Manhã chuvosa. Trabalho à espera. Mãos prontas para obedecer o cérebro. Tudo em ordem para dar o suor ao Brasil. Oxalá!
Uma música, penso, não atrapalhará em nada meu desempenho, não fico menos produtivo com isso. Coloco “Will You Still Love Me Tomorrow”, com Amy Winehouse.
...
Parem as máquinas. Silêncio nesse mar de baias. Que ninguém se levante pra tomar café; que ninguém converse, ainda que a tarefa exija. Silêncio!, repito.
Amy se droga demais, sabe-se lá com que tipo de coisa. Ela se mete em encrencas a toda hora: pelejas físicas com o namorado, escândalos em locais públicos, cano nos shows.
Amy, oh, Amy! O que há, garota?
Dói tanto assim, a ponto de a anestesia ser tão ou mais importante que o ar? Será que não dá pra diminuir um pouco os decibéis de seus bodes? Sei lá, liga pros “meninos” do Rolling Stones, pede uma receita. Não, não estou falando de uma nova droga, mas procure saber como conciliar doideira com longevidade, pois precisamos e precisaremos de sua arte para percorrer os quilômetros e mais quilômetros de vida que nos faltam.
Menina, farejo tanta maldade no pessoal do show business. Acho que os caras gostam das tragédias pessoais; elas, de alguma forma, animam os lucros — deles. Portanto, vão estimular seu circo, não tenha dúvida. Em algum momento, no entanto, seus escândalos, suas prisões e seus internamentos, Amy, podem inibir os tais lucros, ou mesmo manchar de vermelho a contabilidade. Nessa hora, todos lhe darão bye, bye. Pode ser que você tenha de se mudar de corpo e alma para uma sarjeta, hoje seu cantinho esporádico num final de farra.
Minha memória dá um salto e constato: como você se parece com a Viviane, uma menina do meu círculo de amizades na adolescência. Ela, como você, era doida — e bota doida nisso. O que terá sido feito da Viviane? Você não é a Viviane, é, Amy? Se for, baby, por que você não cantou em nossas rodas ao redor de fogueiras, quando consumíamos os primeiros drinques e uns poucos baseados? A Vivi só nos deu trabalho com seus desfalecimentos. Tivesse nos dado música... quem sabe a vida não teria sido diferente para todos, melhor até.
Pense, Amy, nos cinquentões que, com seu aparecimento, esqueceram um pouco seus Pink Floyd, Yes e Led Zeppelin da vida. Pense em como você embala as pessoas da China, as de Portugal, as do Brasil. Faça aquilo que sua condição humana pede, mas abre o olho, não entre no jogo dos donos do espetáculo. Permaneça. Isso: permaneça.
Amy, quando você cantar novamente “Will You Still Love Me Tomorrow”, olhe ou pense em mim e não me deixe morrer.
(Trabalhar depois de Amy foi um suplício. Acho melhor descontarem o dia no meu contracheque.)
4 comentários:
Adorei esse post sobre a divina Amy! Bem escrito, engraçado. E eu também tinha uma amiga Vivi, que era a mais doida de todos e infelizmente já nos deixou. Cedo. Como são fortes as identidades de cada geração, e como é bom partilhá-las em textos como esse, muito especial, do Alexandre.
Ana, obrigado pelo comentário. Amy realmente é divina, e pelo jeito nossas Vivis também. A sua, hoje noutra esfera. A minha, quem saberá?
Volte sempre por aqui. Conversa fiada é o que não falta por esses ossos.
Amigo,
Adorei esta crõnica! Linda, divertida, sensível! Bateu no meu osso!
Beijos
Oi Xandão, bem que vc tentou ajudá-la, avisá-la do perigo de morte que corria com esta tua "Crônica de uma Morte Anunciada". Certamente ela não sabia ler portugues e acabou acontecendo o que vc previu. Obrigada, amigo por proporcionar leitura tão legal. beijinhos, Beth
Postar um comentário