O nome na tela do celular já adianta o início do diálogo:
— Sargento?
— Não.
— Márquez?
— Tampouco.
Garcia, amigo de infância, sempre foi atrapalhado (feito o
sargento que persegue o Zorro) e fabulista (à moda do escritor colombiano). Por
isso, o estribilho sempre que vejo seu nome na tela. A bem da verdade, quando
meu nome é anunciado no celular dele, vem a contrapartida.
— Pires?
— Nem canto.
— Magno?
— Quem dera!
Nossas provocações recíprocas são, claro, temperadas de afeto
e respeito. Ele não é só atrapalhado e fabulista, tem um rol de qualidades invejáveis,
entre elas, a paciência. Quanto a mim, espero não ser apenas um romântico
metido a grande, mas é melhor perguntar a ele.
Desta vez, Garcia liga preocupado com o Brasil. Com a política.
Ele não milita na esquerda nem na direita, é um conciliador, um sujeito de
centro. E o problema dele está aí.
— Esse Centrão não me representa.
— Como assim? Vocês não estão todos em cima do mesmo muro,
só esperando a hora de dar o bote num lado ou no outro?
— Em política, você é um beócio. Isso que você diz faz parte
do compêndio desses aí. Sou do centro dos Neves.
— Do neto?
— Não me venha com blasfêmia. Aquele de centro não tem nada;
de Centrão, tudo. Não honra o avô.
— Então conclua.
— Daí que é preciso sequestrar o apodo de Centrão desses...
desses... desses facínoras.
— Apodo, é? Hoje você está caprichando, é compêndio cá,
beócio lá, facínora aqui.
— As frases são minhas, falo do jeito que quiser.
— Perdão, prometo ser daqui pra frente um respeitoso ouvinte.
— Centro, nas raias da política, é uma coisa importante.
Quem ocupa esse espaço de consenso não vai pra lá nem pra cá, ao contrário,
puxa as pontas pro meio.
— Hum, sei. Nas raias...
— Sim, nas raias. Ignorarei seus apartes pífios de agora em
diante. Cumpra sua promessa e ouça. O tal Centrão nem busca o entendimento nem
amortece as colisões de ideias. Estão ora no centro, ora à esquerda, ora à
direita sem coerência ou vergonha. Esse Nogueira, por exemplo, já disse que o
Lula foi o melhor presidente do Brasil e chamou o atual presindecente, a quem
vai servir como ministro, de fascista. Haja maleabilidade.
— Maleabilidade...
— O que há, hein? Resolveu me tomar pra Cristo?
— Não, de jeito algum. Vamos lá, você quer mudar o... qual é
a palavra mesmo?
— Apodo, iletrado, apodo. Pra mim, em vez de Centrão, a
súcia deveria ser chamada de Sabujão.
— Você comeu o dicionário?
— Nestes tempos incivis, é a única leitura que não mexe com
meus nervos.
Desconfio de que Garcia ligou apenas para fazer uma piada e
exibir sua erudição passageira. Gaiatices do velho amigo. É hora de dizer, a
nosso modo, adeus.
— Sargento?
— Não.
— Márquez?
— Tampouco.
— Outra hora nos falamos, douto amigo.
Um comentário:
É, Xande, ler o dicionário é a única opção. Vai aí um tanto de razão!
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