Para dias noturnos
Tome o alho e o bugalho nas mãos, esfregando-as até tornar o alho bugalho e vice-versa. Feito isso, espalhe a massa compacta derivada do movimento anterior sobre o lombo de tudo quanto é tristeza. Deixe-o descansar, aproveitando parte desse tempo para descansar você mesmo.
Ao voltar ao batente, peneire o pó das dúvidas, macere o limão para extrair-lhe o azedo das raivas e bata em neve as claras da boa vontade e da crença. Use, para as claras, garfos de gratidão e evite batedeiras, britadeiras e outras máquinas que são ágeis, mas brutas.
Deite num pirex um fio de esperança e um pouco do leite de Eva, mãe e mulher antes que pecadora. Arrume o lombo nessa mesma travessa, cobrindo-o com a química da bonomia. Leve-o ao forno morno e deixe o calor dar conta do recado.
Para dúvidas políticas
No liquidificador jogue inteiro o discurso mentiroso, que sempre vem protegido pela casca da desvergonha. Triture, triture e triture mais um tico. Se preciso, peça à vizinha o multiprocessador e triture novamente o já triplamente triturado. Virou poeira? Não assopre. Nem se espante, esse é o ponto.
Bote sob o sol do meio-dia o prato das alianças negociadas, ou melhor: das negociatas — com isso, a receita não ficará nem melhor nem pior, mas a cachola dos arquitetos dessas estruturas interesseiras deverá ficar bem quente (são merecedores).
Em fôrma untada com a manteiga salgada da verdade, derrame o líquido das intenções ditas doces, proferidas por essas pessoas que não se cansam de se dizer tementes a Deus. A manteiga vexada fatalmente irá ferver como num milagre, acomodando-se depois numa pasta oleosa. Sobre o prato das negociatas então bem aquecidas pelo sol tropical e pelas culpas ainda que passageiras, mescle a pasta ao pó do discurso, sovando a mistura até formar uma massa que se possa moldar com facilidade. Na tradição rural, aconselha-se ao cozinheiro levar tudo no deboche e na descrença, o que aguçaria o sabor dessa espécie de pastelão.
Sirva o prato frio, acompanhado de licor da pupila jabuticabosa dos olhos cegos da justiça.
Para alimentar os filhos
Em casa, antes de misturar isso e aquilo, deixe escapar uma palavra doce para as crianças, mesmo que o almoço não tarde, pois não será isso que lhes tirará o apetite, antes pelo contrário. Em seguida, e sempre, esteja cozinhando ou não, tome como compromisso inalienável não mentir para elas nunquinha durante essa vida tão breve. Sequer mentiras adornadas com trufas e biscoitos da vovó ou insufladas pela melhor das intenções.
Por fim, com o coração arejado, faça o que bem entender com as compras recém-feitas. Só não deixe de enfeitar o prato: a beleza atiça a fome dos inocentes.
6 comentários:
Meu caro amigo Alexandre.
Bela crônica. Inspiradíssima.
Só posso agradecer.
Grande abraço. Horácio
Essa receita todo mundo tem, mas poucos usam. Sempre é bom lembrar...
Caro xandao
sempre craetivo e sensivel, gostei da cronica
gonzy
certamente os Chefs famosos não conseguiriam concorrer com estas suas ideias. gostei mais da última receita, que para ser posta em prática depende unicamente de cada usuário dela. E no final teremos pessoinhas mais felizes.beijinhos
quer dizer que a beleza atiça a fome dos inocentes, né, alexandre? é. atiça a fome até de condenados como eu. valeu mesmo a crônica.
Amigos comentaristas, sempre dou um jeito de responder ao que me escrevem. Desta vez, estou mais demorado porque ando cheio de costura para entregar.
Saibam que todos vocês me emocionaram ao externar como foram atingidos por minhas receitas, que não engordam, não emagrecem, nem tem efeitos colaterais.
Obrigado... e continuaremos atentos.
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