Este Brasil não tem jeito. Em mesa de bar com amigos, encasquetamos com tal afirmação. Todos somos desses que acreditam, pelo menos em tese, que a política é a única forma de superarmos os entraves que estão aí, à vista de todos. Porém, com a lambança feita pelos políticos, fomos parar na sarjeta da desesperança. O Brasil não tem jeito.
Numa tentativa de nos agarrar a alguma coisa positiva, uma das mulheres falou do movimento feminino, da potência que há nele. Rimos um pouco com a história da namorada de um desses reacionários que veio a público dar uma banana pro cara. Por sua vez, o outro homem sentado à mesa se sentia esperançoso ao acompanhar o crescimento de seus netos. Buscávamos algo que estivesse à margem da política de terno, gravata e tailleur e concordamos que o que vier virá das mulheres, dos negros, dos gays ou dos marginalizados de modo geral e comerá pelas bordas a desfaçatez da elite.
Contei-lhes então uma história que me ocorreu dia desses, que reproduzo aqui com a intenção de compartilhar um pouco do meu vacilante otimismo.
Eu e minha mulher fomos andar no Aterro, longe de casa. Para nossa surpresa, no calçadão encontramos alguns amigos, depois, no Museu da República, outro amigo e, em seguida, no Largo do Machado, mais uma amiga, e outras duas, na Marquês de Abrantes. Até parecia uma caminhada pelas ruas da minha pequena Passos, não a de agora com seus mais de cento e dez mil habitantes, mas aquela na qual eu vivia e era ocupada por um quarto da população atual.
No Museu, meu colega de trabalho estava acompanhado de sua esposa e da netinha de uns três ou quatro anos. Antes da história, devo dizer da alegria de ver avós agindo como avós, pois a criança ganhara um picolé, coisa que a mãe não gosta que ela coma. O casal desobedecia a filha. Viva a desobediência dos avós! Minha avó, diabética, me levava ao seu quarto, fechava a porta e, desde que eu jurasse guardar em segredo, me dava doce de caju, os melhores que já comi. Enquanto ela esteve viva, o segredo não saiu da minha boca.
A menina não gostou do picolé de morango, sabor que os avós escolheram na esperança de cometerem uma desobediência menor, afinal morango é fruta, é saudável. A garotinha, três mordidas depois, disse que não queria aquele e, na mesma hora, roubou o do avô, um de chocolate — aquilo que longe muito longe tem parentesco distante com o cacau —, e com ele se distraiu até o fim.
Ao nos despedirmos, eu disse para a menina: “Você é muito gatinha”. Ela olhou bem nos meus olhos e retrucou: “Eu não sou gatinha, sou...” (disse então, com muito orgulho, o nome e o sobrenome.) Ali onde, com um gesto radical, Getúlio entrou para a história, com uma troca de frases simplórias, eu e a neta de meus amigos ficamos assim: eu, quase sessenta anos, um sujeito que tem procurado não ser machista, mas que fracassa, e naquele momento acabara de fracassar; ela, quatro anos, sem a menor ideia dessa discussão toda em torno do feminismo, feminista pronta.
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