual o norte seria apontado. Com isso a bússola engasgou e, vesga e soluçante, deu-se a ler.
SS
O inominado ele chama pelo nome de guerra. Assim, Judith é, na lembrança da primeira comunhão dele, a nave da igreja vazia e o desgosto do corpo de Cristo sobre a língua. Penélope é a meia trava que o atacante, ser intuitivo, dá temendo os conhecimentos de cantos e ângulos que o goleiro possa ter. Isocléa é tudo o mais que está no cesto do inexplicável. E Isolda, aquilo que porventura escape do cesto.
XM
Todo vegetal brota em sua mão. Por isso, sua visão de mundo, em barquinho de papel, escorre esconsa pelo Aquífero Guarani. Os perdigotos de sua fala falam por si, em silêncio, deixando-se entreouvir seus sonetos brancos, de amor e de revolta.
5 comentários:
devo dizer sobre meu êxtase com teu arroubo de poesia, falando o essencial até no que silencia. Obrigada por compartilhar tamanha beleza.
Passense orgulho, vc eh correto e impecável..parabéns
Obrigado senhoras "objetos sólidos" e Jullie. Incluam-se entre minhas amigas, pois de fato vocês são.
Abraços,
Uma leitura simplesmente deliciosa...foi um presente, um momento impagável,numa das poucas pausas da insanidade paulistana...obrigada
Nida, que bom você por aqui. Estou me sentindo o cara, pelo menos aquele que pode dar um tempo na insanidade paulista, que não é uma qualquer.
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