Quando criança, acreditava
neles; hoje tenho certeza de que existem. Atitude ambígua, às vezes os desejo
por perto, mas, se chegam, fujo, não, por favor; tenho medo. Acendo a
luz, o cigarro, água no gargalo, a madrugada vem, é maior que suas horas e
cresce. Então, tento-me acalmar, já vai passar. Já vai passar, sempre a
mesma ilusão. Espero que com os anos eles sumam; nada, na outra noite desperto
suado, a respiração sôfrega, o coração batendo atravessado. Não adianta ficar
escondido no armário e deixá-los ir embora ou torcer para que meu pai entre,
"Ouvi barulhos, o que é isso? Ora esqueça, foi só um susto, não chore,
homem, não”. Vou à sala, no banheiro ligo o chuveiro, poderia gritar, e o temor
talvez sumisse. O grito de repente acorda a vizinha e suas minissaias, ou o vizinho
e seus vícios e solidários talvez toquem a campainha oferecendo sexo e pó.
Prefiro o soco na parede. A mão sangra, corro, mãe, alcanço o quintal,
sento na sala, subo a escada, continuo na sala, mãe, passo pela cozinha,
deito no sofá, vou ao quarto, no sofá fecho os olhos, mãe. “O que foi?” Caí
da mangueira, estou tão sozinho. “Bobagem, já já é dia.” Vejo as horas:
3:09 h. Tento 222 e o resto do número de um amigo. Ninguém. A televisão ligada
parece cuspi-los na sala. Perco a trama e choro, choro escondido e sou pego em
flagrante e denunciado. “O que ele tem? Agora deu para isso, é excesso de mimo,
coisas da mãe, coisas do pai, é fase.” Dou um gole numa bebida, coloco uma
música qualquer, mas a repetição continuada de seus quatro acordes e do estribilho
me deixam pior, tiro o disco, quebro o disco, viro a dose, tomo outra. No
relógio: 3:10. Todas as noites nesta noite. Arranco a roupa, entro no chuveiro.
Relaxo. No boxe, os dedos fingem desenhos nos ladrilhos. A mão toca o corpo,
alisa os pés, fica por aí, entre massagens e cócegas, depois vai às coxas e
repousa no pau. Demora-se. Sobe ao peito, dança na barriga, retorna ao pau, ele
apruma. Esta é para as mulheres que me fugiram pelas mãos. Penteio os cabelos,
escovo os dentes. Outro gole. No relógio: 3:09. Armadilha. O rádio anuncia um
dia bonito para amanhã; não acredito. Sei rir sem querer e fingir ser o que não
sou. Círculo. Círculo. Redemoinho. Na farmacinha não encontro o tranquilizante.
Quarto, sala, cozinha, quarto. “Sossega, menino ansioso, parece que tem o
diabo!” Diabo? “Um homem como você precisa de uma mulher endiabrada.” Diabo?
Não. Apago as luzes. Olho o céu. Uma estrela cai e volta na trilha do ponteiro
dos relógios. Pai nosso que estais no céu, santificado seja o Vosso nome.
Acendo o abajur. Ajeito-me e corro de encontro à parede. Atravesso-a incólume.
Sou eles.
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