
Não que eu não soubesse, sabia e sei faz tempo, mas nos últimos dias reaprendi, a duras penas, sempre é a duras penas, que uma ideia se esvai facilmente. Havia fechado o livro que estava lendo ("Tirza", de Arnon Grunberg, publicado pela Rádio Londres) e me ajeitava para dormir quando uma insinuação de verso me tirou o sono. Poderia ser o início de um poema. O verso ligava o silêncio à imagem de um cão sem lua. A questão é que, sem ter me levantado e anotado a ideia, do possível verso só guardei essa ligação tênue entre o silêncio e um cão sem lua. O verso em si, se houve, foi perdido, um poema que poderia ter sido escrito foi abortado, ou melhor, nem foi concebido — ah, Onã, deus da infertilidade! Se minha ignorância permite até fazer piada com essa evidência de os gases formarem as estrelas, no caso da perda de um verso, eu — esse escritor calejado (ah, Onã!) e preguiçoso, colecionador de versos perdidos — transito além da lamentação e me puno. De que maneira? Não conto, não quero que alguns leitores sintam alegria por isso.
Dados o aprendido e o reaprendido, o que ainda pode aprender um burro velho feito eu? Ganhar dinheiro. Vestir-me bem. Arrumar o cabelo. Cortejar uma dama. Rir sem motivo. Engraxar os sapatos. Falar inglês e/ou javanês. De todo modo, falar pouco e na hora certa. Pescar. Ter espírito crítico. Aderir a uma causa. Cantar no tom e sem errar a letra. Piscar um olho só. Chutar de canhota. Chutar no gol. Dançar de olhos fechados. Beijar de olhos abertos. Ler Ulysses.
