29.10.18

O violão no baú

Se não me falha a memória — e a crônica, no seu miúdo, sempre é sobre memórias que falham —, há dezoito anos escrevo crônicas. Por suposto, tratei de muitos assuntos e me repeti inúmeras vezes. Repetir-se é tão humano quanto errar... amar... abluir-se (aprendi esta palavra num romance do Vargas Llosa; sugiro, a quem não sabe o que é, correr ao dicionário, se possível antes do banho).

Deixo o exibicionismo de lado e vou ao que interessa, repetindo-me ou não. Se der sorte (se dermos), velho assunto em roupa nova, o que já é alguma coisa.

No início da adolescência, eu era um moleque gordinho e, como estratégia para não ceder ao fracasso da vida amorosa que se mostrava a meus olhos, resolvi aprender violão. Aprendi. Mais até: compus algumas músicas. Com isso conquistei de fato, senão amores, alguns olhares, um tanto de carinho e uns dois ou três suspiros.

Foto do autor, de Conservatória.
Mais tarde, então um homem magrinho (entre a gordura da infância e a atual, houve a magreza), encontrei meu amor, alguém que nunca me ouvira tocar e cantar. Ou seja, o violão não parece ter ajudado. Seja como for, nos meus vinte anos, olhei pros meus dedos, mirei minhas mãos e concluí: “Véi, você é o pior violonista do planeta, se emenda, poupe o ouvido dos amigos, descanse sua garganta, que mais grita do que canta, e suas mãos e dedos, que vão encontrar coisa melhor pra fazer, não se preocupe”. Enfiei minha viola no baú e fui cuidar da vida.


O que era cuidar da vida sem o violão? Sem saber o que era, letrista de meia dúzia de músicas, passei a escrever poesia. E, claro, assim como em certo momento achei que eu era uma espécie de Baden Bituca de Holanda, ao escrever os primeiros versos me vi como um Manuel Drummond de Meireles Mendes. Se um dia esfaqueei o músico, fui condescendente com o poeta. Humildemente descobri que o Xandão era só o Xandão, e à escrita ao rés do chão, rodapé da literatura, me filiei. Fui da poesia pro conto, do conto pra crônica. E, tendo ido, voltei da crônica pro conto, do conto pra poesia. E vou e volto, já que a vida — ora em valsa, ora em samba, ora em tango e bolero que algum mestre tange —, não passa disso. 

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