Não sei quem, na nova versão de “Vale Tudo”, matou Odete Roitman. Aliás, dessa vez não assisti a nenhum capítulo da novela, mas, a julgar pelo que me disse um amigo, fiz bobagem. Por que? É o seguinte: quando o vi debruçado sobre a telinha do celular, apreciando o diálogo entre dois personagens da trama, dei-lhe uma enquadrada: “ora, o que é isso, vendo novela?” Ele então negou que a acompanhasse, pescava, isso sim, alguma coisa para ter assunto com as pessoas. Benza Deus, não tenho assunto, nem terei.
Sempre fui de virar as costas às novidades; desatento, gosto
mais de livros do que da vida – embora mais da vida do que de TV. No caso das
leituras, nem sempre estou lendo os lançamentos, e os que leio nunca ou quase
nunca são os mais vendidos. É um desvio de caráter, bem sei.
Comecei a me preocupar com essa recusa às novidades ao saber
que – segundo Derya Unutmaz, imunologista turco e professor do Laboratório
Jackson de Medicina Genômica, em Connecticut –, quem viver mais dez anos,
viverá mais cinquenta (isso só é espantoso para quem, hoje, tem no mínimo
quarenta anos, os demais têm obrigação de viver mais sessenta). Segue daí que,
se eu chegar aos setenta e quatro – meu pai morreu aos setenta e oito, minha
mãe, aos oitenta e quatro, portanto a probabilidade é grande –, viverei até os
cento e vinte e quatro. Preciso me ajeitar com as novidades, caso contrário serei
um velho longevo insuportável, nostálgico demais, melancólico, inclusive. Se
não faço nada, corro o risco de ser expulso do cômodo da excentricidade e
abandonado no da chatice.
Aos oitenta estaremos com a memória comprometida, como é
usual, embora fisicamente resistentes? Para o médico turco, a Inteligência
Artificial é capaz de resolver qualquer problema (não só os da medicina, se bem
o entendi), assim me parece óbvio que em seu prognóstico o cérebro do
octogenário também se manterá jovial, funcionando muito bem. Ou seja, uma
novidade, a IA, abre o caminho para a vida terrena eterna, enquanto me mantenho
por fora de tanta coisa.
Não sei quem são os atuais jogadores do Botafogo – e estava
inteirado do time de 2024.
Não conheço a maioria dos escritores asiáticos incensados
por amigos, nem o húngaro ganhador do Nobel de literatura, moço de nome
complicado.
Minha última atualização em termos de linguagem da internet foi
entender o significado de “stalkear”, um trem velho até. Mas o que é LOL? E Shade?
Não danço funk. Não assobio músicas da Pablo Vitar. Não
tenho Tiktok. Não corrijo meus textos usando o Chatgpt, embora não descarte a
ideia. Não frequento rave – mas, você dirá, e lhe peço que me questione, mas
não me acuse, isso já não era novidade no tempo em que os bois pastoreavam
carneiros.
Caminho pelo “museu de grandes novidades” e olho atento
objeto a objeto. A rave não está nele – ah, sim, claro. Ao contrário da morte.
A morte?
Sim, é a nova peça do museu. A escuridão, – ou o
desconhecido, – ou o salto no desconhecido, – ou o fim, está para ser
emoldurada num quadro e fixada na parede, uma imagem que talvez nem chegue a doer.
Não sei quem deu o tiro, mas arrisco a dizer que Odete Roitman pode ter sido a última pessoa a morrer nesse mundo que nós humanos arrancamos de Deus.
Pós-escrito: soube há pouco que a senhora Roitman não morreu (aliás, seria sua segunda morte), logo, entramos na eternidade na companhia dela. Sigamos....
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