“há aqueles que lutam
toda a vida; esses são os imprescindíveis” (Bertolt Brecht)
Não sei se Voltaire,
se Pascal ou se um terceiro, em carta, se desculpou com o amigo por escrever um
texto longo, pois estava sem tempo para um curto.
Nos anos de 1970,
fez sucesso o livro Smal is beatiful (O negócio é ser pequeno),
de Ernst Friedrich Schumacher, economista que incentivava o consumo de bens e
serviços oferecidos pelos pequenos estabelecimentos, aqueles situados em nossas
vizinhanças. Não é uma ideia sepultada, está aí até hoje.
O que pretendo
com esses exemplos colhidos aleatoriamente?
Primeiro
apontar que o pequeno, ao contrário do que se possa pensar, é um trabalho de
extremo cuidado estético, típico de ourives. Segundo chamar a atenção para o fato
de que o grande pode destruir a diversidade. Em síntese, sublinhar o pequeno, sua
pluralidade e potência.
Sou um artista
menor, não no sentido da qualidade do meu trabalho, não é isso que está em jogo,
sou menor porque ando por uma faixa menos exposta, quer se pense em termos de mídia
quer se pense em termos de acesso a outros escritores.
Como eu, há muitos.
Não sou um escritor profissional no sentido de viver do que escrevo, trabalho com
o diploma de economista. Porém, na faixa dos miúdos, está uma variedade de
artistas que fazem da literatura — ou da música, ou do cinema, ou da fotografia,
ou das artes plásticas, ou do teatro, ou do artesanato, enfim, de qualquer uma
das artes e de suas manifestações — seu ganha-pão.
Como fazem para
sobreviver? De mil maneiras. Há artistas que se apresentam em sinais, no
transporte público. Outros enfiam seus livros embaixo do braço e desbravam este
país para vendê-los. Existem alguns mais estruturados, com biografia
estabelecida ou prêmio incensado, que são convidados para festas literárias, festivais
de música, de teatro. Muitos conseguem participar de leis de incentivo
patrocinadas por alguma das instâncias de governo. Há uma lista grande de escritores
que, para viverem da escrita, trabalham com livros didáticos, revisão, tradução
etc. Estou sendo genérico, sem pretensão de esgotar todos os casos. A ideia é
focar essa miríade de artistas que, digamos, correm por fora.
A crise
econômica, entre nós não é de hoje, foi elevada a uma potência máxima a partir
da atual pandemia. Os artistas menores, se vivem com dificuldade quando a maré
é boa, desmoronam na situação atual. O que viaja para vender livros, não pode —
e, se for responsável, não quer — viajar. O que tem um grupo de teatro não pode
(e certamente não quer) nem ensaiar nem se exibir. O músico não tem plateia. O cineasta
não tem onde passar seus filmes. É o caos.
Em torno desses
artistas, há um emaranhado de editoras, produtoras, locadoras de material e outros
tantos serviços, que, do mesmo modo, ruem. Sigo com o exemplo de um setor que
conheço mais.
Várias editoras
pequenas, chamadas de independentes, trabalham com poucos autores e adotam um
modelo de negócio baseado na impressão em pequena escala. A sobrevivência delas
está na venda miúda, muitas vezes fora de livrarias. Ao contrário de uma grande,
em alguns casos ramificada em outros países — portanto capaz de segurar o
tranco por uns bons meses —, a redução da receita da pequena editora é o seu
fim.
Escritores
menores vendem poucos livros, mas cem livros vendidos de cada um de seus autores,
em um ou dois lançamentos, garantem o fluxo necessário à pequena editora. Os
lançamentos, todos sabem, estão descartados. A consequência é imediata: cofres vazios
e a diminuição imediata desse “nicho” de mercado.
Pouco podemos
fazer a não ser, aqui e ali, comprar livros que não seriam comprados agora,
contribuir para uma caixinha virtual com vistas a garantir um produto futuro,
mas nosso limite é pequeno — há outras demandas: contribuir para instituições
que levam alimentos e produtos de limpeza a milhões de desassistidos, por
exemplo — e, verdade seja dita, muitos de nós estão sendo jogados ao desemprego
ou à redução de salários (os ainda assalariados). Os governos, bem, ou estão
perdidos ou, como é o caso do Federal e seu “edaiísmo”, estão se lixando para a
cultura, produzida por artistas tanto pequenos quanto grandes.
Não tenho
solução para nada. Este meu texto, com ares distintos de uma crônica
domingueira, foi a forma encontrada para compartilhar minha angústia. Foi
escrito pensando em vários artistas e empresários menores. Cito, em nome
deles, Eduardo Lacerda (poeta e editor em São Paulo. Editora Patuá), Marco
Ajeje (artista plástico e moveleiro em Tiradentes. Divinas Gerais), Maurílio
Romão (ator, diretor e administrador de teatro em Passos. Trupe Ventania).
Os três representam trinta, que representam trezentos, que representam três
mil, trinta mil, trezentos mil.
4 comentários:
Xandão, obrigada por sempre se lembrar de me enviar seus textos.Abraços da Hildinha da Ventania
Façamos algo, caríssimo Alexandre Brandão, ou melhor, intensifiquemos o que já fazemos.Quem sabe fazer um pacote da Patuá, da banca Tatuí, para entrega diretamente na casa de um leitor, uma leitora nossa de blogue, de postagem específica de Facebook etc? Uma doação para o povo do teatro e das artes plásticas. Mínimo, mas a sobrevivência da Humanidade virá dos mínimos atos, como já se vê.
Não tá fácil, fé e força.
Hilda, Nilma e Murilo, obrigado pela visita. Os dias são difíceis, mas temos de ouvir essa chamada da Nilma, fazer pouco, mas fazer.
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