10.12.18

Segunda feira chuvosa de março de 2019

Minha preocupação deu as caras ainda em 2018. Talvez fosse novembro, mês daqueles que, feito eu e conforme reza a lenda, foram concebidos nas estripulias momescas — com pouco amor e muita sem-vergonhice. Isso não importa, importa, sim, o fato de eu, nos dias que precederam aos meus 57 anos, ou seja, em pleno inferno astral, ter passado a desconfiar do que viria a acontecer. O inferno, decerto por conta do fogo, ilumina as mentes, torna as pessoas perspicazes, com dons adivinhatórios. E a clarividência comunga com a dor e o sofrimento, pelo menos foi assim na minha experiência. 
Novembro ia pelo meio, beirando o dia da República, quando comecei a temer o pior. Já se sabia de um general ou outro na equipe próxima do capitão, mas, no mais, eram especulações. Quantos afinal? Em que postos ficariam? Tudo se confirmou, e os militares, em número expressivo, tomaram assento nos cargos estratégicos do executivo.
Eu, na minha ignorância lustrosa, vendo toda a movimentação de formação do governo, conhecendo um pouco os currículos dos tais militares em trânsito para os cargos executivos — gente que serviu às missões de paz da ONU, um ou outro pouco pacífico, uma estranheza para a missão, mas não muito para auxiliar o capitão eleito presidente —, passei a coçar a cabeça, a chacoalhar a cabeça, a bater a cabeça e a me perguntar: quem vai ficar nas casernas?
Esse afluxo de militares para o poder executivo criaria, como de fato criou, um rombo no próprio exército. Não temos muitos militares para abrir mão deles em suas funções. Minhas perguntas, além de castigarem minha cabeça internamente, com pensamentos, e externamente, com pancadas, me levaram a um total estado de medo. Fiquei sitiado por essa sensação ao acordar, durante o almoço, nas horas de trabalho, ao fracassar no amor e no sono. Não tive coragem de comentar com ninguém. Medo solitário. Ah, o medo solitário! O medo que se tem só não é, ao contrário do sonho que se sonha só, na visão do Raul Seixas, apenas um medo, é um calvário armado, esperando a vítima. A vítima? Eu. A vítima? Você. Nós todos.
Casernas vazias, prato cheio para os inimigos. Sim, temos inimigos, todos sabem ou no mínimo imaginam. Nosso corpo diplomático é reconhecido por sua habilidade de não se meter de forma tendenciosa nos conflitos mais beligerantes ou que existem desde sempre. Logo que os novos inquilinos do poder arregaçaram suas mangas, a diplomacia astuta e pragmática foi sendo deixada de lado, e o Brasil afirmou que tinha lado no conflito entre Israel e Palestina. Bem, inaugurávamos a era de criar inimigos, mas não eram esses inimigos que me afligiam naquele novembro friorento. Pensava nos cultivados ao longo da história, aparentemente não mais inimigos, mas cicatrizes mal-curadas não tardam a sangrar. O estribilho do pancadão me martelava: caserna vazia reacende o desejo de vingança, caserna vazia reacende o desejo de vingança, caserna vazia... 
Hoje, nem bem o carnaval de 2019 afrouxou o couro do batuque e a quarta-feira santa redimiu um pouco dos nossos pecados, nessa segunda-feira que começou cinzenta e, de norte a sul, de leste a oeste, em pingos uniformemente distribuídos, descambou em uma chuva fina e contínua — situação rara, os meteorologistas estão chocados —; bem, nessa segunda-feira, segundo noticiam os jornais, as forças militares paraguaias fecharam a Ponte da Amizade e deslocaram um efetivo pequeno, porém maior que o vazio das nossas casernas, para a mítica Pedro Juan Caballero.

Batalha do Avaí, de Pedro Américo.

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