Um besouro desses comuns, o escaravelho, quando cai de
pernas para o ar, é um deus nos acuda. Imagino que todos já viram uma cena
dessas. Eu pelo menos vi muitas, primeiro, na fazenda de minha avó, depois, já
crescido, na de meu irmão. Na verdade, até mesmo em casa, quando a cidade em
que cresci era menos urbana do que é hoje. Confesso que nem sempre salvei os pobres
coitados.
Parto do princípio de que um besouro naquela situação não é
capaz de se virar, de “pôr-se de pé” e, enfim, levantar voo a caminho de seus
afazeres. O afazer que garante a sobrevivência de um escaravelho é formar uma
bola com bosta de cavalo para enfiar num buraco na terra e, então, protegido,
se alimentar da iguaria. Diga-se que os besourinhos que saem dos ovos deixados
numa bola dessas nascem com o alimento garantido. Espertos os besouros. Sábios.
Sábios ou não, de pernas para cima tornam-se indefesos. O
interessante é que aqueles que não ajudei, na manhã seguinte, nunca estavam na
varanda ou no quintal onde os encontrara na noite anterior. Eles acabam se
virando? São devorados por cachorros, gatos, ratos, lagartixas e até por tartarugas?
Sinceramente não sei, mas imagino que sempre ocorra o pior. Se há uma imagem
que associo ao desespero, à derrota inglória, é a de um besouro de pernas para
cima.
Eu estou assim, um besouro desses — agonizando.
A que ponto cheguei! Percorria as ruas dessa crônica com um
pé na ciência, particularmente na entomologia, e outro na lembrança da infância
e fui bater no poste da minha fervura privada. Por favor, leitor, não me
abandone, juro que não vou confessar minhas ansiedades ou coisas do gênero.
Então o que farei?
Ora, dizer que não estou sozinho, hoje formamos um país de
besouros com as pernas para cima. Eis a metáfora do Brasil. Ó, céus! Quer dizer
que estamos assim: comendo bosta e, incapazes de nos desvirar, a mercê da fome
de outros bichos?
Que triste.
Lá pelos seus quatro anos, minha filha andava encafifada com
lobos, com o Lobo Mau para dizer a verdade. Eu e ela fomos ao zoológico para
ver um guará, a espécie brasileira. Custamos a achar o local em que ficavam e
mais ainda a vê-los, pois estavam metidos no fundo da jaula, deitados em algum
lugar, enfim, indisponíveis. De repente, apareceu um, um só. Ao avistá-lo, coloquei
minha filha no colo, apontei com o dedo e disse: “Olha o lobo”. Ela, frustrada
com o que via, em nada parecido com o Lobo Mau, respondeu: “Isso não é um lobo,
pai, isso é uma tartaruga”.
Alguns lobos não passam de tartarugas, mas os
besouros, coitados, são comidos por um e por outro. Se é que não se desviram e
alçam voos. Se é... quero acreditar nisso.
4 comentários:
Gostei da relação com a biologia....também não sei dizer o que acontece com eles...espero que depois de muito esforço alguns consigam se virar ou, se não foi você ou eu, outra pessoa pode ter ajudado...
Isso mesmo Ana, torço pelos besouros, mesmo quando não os desviro. Obrigado pela visita.
Oi Alexandre
Se não fosse o fato de o besouro ficar totalmente indefeso quando planta bananeira, eles já teriam dominado o mundo há muito tempo. Um bom motivo para a gente ajudá-los, é claro.
Já a tartaruga-guará... que maravilha. Adorei.
abração du Eustaquio Grilo
Meu querido Eustáquio, começarei a desvirar os besouros, a revolução virá daí.
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