Hoje estou
apenas para cantorinhar. Ou para catar piolho em cabeça fresca de criança, mas
não há criança por aqui, muito menos com piolho.
Não estou é para
nada, estou apenas para o passar do sol, como dizia meu tio Ellin. Mas, devo confessar,
hoje não há sol. E, vira e mexe, venta. Não é o tal ciclone-bomba que varreu
Santa Catarina e Paraná, mas, preveem, não será uma brisa nordestina, uma daquelas
deliciosas que serviam de argumento para Bandeira, disposto a abandonar amigos,
livros, riqueza e vergonha, convencer sua amada, Anarina, a — deixando para trás
filha, avó, marido e amante — mudar-se com ele para Pernambuco, Paraíba, um desses
paraísos lá de cima do mapa onde se pode viver de brisa. O ventinho, nem
ciclone nem brisa, vai atiçar o mar, levá-lo à ressaca.
Estou para
rever filmes, mas, admito, a experiência na sala de casa não me agrada. Gosto
do processo de ir ao cinema, principalmente o de rua. Sair do apartamento um
pouco antes, comprar ingresso, correr à livraria, folhear as novidades, beber
um café, quem sabe comer um pedacinho de bolo e comprar uma garrafa de água na
farmácia ou na banca de jornal, onde, aprendi, é mais barato. Ver ou rever
filmes agora é na sala e ponto. Se der sorte, os demais confinados fazem
companhia; se não, enquanto na tela a moça e o moço trocam olhares, ou um
malvado planeja “o” crime, ou uma mulher anda sozinha por um jardim de uma
cidade a que nunca fui ou irei, os colegas de infortúnio passarão na frente da
tela ou conversarão qualquer assunto sem se importarem com o atento
telespectador de filmes que já viu.
Cenário de Dogville |
Ah, hoje não estou para nada, estou apenas para regar minhas dúvidas e, aqui e ali, cantarolar músicas que não sei a letra nem de quem são.
4 comentários:
Ê belezura de crônica, sô. Nusga.
Iiiih! Fiquei com uma preguiça.
Concordo plenamente, Xande. Entre crônica, conto e romance, gosto de todos os filmes com eles aparentados. Mas nunca lembro os benditos títulos.
Também ando um tanto frustrada e perdida nessa busca e acabo vendo série porque me torno cativa e só sigo adiante. Frustrante, pois o fim demora a chegar e quando enfim chega já esqueci o começo.Abraços confinados.
Que bom estar para nada, Alexandre Brandão. Tenho estado demais para tudo, e cansada disso, talvez. Os filmes, todos ótimos. Acho que não vi A janela. Se encontrar, te digo onde. No Méier, tem um cara que baixa todos os filmes possíveis. Mas, em quarentena, não posso ir até lá.
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