Vamos viver na bolha, Anarina. Deixarei aqui meus inimigos,
levarei os livros, minha única riqueza. A vergonha vai comigo. Deixarás aqui
tua filha, tua avó, teu marido, teu amante: esses que se abraçaram à escuridão
e a ela continuam abraçados. Aqui ecoa quente a sandice dos bárbaros, sua
truculência. Na bolha pode ser que, em momento de desentendimento, o tom de
nossa voz se eleve e nos escapem uma ameaça ou outra, mas lá é a bolha, e os do
nosso lado estarão deitados em berço esplêndido de ar. Vamos viver na bolha, Anarina.
Quando dois e dois voltarem
Como dois e dois estão sob suspeição e já não se sabe se
somam quatro, a vida se equilibra na corda bamba, vale ou não vale a pena? O
pão, que era caro, caro está, e a liberdade, pequena que seja, anda acuada num
beco sem saída. Teus olhos continuam claros, mas a catarata os tornou opacos,
tua pele morena não pode mais com o sol, mesmo que o oceano seja, só de longe,
azul e o fedor da lagoa chegue longe. Como um tempo de terror por trás da
alegria me acena e a noite carrega o dia estúpido nas suas costas açoitadas,
rezo para que dois e dois se acertem e voltem a somar quatro, pois desconfio
que a vida vale a pena, esteja o pão a que preço estiver e desde que a pequena liberdade
encontre a saída daquele beco.
Assim já nem tão íntimos (leia o poema)
O formidável enterro de tua última quimera está sendo
agorinha, e, como não nos espanta, a ingratidão, tua companheira inseparável,
com suas garras de pantera, não terá te deixado só. Não posso desejar que te acostume
à lama que te espera, na lama estamos todos, homens que, nesta terra miserável,
moramos entre feras e, por inevitabilidade e necessidade, fera nos tornamos.
Não te dou cigarro nem fósforo, o escarro é a véspera de outro escarro, o beijo
secou, a mão não afaga, tudo agora é na base da pedra — da bala.
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