Estive em São Paulo com a desculpa de lançar meu mais
recente livro, “Aí onde não cabe”, editora Patuá. Digo desculpa porque o livro
já tem um ano e meio de vida – se é que se pode dizer assim, haja vista que
levei uns seis ou sete escrevendo uma de suas duas novelas – e já havia sido
lançado na cidade em fevereiro. Assim, essa foi a forma que encontrei de me
forçar a visitar a Feira do Livro, evento que, à distância, sempre acompanhei
com interesse.
Não me arrependi. As tendas são montadas na Praça Charles
Miller, em frente ao estádio do Pacaembu. Em dias ora frios, ora quentes, ora
com garoa, ora com o céu mudando de azul a nublado, o espaço é acolhedor.
Pessoas passeiam com seus cachorros e espiam livros. Atletas se exercitam entre
livros. Crianças correm de um livro para outro. O livro, enfim, abandona sua
pretensa sacralidade, as bibliotecas, os espaços sisudos, e ganha a praça. A
Praça Charles Miller é dos livros, como o céu é do avião. Mas ultimamente o
céu tem sido das bombas enviadas por energúmenos que não leem. Bem, sigamos.
As conversas se dão em um auditório aberto, e, para acompanhá-las,
não é necessário pré-agendamento ou a obrigação de se sentar na plateia. Como
só fiquei um dia na cidade, acompanhei, assim mesmo não totalmente, o papo sobre
futebol entre Mário Prata e Ugo Giorgetti. Mário falou de seu romance “O drible
da vaca” (Record), Ugo, de suas crônicas jornalísticas reunidas em “Era uma vez
o futebol” (Imprimatur/7 Letras). Mário contou que o livro, uma especulação
delirante sobre a origem do esporte bretão, exigiu muita pesquisa. Nela
descobriu, por exemplo, que a rainha Vitória, famosa por impor valores morais
rígidos a seus súditos, era chegada a um baseado, quer dizer, a maconha lhe era
receitada por um guru indiano, já não me lembro por qual razão. Ugo, por sua
vez, reclamou do futebol – segundo ele, uma das grandes artes brasileiras, ao
lado da literatura, do cinema, da música e das artes visuais –, que, com o VAR,
quer se transformar numa ciência exata. É saudoso dos tempos em que a mãe do
juiz não tinha sossego. Ugo também confidenciou que, nas tratativas para a sua
participação na Feira, a pessoa encarregada do contato perguntou-lhe qual o
número da sua chuteira, com vistas a convocá-lo para a pelada entre escritores
que aconteceria no último dia. “Essa pessoa não sabe quem eu sou”, disse o senhor
de mais de oitenta anos, que se locomove com o auxílio de uma bengala. Paulo
Werneck, o organizador da coisa toda, pediu desculpas, a pessoa cumpria um
protocolo acordado.
Fiquei quase o tempo todo na tenda da Patuá dividida com
outras editoras. Não me lembro de todas, mas a relativamente nova e já com
ótimo catálogo, Sinete, era uma delas. Naquele cantinho, conversava com uns e
outros, inclusive com conhecidos apenas de redes sociais ou vistos de relance
nalgum canto. Ótima chance de perceber que tem muita gente empenhada em
produzir um trabalho sério e permanente. Particularmente interessantes foram as
conversas com o Eduardo Lacerda e a Pricila Gunutzmann, meus editores da Patuá,
e com o Whisner Fraga, escritor de garfo e faca – seu mais recente livro,
lançado por sua própria editora, “as fomes inaugurais”, é uma coletânea potente
de minicontos – e editor sensível e cuidadoso da Sinete. A vida desses
abnegados não é fácil, não. Para eles, leitor, acenda uma vela, quem é de vela;
reze uma prece, quem é de prece; bata um tambor, quem é de tambor. Mas,
principalmente, comprem os seus (nossos) livros.
Duas primas minhas – uma de segundo grau, a outra, de
terceiro – apareceram lá. A de segundo grau é minha conhecida desde os tempos
em que éramos bem crianças, ela, então, mais nova que eu, praticamente um bebê.
A de terceiro grau, não, só a conhecia de redes sociais, mas é filha de outro
primo, de segundo grau, que foi meu grande amigo e que não está mais por essas
bandas da terra. Com as duas e seus parceiros fomos conversando, conversando, a
Feira fechou e nos deslocamos para um lugar que eu desconhecia (Bar Balcão) e
continuamos a conversar, a conversar. Coisa linda quando os elos familiares se
justificam. Pena que um outro primo – este de primeiro grau – passou pela tenda
da Patuá num momento em que eu não estava. Nos desencontramos.
A Feira me pareceu equacionar bem os espaços entre as grandes corporações e as menores. Havia as tendas maiores – a Patuá e suas parceiras ocupavam duas de tamanho padrão – e umas enormes divididas por inúmeras editoras, que, por sua vez, tinham direito a uma espécie de balcão. Essas tendas coletivas localizavam-se bem no meio da feira. A Patuá na entrada à esquerda. Ou seja, houve uma preocupação com a visibilidade dos pequenos, esse resistente povo do livro.
O Rio de Janeiro merecia uma feira dessas a céu aberto. No ano passado, por exemplo, não houve a Primavera dos Livros, que acontecia nos jardins do Museu da República. A Festa Literária das Periferias – FLUP, itinerante e dos mais importantes eventos literários do país, costuma ocupar espaços públicos, ao ar livre, mas não é uma festa de editoras. Beira da praia, Parque Madureira, rua do Mercado, praças San Salvador, Saens Peña ou Paris, MAM, Quinta da Boa Vista: não faltam lugares bonitos para um evento desses.
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