O de dentro
Como dar nó numa onda ruim? Nunca surfei, não tenho
nem resposta nem metáfora para usar aqui. Assim, o que posso dizer é que o
acaso faz das suas.
Situo-os. Dois amigos meus estão passando por
problemas de saúde. Estão melhorando, graças à medicina que, realmente, é
fantástica, apesar de nos assustar com seus métodos às vezes bárbaros. Não vou
falar de medicina, foi só um comentário. O fato é que dor de amigo nos deixa
prostrados. Meus amigos hoje são avós, são pais, logo, ao redor deles, há toda
uma rede de dependências, no mínimo afetivas, e a doença seciona-a, pelo menos
enquanto tudo fica em suspenso, à espera.
Nesse contexto, dia desses, tomei o ônibus de todos
os dias. Nele, cumpri meu ritual: sentar, de prefência à janela, colocar a
mochila sobre as pernas, abri-la e tirar lá de dentro a leitura do dia; depois,
claro, ler até a hora de descer na Lapa, a dois quarteirões do trabalho.
Enquanto me acomodava, meus olhos foram espiar a rua. Lá estava ele.
Reconheci-o de longe, enquanto caminhava em direção ao sinal em que meu ônibus
estava retido. Usava sua touca branca. Quando se aproximou bastante do ônibus,
confirmei, era o Egberto Gismonti. Numa rua de Botafogo, transeunte comum, um
de nós. No entanto, era Egberto, o Gismonti. Moço do Carmo, que desceu a serra
e, graças à música, é do mundo.
Esse foi o acaso que me confortou. Alguém achará
estranho a imagem distante de uma pessoa poder confortar outra. No meu caso, confortou.
Quer dizer, o que me confortou, de fato, não foi a imagem, apesar de a figura
de Gismonti inspirar certa tranquilidade. Há algo de magia nele. O que me deu
alento foi a música que minha memória resgatou e, mais do que isso, foi a
lembrança de algumas situações ao longo da vida em que duas gotas da música
gismontiana deram-me tranquilidade e discernimento para suportar os maus
momentos. Gismonti, a música dele, me põe nos eixos. Vê-lo, lembrar-me de sua
música e, ao chegar ao trabalho, ouvi-la deixou-me mais tranquilo, esperançoso.
Meus amigos ficarão bem, mesmo que isso leve um tempo.
O de fora
Em 2008, o Cordão da Bola Preta, bloco mais que
tradicional do carnaval do Rio de Janeiro, foi despejado de sua sede na Cinelândia.
Passou um tempo, o governador cedeu ao bloco um prédio na esquina das ruas Lavradio
e da Relação. Não tardou muito, o Bola organizou o espaço e, até onde sei,
funciona bem. Porém este ano, parte do imóvel recebido desabou e, por sorte,
não feriu ninguém.
Circulo por ali todos os dias, pois trabalho na
esquina da Lavradio com a avenida Chile, esta uma extensão da rua da Relação.
Então sei o que ocorreu depois do desabamento. Sei o quê? Nada. Nadinha. Necas.
Nem a Prefeitura. Nem o Governo do Estado. Nem a Defesa Civil. Nem o Bola
Preta. Ninguém moveu uma palha para dar um jeito na construção-destroço. A foto
a seguir foi tirada por mim mesmo, não faz muito tempo. A situação é esta. Acho
que a ideia é que, com a chegada das chuvas, finalmente se produzam as vítimas
que o desabamento por si só não foi capaz.
Quero estar errado.
Foto de Alexandre Brandão. |
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