“Nunca me esquecerei desse acontecimento/na vida de minhas retinas tão fatigadas./Nunca me esquecerei que no meio do caminho/tinha uma pedra...”
No
início pedra era uma parte solta ou o todo de matéria rochosa. Ou coisa
correlata; o granizo, por exemplo, ainda que este dure pouco na condição de
pedra. Pedro, homem pétreo, por associação. Não faz muito tempo, chegou
Drummond com o enigma da pedra no caminho. Era ainda a pedra, e não era mais a
pedra. Não mais a dura expressão da natureza, mas a síntese do que, na vida,
nos leva ao tropeço. Os problemas, as dúvidas; por aí.
É
recente a pedra entorpecente, aquela para a qual se corre na esperança de dar
um cala a boca na dor. A pedra que, ao contrário da pedra, se transforma em
fumaça com um pouco de fogo nos seus fundilhos. A pedra que amealha destruição
em doses alopáticas.
O
poema de Drummond ganhou nova leitura. A pedra agora é essa sem vínculo direto
com a natureza. A pedra química. Joãozinho, o eterno personagem das piadas, analisaria
o poema dizendo que a pedra no caminho do poeta é o crack. No caminho de Drummond! A piada fincando o dedo na ilibada
poesia, na pretensão filosófica do homem de Itabira, cidade cujas flores são
pedras e das pedras vive. A rua invade o santuário da literatura.
(Não consegui descobrir de quem é a imagem. Tirei deste site) |
Tudo
muda. As palavras ganham novos sentidos. Não poderia ser diferente com a poesia,
soma de palavras. A piada sopra aos nossos ouvidos uma leitura contemporânea possível
ao poema-enigma de Drummond. Correta até. Presa às suas linhas.
Podemos
reclamar de que subtraímos de Drummond sua magia, o seu alcance. É que os dias
de hoje são assim. São? Não são? Muita calma nessa hora. É uma leitura de muitas
à mesa. Aquelas enraizadas, clássicas por assim dizer; também outras que se
apegam à imensidão de significados possíveis da pedra no poema. E esta, piada
ou não.
Poema
inclusivo, “No meio do caminho” é aberto de tal maneira que traduz o presente
tanto do século XX, morto e sepultado, quanto o de agora, em fraldas,
aprendendo a engatinhar. Se o mundo não se acabar, dirá alguma coisa para o
XXII.
Logo, a
pedra bem pode ser um tijolinho de crack.
Encontrá-la nunca mais saiu das retinas do viciado, ainda que a lembrança, esta
e qualquer outra, não passe, no caso dos noias, de um lampejo de uma efêmera e
fantasmagórica lucidez.
3 comentários:
Comentário enviado pela escritora e amiga Marlene de Lima.
"O cronista usa o sintagma “Pedra” para fazer várias ilações, o que torna a crônica instigante. Falando em pedra, vale lembrar:
“E qual dentre vós é o homem que, pedindo-lhe pão o seu filho, lhe dará uma pedra?” (Mateus, 7:9)
“Aquele que dentre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela (a pecadora).” (João, 8:7)
“(...)toma na tua mão a tua vara, com que feriste o rio: vai. (...) e tu ferirás a pedra, e dela sairão águas, e o povo beberá. E Moisés assim o fez.” (Êxodo l7:5-6)
Pedra = desamor. Pedra = punição. Pedra = milagre de águas. E a pedra de tropeço no caminho do poeta.
E as tais pedras do seu belo texto. Parabéns."
Alexandre: simnplesmente perfeito. e pungente, como uma pedra bem pontiaguda! Parabéns, abraços,
Angela
Angela e Marlene, obrigado pelo carinho e pela visita. Aqui é osso mas não é pedra.
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