4.6.22

A menina me chamou de poeta

Sempre achei estranho ser chamado de poeta e já explico o porquê. Antes, recorro à memória e encontro o rosto de uma moça bonita, mais velha que eu, portanto fora das minhas possibilidades de conquista. Ela me chamou de poeta, e não me lembro o motivo. Talvez fosse por conta de alguma bebedeira na qual, exibido, eu tenha recitado um poema – na adolescência, a cada porre, declamava, compungido, a introdução de “O Ébrio” (“Nasci artista, fui cantor...”).

Aquela moça era mesmo mais velha? Talvez fosse uns meses, um ano, vá lá. Na juventude, essa diferença é suficiente para separar mulheres de meninos. Hoje, pode ser que ela esteja com a minha idade, se não estiver mais nova. Como nunca mais a vi e não soube de seus caminhos pelo mundo, ela, de quem nem o nome guardei, continua com seus dezessete anos.

Confesso que experimentei uma alegria danada ao ser chamado de poeta. Depois, bem, depois caí em mim, eu não era poeta coisa nenhuma. Naquela época, compunha umas musiquinhas, portanto era exagero ser chamado assim. E agora, com dois livros de poesias lançados, mantenho a desconfiança de que essa roupa não me veste.

Poeta é um negócio grande demais. Poeta é aquele francês, gênio aos dezessete. Poeta é o português de sete faces. Poeta é aquela polonesa cujo nome já é uma odisseia. Poeta é o moço de Itabira ou a moça que, em versos, romanceou a inconfidência. Enfim, poeta é imensidão. E eu — peço vênia ao poeta da delicadeza —, eu sou imensidinho. Mas tem mais: poeta é sensível, e eu não sou. Quer dizer, não era.

Tenho me tornado sensível até demais. Telespectador acidental, me vejo chorando (mas disfarço) ao ver as crianças cantando num programa de calouros sofisticado, com grife, e fico bambo (sorte estar sentado) ao assistir à cena na qual Zé Leôncio (Marcos Palmeira) se descobre pai de Zé Lucas de Nada (Irandhir Santos). Não é sensibilidade, é sentimentalismo, e a pequena distância que separa o sensível do sentimental transforma o poeta num nada. 

Até parece que estou preocupado com essa história de ser poeta ou não. Longe disso, meu ponto é outro, é o de ficar abismado em saber que já me contentei com pouco, com uma palavra dita por uma menina linda e inalcançável. Ah, mas, se me alegrei com algo assim tão básico, acho que sempre tive alma de poeta. 

4 comentários:

Marilena E. L. Montanari disse...

Acho que tem sim. Por que negar? Bjs

No Osso disse...

Oi, Marilena, não é bem negar, é não me encaixar muito bem. Beijo e obrigado pela visitinha.

Ana Cecilia disse...

Amei esse texto!

No Osso disse...

Ana Cecília, obrigado.