O amor, o amor... Ah, o amor! Dele já se falou, se fala e muito se falará. Primeiro amamos a mãe, depois abrimos a guarda ao pai (ou a outra mulher que faça as vezes de uma babá, sejamos sinceros) e, daí então, ao resto do mundo. Mais adiante, surpreendidos por hormônios impiedosos, tentamos unir desejo e amor, o que nem sempre dá certo. Aliás, o amor nem sempre dá certo, é fonte de desatinos e, amiúde, se transforma em seu oposto, e então odiamos tanto, às vezes até a própria mãe.
Impulsionados pela ansiedade e pela carência, pagamos
qualquer preço para desfrutar do amor e, dispostos a amar, somos capturados por
uma de suas múltiplas armadilhas: alçapões que nos prendem a relações de
sujeição, minas que escondem bombas capazes de explodir nossa saúde mental. Sempre
foi assim e é, nesses tempos de conectividade, mais ainda. Soube-se há pouco do
caso do atleta italiano que, durante 15 anos, teve-se como namorado de uma
modelo brasileira, sem que nunca houvessem se encontrado. Qual o espanto? Eu
mesmo julguei que namorava aquela amiga alta, bem fornida. Não, não era namoro,
apenas nos beijamos num domingo à noite na Praça da Matriz. O atleta italiano,
veja bem, se relacionava por internet — na realidade, nem isso. Trocava juras e
planejava o futuro com quem, na outra ponta da fibra ótica, não era a modelo
brasileira e sim um(a) estelionatário(a). Ao final das contas, o moço — a
julgar pelo italiano típico, ele deve ser bonito —, acumulou uma dívida de 60
mil euros fazendo transferências a seu amor.
O Direito, ao constatar a multiplicação de casos parecidos, deu-lhe
um nome: catfishing, que é melhor deixar em inglês para evitar impingir uma
cacofonia no que já é triste. Em O Globo, encontro outro exemplo: uma advogada
acreditou ser namorada de um dos filhos da princesa Diana. Por isso, entrou na
justiça para cobrar as promessas feitas por ele (mas não era ele) ao longo dos
encontros sem encontro. Pelo menos eu beijei aquela menina, e, mesmo assim, ao
me dar conta de que não estávamos em um “relacionamento sério”, me doeu tanto
que, um pouco depois, risquei, à la Ary Barroso, aquele nome do meu
caderno (pois já não aguentava o inferno de nosso amor fracassado) e até hoje, passados
45 anos, prefiro não saber de sua vida. O amor, ao ser estancado, vira isso, uma
frustração, uma vontade de nem sei, como diria Zeca Baleiro.
Já que cheguei à música, recupero uma de Sueli Costa e Abel Silva, “A alegria e a dor”. A letra diz: “São duas vizinhas de quarto / a alegria e a dor / e moram tão juntas que, entre elas, / não há corredor”. Vizinhas que vão além da gentileza cotidiana, a alegria (estado de quem ama) e a dor (no corpo e na alma de quem não ama) penduram suas roupas íntimas no mesmo varal. Elis, em seu último disco lançado em vida, cantou de Sérgio Natureza e Tunai: “As aparências enganam / aos que odeiam e aos que amam / porque o amor e o ódio / se irmanam na fogueira das paixões”.
Com poesia ou sem, o amor nos fragiliza. Quer dizer, a expectativa do amor — querer demais amar —, já que ele mesmo nos potencializa. Éramos enganados antes da internet; por meio de novas artimanhas, somos mais uma vez ludibriados, agora nesse mundo nebuloso. O amor nos torna bobos — o ódio também.
2 comentários:
Difícil, hein! Mas ainda prefiro sofrer por amor (só um pouquinho) do que pela falta dele.
E vamos que vamos, por esse mundão afora, espalhando uma pitadinha aqui, outra ali, de gentilezas que seja.
É, meu amigo, o amor é isso, a gente é gato e peixe, ao mesmo tempo.
Bom te ler.
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