Logo de manhã, um amigo me envia o link de uma matéria em
jornal que não assino, portanto, não consigo ler. Acesso a manchete: uma
carioca foi eleita Miss Vagina. Soube ainda que foi o segundo ano do concurso e
que as pretendentes se inscrevem diretamente.
No mundo que exalta a simetria, lábios vigorosos, de
coloração suave e encerrados em um desenho harmonioso devem ser os aspectos
apreciados. Isso se um discípulo de Picasso – e aqui não há segundas intenções
de um menino da quinta série – não pertencer ao júri. Os cubistas, sabemos
todos, veem beleza na assimetria.
A existência de uma disputa assim abre a possibilidade para que
também entrem em concorrência o pênis, o dedinho do pé esquerdo, a nuca, o M da
mão. Não a bunda, que tem seus milhares de concursos diários, oficiais,
oficiosos ou frutos de solitárias fantasias. Muito menos a bunda da mulher
farta de tanta objetificação. Hoje, não somos nós que desejamos a bunda da
Anita, é a bunda da Anita que nos deseja (ou não). A bunda tem poder. Talvez,
por isso, se busque, em concursos nos quais a candidata se aceita como puro
objeto, carne fatiada sobre a mesa – comum ou ginecológica? –, a beleza oculta
e menos óbvia.
A medida perfeita sempre foi um requisito perseguido nos concursos
de misses. Aliás, isso marcou essas disputas no Brasil, já que nossa primeira
Miss Brasil, eleita em 1954, a baiana Marta Rocha, teria perdido o título de
Miss Universo por duas polegadas a mais no quadril. Ao que parece, tudo não
passou de uma invenção de um jornalista, e o motivo da derrota seria outro.
Seja como for, nas competições tradicionais, é valorizada também a vida social
da candidata, com especial atenção ao modo como se distrai. Todas leem “O Pequeno
Príncipe”, então, pesa na avaliação se o leem deitadas, sentadas, em pé; se
atentas apenas ao texto ou, ao contrário, só às ilustrações; se leem tudo ou
saltam páginas. Enfim, a beleza é um dos pontos observados. Já à Miss Vagina
não se pergunta nada. Imagino que nem o rosto se revele, pois conhecê-lo
adulteraria o espírito julgador ou o faro de quem julga. O faro seria outro
fator a perturbar a neutralidade, logo é melhor desconsiderá-lo até em seu uso
figurado.
Com o avanço da tecnologia, antevejo prêmios para os órgãos
internos. Teremos em breve a Miss Fígado ou o Mister Rim, a Miss Intestino ou o
Mister Baço, além dos genericamente exclusivos Miss Ovário e Mister Próstata. As
possibilidades são inúmeras. Carótidas, corram à academia, malhem o bíceps,
estejam prontas.
Esta crônica passeia entre a falta de noção e o devaneio,
com pretensa e destemperada ironia. Tento corrigi-la conjecturando o real significado
de um concurso como esse vencido pela carioca. Podemos pensar em narcisismo
exagerado, ou, como já disse, em sujeição máxima a um machismo ultrapassado.
Mas também pode ser que, à moda de um personagem bukowskiniano, só queiramos
voltar ao útero, à origem, abandonar essa vida cheia de boletos, guerras, desastres
ecológicos e luz, excessiva luz. Como nos conforta a beleza, estamos à procura da
porta mais atraente para esse retorno. Se é assim, fiat tenebrae.