Estou com os pés nos 50 anos. Na realidade, quando esta crônica for lida, já terei a metade de 100. Se é muito ou pouco, não me interessa. Sei que vivi muita coisa, tive ilusões, incertezas, decepções, alegrias, tudo isso, como é da vida e de todos.
Chego aos 50 sem nenhuma vontade de comemorar a data no estilo bolo e velas. Nunca gostei. Prefiro, no dia, jantar com a família. Isso não quer dizer, todavia, que não festeje. Festejo sim.
Desta vez, por exemplo, o início dos festejos se deu em Passos. Foram , depois de um ano longe da cidade, três dias de folia. No dia 11 do 11 de 2011, relancei, no Bule Verde — espaço cultural que é sonho mais que sonhado do Paulinho Buldog —, meus três livros. Bem, para isso, o pessoal do Bule armou uma noite daquelas, com congadas, música com os Jerônimos, perfomance. Isso tudo se já não bastassem o espaço em si, as peças expostas nele e sua arquitetura. Não, mas não acaba aí. Além de amigos e parentes, estiveram lá para conversar comigo pessoas de alguma forma especiais para mim, entre elas (não fiquem com ciúme os demais, se não os nomeio), o Sebastião Borges, sapateiro das antigas, homem que carrega a memória da língua do sapateiro e outras tantas, as quais poderíamos chamar de história da cidade.
Praça da Matriz, foto própria (2009). |
A festa continou no outro dia, quando eu e meus amigos de adolescência nos reunimos, pelo terceiro ano consecutivo, para celebrar nossa amizade. Talvez tenha sido a reunião com o menor número de pessoas, mas, ai, ai, ai, ninguém nos tira o amor que sentimos uns pelos outros. Este ano tínhamos a dor da perda do Piccirillo, mas conseguimos fazer dela um fato a mais para ganharmos força e seguir adiante. Tem de ser assim, e assim tem sido e será.
Olho para o final de semana e reafirmo o que talvez já tenha dito por aqui: há algo raro em minha cidade. Não sei a palavra que possa defini-lo nem ouso inventar alguma. Apenas digo que essa raridade é feita de coisas simples. Do sotaque. De nosso português não muito chegado a plurais. Do tempero nem muito quente como o baiano, nem muito frio como os sugeridos pelos nutricionistas zelosos com nossa saúde. Da música triste — não, nada de tristeza, não é isso, estou enganado. A música dos pretos das congadas nos carrega para a proximidade de Deus, talvez com muito mais eficiência do que as orações, católicas ou não.
Claro, nem tudo foram flores, e eu cometi uma rata e tanto. Fui pro microfone do Bule Verde recitar um poema meu, publicado no Suplemento Literário de Minas Gerais, e engasguei, esquecendo seus versos bem no meio. Para tentar salvar minha pele, reproduzo o poema. E me despeço. Vou ali viver meus 51, que, dizem, é uma boa ideia.
Looking for others
Para Bia Werneck
Meu coração mineiro
Ante a poluição de São Paulo
Sente, como quem traga traças,
A solidão sólida de correr aflito
Avenidas adentro, entre gigolôs e maníacos,
Procurando, procurando, looking for...
Teu nome em outdoor é lavanderia,
E sou a acidez da cidra crua,
Enquanto a rua espalha medo.
Atravessá-la e socorrer-me ou
Paralisar nádegas pulmões?
Meu coração mineiro,
Longe das montanhas, em desabrigo,
Treme, como gelatina gelada,
Ao deparar o olhar cego
Comendo com as mãos
Outros, outras, others...
Teu nome no disco é música,
E sou marginal moda de viola,
Enquanto a rua espelha o meu medo.
Atravessá-la e socorrer-me ou
Paralisar pés rins?
6 comentários:
Oi amigo,
Que coisa linda você no Bule Verde! Na minha imaginação o bule estava todo cheio dos pontos pretos do esmate quebrado e já com aquela marquinha escurecida por dentro de tantos cafés. Bule de muita prosa com café fica assim. E aí que o café bom e a prosa melhor ainda! Que linda festa deve ter sido! Fiquei muito feliz por você comemorar seus 50 anos em Passos, ao som das congadas e cheinho e amigos e parentes. Você merece! Beijo com carinho da sua amiga Lili
Lili, a festa no Bule foi mesmo de arromba. Obrigado pelo carinho de sempre.
Primo, taí! gostei do "Looking for Others". Atravessar, sempre... Paralisar, jamais !!! Sinto grande orgulho de vc ex-priminho e atual primão, pois o interior da sua cabeça é do tamanho do mundo... cabe tanta coisa, tanta imaginação... e tanto carinho e atenção para com tanta gente... Parabéns primo, pelos 5.0, e olha que nessa velocidade, daqui a pouco vc me alcança na idade, já que após os 5.0 eu parei de cronometrar o tempo...rs...!!! Repare que consegui até postar esta mensagem. Tô evoluindo na web. Até breve. FB
Primo, priminho e primão, você é o cara. Obrigado pelo carinho e, agora que você evoluiu e já sabe até postar comentário, venha sempre aqui no osso. A casa é sua.
Beijão.
Xande, a homenagem do pessoal de Passos e em especial do Bule Verde deve ter sido incrível.
E que foto linda hein?
Amei o "Looking for Others". Está perdoado por ter engasgado com poema tão lindo! bjs;
Paçoca, a festa no Bule Verde foi mesmo incrível. A cidade mais do que merece um espaço como aquele.
E eu, claro, fiquei super agradecido.
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