Escrevi a última crônica (No Jardim Botânico). Saiu na revista Folha Carioca, depois veio para a internet (neste blog e também no Opinativas). Recebi elogios, inclusive de dois poetas. Um lá do Pará, meu amigo Edson, sujeito que está prometendo aterrissar aqui no Rio em fevereiro — demora, mas é menos do que nunca, ou mesmo de um não sei quando. Outro foi o homem que orelhou meu último livro, o danado do Barreto (que tem tantos nomes quanto prêmios literários – ora é Barretúmero, ora é Barretim, ora Seu Barreto, ora Barrevento, ora, bem, leitor, já deu pra entender a idéia, não? Invente o nome que quiser para o grande poeta que ele é. Para quem não sabe, ele está ali na foto comigo).
O fato de ter escrito este post tem a pretensão de mostrar duas coisas. Uma: minha caminhada no Jardim Botânico fez bonito. Outra: escrever é reescrever, e feliz daquele que tem leitores sensíveis e atentos. Ando tendo.
No Jardim Botânico – versão corrigida
Uma caminhada no Jardim Botânico equivale a uma sessão de yôga, ou de yoga como se dizia no tempo em que eu não sabia exatamente que sexo poderia gerar filhos — sabia, mas não acreditava.
Uma caminhada no Jardim Botânico num dia não muito ensolarado, tampouco fechado, pode deixar na gente — na memória que teremos no futuro, quando nossos filhos forem eles mesmos senhores e senhoras com vidas próprias e, se Deus quiser, independentes e bem encaminhados — algum gostinho de felicidade tão carregado, que poderemos mesmo imaginar que fomos, dentro e fora do Jardim Botânico, felizes, completamente felizes.
Pisar descalço o chão do Jardim Botânico, como vi um jovem fazendo no último domingo em que estive por lá, deve ser o grito mais veemente que conseguimos dar contra a tendência do mundo em nos distanciar da terra, do fogo, da água e do ar. Aquele rapaz, garanto sem conhecê-lo, sabe ser feliz quando quer: basta tirar os sapatos e pisar a terra úmida do parque.
Sentar num banco do Jardim Botânico numa manhã de maio, em pleno domingo das mães, ao lado da irmã, pode apaziguar as dores que sozinhos, o irmão e a irmã, não suportariam mais ter. As árvores dali, estrangeiras e nacionais, entendem dessa coisa de despoluir até o espírito mais sombrio.
Depois de uma caminhada que levou o desempregado à estufa das plantas carnívoras e a debutante, um pouco cansada, à beira do lago das vitórias-régias, a bica, pequena e elegante peça de metal bem aducido e corretamente coado, dará água fresca a quem já tem, a sua volta, toda espécie de sombra. Não vai nesse gesto do bebedouro nenhuma intenção de iludir o desempregado ou a jovem pensando-se vítima do maior cansaço do mundo, mas, fresca e fluida, a água ensinará sem querer que a generosidade mata a sede quando não escorre pelas mãos.
Pais e filhos, concebidos ambos na brasa do desejo ou na assepsia dos laboratórios, jogam folhinhas no riacho e vão correndo ao lado acompanhando aquela corrida de Fórmula 1 vagarosa e vegetal. Há uma bateria, depois uma segunda, e haverá outras até que a criança saia dali campeã. No Jardim Botânico, a simplicidade é sempre verde e imatura.
Vez ou outra o chão ficará enlameado. Vez ou outra alguma árvore o vento derrubará. Vez ou outra os esquilos cairão viciados
Vez ou outra um cronista menor compreenderá o mundo dinâmico que, entre ramagens, águas, pessoas e aves, o silêncio do parque guarda.
5 comentários:
Agora, depois da republicação da crônica, quero dizer mais alguma coisa a respeito dela; afinal também não posso "dar as costas aos poetas". Esta é a beleza das palavras: elas são dóceis, aceitam mudanças - basta sugeri-las que elas as acatam com sabedoria e humildade; mas também são vaidosas e querem estar sempre belas, cada vez mais belas - basta sugerir um retoque aqui, outro ali que elas também os acatam, certas de que se tornarão ainda mais lindas. Nessa suave crônica, você, Alexandre, fez com que as palavras se sentissem especialmente privilegiadas. Beijos da sua companheira de JB.
E aqui repito meu comentário feito quando da primeira publicação:
"No Jardim Botânico" - que texto lindo! Plagiando o Edson Coelho: foste tu, Alexandre, ou o próprio Jardim Botânico, o redator? "Sentar num banco do Jardim Botânico numa manhã de maio, em pleno domingo das mães, ao lado da irmã, pode apaziguar as dores que sozinhos, o irmão e a irmã, não suportariam mais ter." E também pode mostrar a força que a união "irmão e irmã" tem na caminhada que fazemos todos os dias. Indo um pouco mais longe, "irmão e irmã" pode ser a representação dos nossos laços de amor mais sólidos: os familiares e os de amizade profunda. Passear num lugar como o JB inspira mesmo os mais puros e nobres sentimentos. Naquele dia especialmente, passear no JB significou me sentir acompanhada e certa de que a vida é um elo ao qual estamos todos acorrentados.
Querido Xande,
queria muito postar o comentário abaixo no seu site, NO OSSO, mas não soube criar a conta no Google. Não entendi se tinha que colocar este meu e-mail ou criar um outro, que acho que não usaria muito. Aí não postei, mas envio para sua leitura em off.
Você falou dos poetas seus amigos, mas porque não se autodenominar como tal? A magia de “a bica ... dará água fresca a quem já tem, a sua volta, toda espécie de sombra.(...) a água ensinará sem querer que a generosidade mata a sede quando não escorre pelas mãos.” são pérolas que só os poetas sabem construir, desconstuindo os clichês tão malvistos no texto dos neófitos da literatura. Meus aplausos só não são mais altos, porque no fundo, no fundo foi “ao banhar-se, o poeta cuidava de coisas distintas de sua poesia e, entre uma passada de bucha e outra, tirava o cisco do texto alheio.” que o fez poeticamente confessional. Maravilha! Adorei! Agora que você já leu meu comentário, um “banhozin” não faz mal.
PESSOAL, ACIMA ESTÁ PARTE DE UMA NOTA QUE MINHA AMIGA DAG BANDEIRA, PROFESSORA E ESCRITORA, ME MANDOU. COMO ELA NÃO CONSEGUIU "POSTAR", POSTEI EU MESMO, POIS ACHEI MUITO LEGAL O QUE ELA ESCREVEU.
esse textos são alento para esses dias cinzas de junho
Música, poesia, cheiro de bolo recém-saído do forno, uma estória da infância que ainda povoa nosso imaginário, a lembrança e a companhia dos amigos conquistados na adolescência, textos como o seu, que acabei de ler, são afagos. Que bom poder experimentar essa sensação que causa um arrepio gostoso nos braços e umedece os olhos de emoção, de alegria. Que bom. Nem tudo está perdido.
Maisa, obrigado pela leitura carinhosa. Hoje estou muito triste por conta de um amigo ter sido a nova vítima da violência do Rio. Assim, suas palavras foram um carinho bom de receber.
Abraços,
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