Se há duas coisas que, em graus variados, não me pegam são desfile de escola de samba (um pouco) e entrega do Oscar (bastante). Apesar disso, me vi às voltas com ambas durante os dias de Carnaval.
As escolas que gostaria de ver, Mangueira, da qual sou
torcedor, e Portela reverenciando Milton Nascimento, eram as últimas a se
apresentar em seus respectivos dias. Sem atraso, entrariam na avenida às duas e
meia da matina. Nessa hora, meu bem, durmo o sono dos justos e o dos injustos. Com
o desfile de cada escola disponível aos assinantes, bem acordado, no meio da
tarde, assisti aos dois e, de quebra, ao da Beija-Flor.
A Mangueira me comoveu. Aquela bateria simulando um
tiroteio, som que faz parte da paisagem de quem vive nas favelas cariocas, e
depois saltando para o funk e o jongo, para, por fim, chegar ao samba
tradicional, e tão próprio da Estação Primeira, foi um acontecimento. Um dos
jurados – justo o que foi meu vizinho – achou por bem tirar um décimo da Verde
e Rosa. Deve ter suas razões, não posso discutir, mas os outros três cravaram a
nota máxima, e a “Surdo Um” (apelido carinhoso), sob o comando de Taranta Neto
e Rodrigo Explosão, ficou com dez. Numa leitura política que tem marcado a
escola, a comissão de frente destacou os “crias”, como são chamados os jovens
da favela, ao dar a eles lugar de potência e criatividade, uma contestação à
perversidade dos que os veem como problema. Bem, os jurados não gostaram, e a
comissão não faturou a nota máxima.
A Portela mexeu comigo quando escolheu Milton Nascimento como
tema. Isso tanto é verdade que anunciei – quer dizer, comentei com dois
cupinchas – minha troca circunstancial da casaca verde e rosa pela azul e
branco. Esperei por um espetáculo brilhante, porém, confesso, não captei muito
o sentido do que foi para a avenida. Mas isso não deve ser problema da escola, eu
é que não entendo nada de desfile. De todo jeito, ver o Bituca sentado no trono
abençoado por Paulinho da Viola, Monarco, tia Surica e tantos outros já vale um
Carnaval e duas missas. Sabendo ainda que um dos carnavalescos é filho de um
amigo meu, botafoguense ainda por cima, todo o meu envolvimento com essa
invasão “mineira” só fez crescer.
A Beija-Flor, odiada por tantos – talvez por ser, junto da
Imperatriz Leopoldinense, a que mais ameaça o domínio da Mangueira e da Portela
–, com um samba-enredo fácil de aprender, sustentou a beleza das fantasias, a
alegria dos integrantes, a emoção da despedida de Neguinho da Beija-Flor como
puxador de samba e, o mais importante, a homenagem a um personagem da escola, o
Laíla. Campeã sem contestação. Opa, eu não contesto, mas, entre as próprias
escolas, há insatisfação e acusação de falcatrua. Isso é lá com eles, meu samba
é no pé. Me corrijo, no sofá, vendo o desfile gravado.
O Oscar assisti ao vivo e inteiro. A tradução simultânea
funcionou bem, e isso facilita a vida de um monoglota. De todo modo, com boa ou
má tradução, a cerimônia é chata. Alguns momentos são bonitos – destaco o
discurso pé na porta dos diretores (Yuval Abraham, Basel Adra, Rachel Szor,
Hamdan Ballal, uns palestinos, outros judeus) de “No Other Land”, vencedor de
melhor documentário –, mas as piadas são pífias, quando não equivocadas. Ao
dizer que sua mulher achou uma boa ideia o marido sumir, como no filme brasileiro,
o apresentador se mostrou tão desconectado de “Ainda estou aqui”, de Walter
Salles, que deveria, um pouco depois – aconselhado ou pressionado pelos
produtores da festa –, pedir desculpas. (E eles lá pedem desculpas?) Enfim, o
brasileiro ganhou merecidamente como o melhor estrangeiro e temos de comemorar
e esperar – sem muito otimismo – que isso se traduza em mais recursos para o
cinema nacional. Só para lembrar: em Berlim, "O Último Azul", do
pernambucano Gabriel Mascaro, levou o Urso de Prata, o Grande Prêmio do Júri.
O ganhador do Oscar, “Anora”, de Sean S. Baker, é uma salada
de frutas. Começa com uma pegada “Mil tons de cinza”, passa por uma comédia
pastelão e, a meu ver, salvando-se de um vexame, tem um final no mínimo sóbrio
– amiga minha o viu como um desfecho machista; entendo, mas não concordo. O Carnaval
deu o tratamento que o filme merece, parodiando uma clássica marchinha, que
agora é assim:
"Se você fosse sincera, oh, oh, oh, Anora
Devolvia o nosso Oscar, oh, oh, oh, agora.”
Mário Lago, autor da música, lá do infinito, ergueu um brinde. Fernanda Torres, atriz de ponta e figura simpática e engraçada, deve cantar a versão no escondidinho de seus quartos de hotel, onde tem vivido os últimos meses.