4.2.19

Tragédia e Férias


Aos familiares das vítimas da Vale


Paisagem, de Marcelo Albuquerque*

O rompimento de uma barragem da Vale, outra vez ela, aconteceu quando eu estava de férias, em Tiradentes. O intervalo entre esta tragédia e a anterior (a de Mariana) foi pequeno, sinal de que a mineradora e todo o aparato de fiscalização não se empenharam em evitar uma nova catástrofe. O que aconteceu nos arredores de Brumadinho foi similar à atuação de um psicopata que entra na escola, mata quem vê pela frente e, por fim, se mata. É e não é similar, já que a Vale vai continuar por aí, rachando de ganhar dinheiro com o minério, descarte aqui, descarte lá os rejeitos desse minério. A empresa ressuscita no terceiro dia, embora não se possa associá-la a Cristo.


Muitos apontam a privatização como a razão de tantos rompimentos. Não concordo. A questão, me parece, está mais associada à forma como o capitalismo funciona por aqui: empresas viciadas em dinheiro público; fiscais que fiscalizam mais a própria conta-corrente; legisladores e membros do executivo que atuam com a mão (nem tão) invisível de interesses alheios aos de seus eleitores ou do próprio Estado. Desmontar essa engrenagem é que são elas.

O Ipiranga do novo governo promete fazer e acontecer para oxigenar o capitalismo tropical. Muita coisa que diz me soa bem, mas, claro, o sistema não é altruísta, regras e fiscalização são imprescindíveis. Tenho a impressão de que o homem forte da economia, um liberal puro-sangue, não acredita muito nisso e acha que as forças da economia — alicerçadas no egoísmo nosso de cada dia — nos levarão por si só ao equilíbrio. É aí que a vaca morta na lama, feito a porca, entorta o rabo.

O Brasil tem nós não desatados desde a primeira infância: a escravidão; a elite que não raro toma de assalto o poder e manda às favas os suspiros democráticos; a injustiça econômica e social. Eu pelo menos já não me assusto com essas jabuticabas (coitada das jabuticabas!), em compensação, me entristeço. A tragédia humana e os danos à fauna, à flora, às águas e a tudo mais me deixam na miséria. Somos inconsequentes e ponto.

Em Tiradentes, estava rodeado de amigos, alguns artistas, outros não, mas todos com alma cunhada no amor ao próximo. Sofremos juntos, e, por estarmos juntos, nos fortalecemos. O brinde levantado de forma recorrente na cidade histórica era muito mais que um desejo de saúde particular, era como se, no alegre tim-tim, transferíssemos ao outro uma força, pequena, mas resistente, capaz de fazer cada um de nós acreditar na melhora deste país e, principalmente, acreditar que, escrevendo, executando uma peça musical, talhando a madeira, preparando um bolo, inventando um drinque ou um prato, enfim, trabalhando, seremos protagonistas da mudança. 

Porque é importante, digo que, além da minha, esta crônica ecoa as vozes de uma Beatriz, duas Veras, uma Margarida, um Márcio, um Murilo, um João, um Celso, uma Lilian, uma Maria Helena, uma Fernanda, um Cléber, um Antonio, uma Graça e, como regentes, as vozes de uma Tereza e um Marco. Quando muito somos um bando de saltimbancos ou músicos de Bremen, mas, por isso mesmo, somos fortes no afeto e solidários na dor. No caso, na dor das famílias que viram seus entes tornarem-se vítimas de mais uma irresponsabilidade institucional brasileira.


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* Encontrei essa imagem num post de Antonio Barreto, poeta, conterrâneo e amigo do peito, não resisti e ilustrei minha crônica com ela, uma obra de Marcelo Albuquerque, cujo site pode ser visitado por aqui

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