Igor Calazans é um poeta de Niterói e vive no Rio. É também um animador cultural, oferece oficinas de poesia e organiza saraus, entre outras coisas. Enfim, é um cara desprendido que gosta de juntar poetas os mais distintos. E junta.
Ultimamente ele organiza dois saraus. Um, no Baratos da Ribeiro – sebo e ponto de eventos culturais fincado no coração de Botafogo –, é um tributo a algum poeta, o "Ode ao Poeta". O encontro funciona assim: Igor distribui poemas da pessoa homenageada, e aqueles no público que se sentirem à vontade escolhem um para falar ao microfone. Quando o homenageado está presente, ao final lhe é feita uma pequena entrevista, e o espaço fica aberto para que ele leia seus poemas e outros que o influenciaram ou que são de seu agrado. É comovente.
O outro é o Epoché – termo grego, cunhado pelos céticos, em oposição ao dogmatismo –, um sarau mais tradicional, no qual poetas são convidados para declamar dois ou três poemas. O surpreendente é que desfilam poesias de toda sorte – sem dogmas – e os ouvidos se adaptam às mudanças de rumo. Há algum tempo, a reunião tem sido no Capitu Café, situado no último endereço de Machado de Assis.
Quando anunciei que estaria no sarau, que aconteceu no dia 12 de abril, minhas amigas curitibanas, as arquitetas e cronistas Fernanda (Morishita) e Mônica (Moro Harger), me avisaram que estariam no Rio e iriam me ver. E foram. E não couberam no recinto, tendo de ficar na calçada, por sorte, em mesa servida pelo café. Com elas estavam o filho da Fernanda, o Theo – que eu já conhecia de papel, por ser a figura central do livro de crônicas de sua mãe, "Cartas para Theo" (Editora Verso) –, e outras amigas, pessoas agradáveis que esticavam os assuntos sempre de forma leve e inteligente. Me dividindo entre os dois espaços, entrei e saí da área do sarau várias vezes (no outro dia, me justifiquei com os poetas que acabei por não assistir, o motivo era justo e retratava o sucesso do evento).
É inevitável, nesses nossos dias documentais, que a gente se fotografe. Para escritores, o Capitu é um sonho. À porta há uma escultura do antigo e ilustre morador, um convite para rodeá-lo e fazer selfies e não selfies a perder de vista. Na escultura, Machado está sentado à mesa. Numa das mãos, uma xícara vazia de café, na outra uma caneta-tinteiro que se aproxima do papel pousado bem à sua frente. O Bruxo toma notas. Mais na ponta da mesa, um pote que se parece com um balde de leite pequeno – na certa, o recipiente da tinta – e um pratinho com doce. Sugeri que não era doce nenhum e sim um prensado de maconha. Rimos, tiramos fotos. Numa delas, um homem aparecia assim no canto, e eu disse que na edição da foto a gente o tiraria. Mais risadas, inclusive do futuro excluído.
Esse homem, Alviño seu nome, se aproximou de nós, o celular aberto em uma foto. Queria tirar de nossa cabeça a ideia espúria do conteúdo do pratinho, aquilo não era maconha, mas uma cocada. Aí virou zueira, bagunça, brincadeira sem fim. Ele então nos contou que é o autor da escultura. Mais ainda, dentro do café, a série de desenhos do criador de Capitu e Braz Cuba é também dele. Ou seja: ao lado do sarau, uma exposição bem bonita. Viva Machado, que, descubro, se amarrava numa cocada.
Em seus últimos dias do décimo ano de vida e já se preparando para subir a ladeira da adolescência, Theo dormiu nos braços de um tio, o que levou minhas queridas cronistas de Curitiba para casa antes da esticada a um tradicional restaurante do Cosme Velho. Lá, nesse dia tão intenso e fraterno, formou-se uma imensa mesa recheada de poetas. Uma beleza só, promovida pelo nosso Calazans.