Quem vem ao Rio vai à praia. E dança
na Lapa. E toma o bonde para o Cristo — para Santa Teresa, enquanto as
autoridades tentam limpar a caca daquele acidente, não. Também é possível ir ao
Pão de Açúcar e até mesmo, como adoram os estrangeiros, subir os morros, visitar
as favelas. Alguns, neste caso, vão para ver a solução de engenharia e
arquitetura encontrada, ou para ver a vida das pessoas numa urbanidade tão
distinta. Mas muitos vão mesmo como se fossem ao zoológico ver o bicho
enjaulado nas grades da pobreza. Seja como for, o Rio é uma cidade aberta à
visitação, não resguarda sua beleza e suas contradições de ninguém.
Porém, há o Rio menos óbvio. E nele
estão listados museus e centros culturais fantásticos. Dos exuberantes e aclamados
— Centro Cultural Banco do Brasil, Teatro Municipal, Museu de Belas Artes etc.
— aos miúdos ou mais modestos — Museu de Arte Popular Brasileira, Casa de Rui
Barbosa, Museu Nacional, não sei quantos mais. Cada um tem seu charme, sua
característica.
Não bastasse isso, há um projeto no
Rio, o “Música no Museu”, que adiciona ao acervo dos museus música. Música da
melhor qualidade, clássica ou não, instrumental ou não. Eventos gratuitos,
abertos a músicos novos e outros já consagrados, brasileiros ou estrangeiros.
Se alguém vier à cidade maravilhosa, visite o site do projeto e tome nota da programação. Garanto que a mistura praia e boa música, adoçada
com obras de artistas plásticos que vão do popular à vanguarda, não faz mal,
nem tem efeitos colaterais maléficos. No máximo, você, que foi ouvir
Villa-Lobos, saiu de lá uma pessoa melhor, fortalecida. Acontece.
A ideia de falar do “Música no Museu”
veio à tona porque, dia desses, no meio da tarde, recebi um e-mail anunciando
um recital. Quem o enviou foi um amigo alemão, o Johannes Defner. Ele e Geisa
Felipe tocariam, como parte da programação desse projeto, um repertório de
música brasileira (Baden Powell, Villa-Lobos, Altamiro Carrilho e outros).
Conheci Johannes por intermédio do
Paulinho, amigo que foi viver na Alemanha, casou-se e teve filhos por lá, mas
que, quando chegou a hora prematura de cruzar a derradeira fronteira, escolheu
vir passar seus últimos dias aqui conosco (seus pais, irmãos e amigos). Trouxe
a mulher e os filhos. Nos seus últimos trinta dias, mesmo sofrendo, não deixou
de nos acolher. Paulinho era assim, um ser sociável, até mesmo na hora
indesejada.
Paulinho apresentou Johannes à Geisa.
Ela, uma menina que saiu do Brasil para estudar flauta na Alemanha e caiu nas
graças de Paulinho e Ilse, sua esposa. O que cimentou as amizades comandadas
por Paulinho mundo afora foi a música brasileira — em particular o choro e o
samba. Ilse, doutora em violão, já estudava nossa música e, imagino, a paquera entre
ela e Paulinho começou por aí. Johannes, hoje, depois de intensificar sua
relação com o Brasil, toca violão que nem esses meninos da Lapa. Ganhou cancha
tocando choro lá na terra de Bach, acompanhando, primeiro, o Paulinho e, depois,
a Geisa. Ele ainda compõe música brasileira sem cerimônia. Quem quiser conhecer
um pouco do trabalho do alemão, passeie por aqui.
Geisa, por sua vez, é uma “menina
prodígio”. Aos nove anos de idade, levada pela mãe para estudar flauta (a mãe
incluiu a música na educação das filhas por acreditar que isso facilitaria o
aprendizado de matemática, de português, enfim, das matérias tradicionais), foi
descoberta por um professor. Ele, dedicado a alunos de mestrado, deu um passo
atrás e foi lapidar o talento dela. Não deve ter se arrependido, pois Geisa se
formou em Freiburg, Alemanha, com conceito máximo. Saiba um pouco mais sobre
ela dando um pulo aqui.
Para além da emoção experimentada pelo
recital, síntese de tantas coisas (a beleza da música, as amizades que se fazem
de maneira especial, a sombra do Paulinho que, por Deus, nunca nos abandona), fiz
contato mais de perto com esse projeto, “Música no Museu”. E gostei tanto que
rascunhei esse guia turístico de um Rio menos óbvio, talvez o mais
interessante.
2 comentários:
Alexandre, para além de ser um guia turístico, seu texto é um guia para a imersão nas delícias das artes, da cultura e da quebra de fronteiras entre as classes que povoam uma metrópole, bem como entre artistas e público. Uma ode à comunhão entre pessoas de boa vontade. Parabéns! Beijos, Maria
(Texto enviado por e-mail e, a pedido de Maria Balé, postado aqui. Obrigado, Maria.
Ouvir sua voz textual nos faz seguir até o canto das sereias. Já guardei os links sugeridos, vou me manter atualizada e MUSICA MAESTRO!
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