Não fui adolescente de briga. Meus amigos eram e, até
hoje, se orgulham disso, defendem que nossa turma era a melhor de todas no
quesito tapas e pontapés. Não era um deles nesse aspecto, briguei uma única
vez, assim mesmo o que houve, no escuro da boate, foram duas tentativas de socos
de ambos os lados. Eu estava certamente embriagado, devo desculpas ao meu
oponente, que, aliás, não sei quem era, apesar de saber por quem eu armara toda
aquela confusão.
Antes de entrar na adolescência, aí sim, tive uns ataques
de valentia. Certa vez, lá no Beco, mandei enfileirar os meninos e enfrentei um
de cada vez. Noutra ocasião, num arranca-rabo com um dos meus melhores amigos,
fui dar-lhe um chute, ele segurou meu pé e me derrubou no chão. (Com esse
tombo, ruiu meu pendor de lutador de rua.)
Depois da queda, certo de que era um homem, ainda que
não passasse de um projeto de homem, exigi, do alto da minha honra, que meu
amigo que me aplicara aquele maldito golpe nunca mais dissesse meu nome; eu não
diria mais o dele. No outro dia, continuamos com a nossa velha camaradagem, apesar
de adotarmos um genérico Zé para nomear um ao outro. Há muito tempo não o vejo,
mas ainda hoje penso nele como Zé.
A honra. Que estupidez! Por ela, criam-se segredos
absurdos e fica-se preso a uma desavença de infância. Há aqueles que vão além:
matam a mulher que não admitiu ficar presa à insatisfação ou o vizinho abusado
que fez fiufiu para a filha adolescente do assassino.
Alguns dos Chicos |
Além do amigo que virou Zé, a vida me ofereceu outros
Franciscos. De cara, nasci ao lado de alguns deles. Meu tio Chico. O primo
Chiquinho. Depois, noutros paralelos, Chicos artistas, curtidos de longe. Recentemente,
o Francisco Mendes, escritor lá de Belo Horizonte. Houve outro Mendes, o seringueiro
símbolo da luta a favor do meio ambiente. Ah, sim, e o Chico Lopes, fazendeiro
amigo de meu pai e pai do Armandinho. Não me esqueço do meu melhor professor de
economia, Chico Lopes também. Sim, ele mesmo, o ex-presidente do Banco Central
que se meteu num escândalo de tráfico de interesse, isso que sói acontecer com
alguma frequência em nossa terra tropical. A lembrança do mestre me faz pensar num
outro sentido da honra.
Quando falo honra, também estou dizendo lisura ou,
mais diretamente, idoneidade. O mundo do dinheiro não raramente é comparado à
vida selvagem. Uns devoram outros. Devoram-se porque têm fome de grana, de mais
grana, de grana até não poder mais. Nessa luta, se falta lisura, se falta
honra, os golpes baixos são a regra; e a barriga dos famintos por dinheiro não
enche nunca. Falo dos esfomeados que são uma espécie de tigre de pança sem
fundo, obrigados, por isso, a caçar sem trégua. Num mundo assim, o golpe baixo
é a regra. Nós, os que nos saciamos com pouco, ficamos espantados. Eles, os
tigres insaciáveis, não estão nem aí para o nosso espanto.
A honra, lei sem letra, mantém um compromisso apenas apalavrado.
É esse sentido de honra, não aquele fútil do homem que não esquece a briguinha
de infância, que falta na selva onde se comem os que almejam a riqueza a
qualquer custo. E isso tem feito um estrago tremendo no Brasil que engatinha na
democracia.
Um comentário:
Não se entristeça, amigo. Temos ainda cronistas sérios que nos fazem refletir sobre nosso Brasil. Assim, nós, seus leitores, não ficamos alheios aos desmandos e nos movemos em prol de um mundo melhor. Mandou bem, querido.
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