A polifonia das
ruas zumbe e zumbirá por um bom tempo nas dobras do País. Esqueça o vandalismo
e pense: um sopro só e os políticos se mexeram. No Congresso votaram projetos
guardados nos armários havia séculos. A presidente viu entrar por sua sala uma
pauta com a qual não contava. Todos sabemos que as reformas política e
tributária, entra governo, sai governo, não passam de assuntos tratados nas
campanhas eleitorais, se tanto.
Como não somos
burros, não comungaremos a unanimidade das ruas por muito tempo. Nem tudo que
quero para o País meu vizinho quer. Quero andar num ônibus confortável, ter
metrô de alcance compatível com o tamanho da cidade em que vivo, ele quer lugar
na garagem para mais um carro. Ele quer estourar o Maracanã, eu, poder assistir
meu futebol em paz.
Teremos pensamentos distintos em relação à ideia de cura dos
gays, ao lugar que devem ocupar as igrejas nos espaços público e
representativo.
Nossas
manifestações arranharam a importância da política, dos partidos. As mudanças
que estão sendo demandadas (multifacetadas e nem sempre convergentes) dependerão
da política — portanto dos partidos. Esse atrito abre espaço para experiência
de exceção? Sim, claro, mas também pode reforçar os protocolos da democracia e,
por conseguinte, a própria democracia.
Acredito que nossa
trajetória recente — viver a ditadura, superá-la, entrar na democracia, viver
sob o comando de aventureiros devidamente expulsos do poder e, depois, ter
governos menos distantes dos anseios populares (PSDB e PT), ainda que reféns do
jeito ancestral de fazer política em nossa terra — nos fará optar pela
democracia. Então será fatal reforçar os partidos, dar cor bem definida a cada
um deles. Essa tal reforma política, de um jeito ou de outro, terá de vingar.
(Faço um ato de fé,
agarrando-me ao meu otimismo atávico.)
Antes de terminar,
dedico duas ou três palavras à questão do vandalismo. Acredito que houve aquele
incentivado por forças retrógradas, mas também houve o espontâneo. Houve, no
abuso das polícias, o vandalismo de farda (uma pequena passeata iniciada em
Bonsucesso terminou com um verdadeiro massacre, comandado pela polícia do Rio
de Janeiro, na favela da Maré).
Partindo desse ponto de vista, minhas palavras serão voltadas aos vândalos espontâneos. No muque, no furto, na destruição, não dizem nada? Dizem, ora se dizem. Eles dizem que há uma fatura não paga. Não bastam as bolsas isso e aquilo — boas, sem dúvida nenhuma —, mas é preciso agregar algo que as mercadorias por si só não são capazes de satisfazer. Há um desejo de inclusão, que, muitas vezes, não passa de uma demanda básica, como é o pedido de saneamento (e não de teleférico) na Rocinha. Aliás, a passeata que saiu da Rocinha e engrossou no Vidigal, a meu juízo, foi o momento máximo de todo esse movimento. Quebrando todos os estereótipos, nenhum ato de vandalismo. Ao contrário dos vândalos espontâneos, estes souberam dizer muito bem.
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