Os Titãs foram, a meu juízo, a porção mais rock’n’roll das plagas
tupiniquins. Os meninos tinham atitude e davam voz aos inconformados — rebeldes
com causa, não outro qualquer. Eles gritaram, no quarto disco (“Jesus não tem
dentes no país dos banguelas”, 1987), o famoso refrão: “Você tem fome de
quê?/você tem sede de quê?” (Comida, de Marcelo Fromer, Arnaldo Antunes e
Sérgio Brito).
Para essa espécie de famintos e sedentos, preparei um
pequeno guia gastronômico.
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Foto capturada bem aqui. |
Tira-gostos existenciais extraídos da lama do dia a dia são
encontrados por aqueles que frequentam o pôr do sol. Não com pretensão única de
contemplá-lo, mas, sim, de se confundir com ele, passando a ser, mesmo não
sendo (impossível sê-lo), um dos fiapos do sol que tocam as águas do rio ou do
mar.
Para sede de justiça, um happy
hour no qual são engolidos litros de indignação. Toma-se dela um gole para
esquentar o peito e ativar a mente. Trago compartilhado de tal maneira que, ao
fim e ao cabo, não reste mais indignação, e a garrafa vazia esteja embalada na velha
e boa esperança.
O falecimento nosso de cada dia nos dê hoje e sempre um gole
de coragem, pois, quem se regala com o doce da covardia amanhece mais pra lá do
que pra cá. Sendo assim, atire-se ao doce mais doce que o doce de batata-doce:
o sorriso dos meninos. O melhor deles pode ser encontrado onde menos se espera,
às vezes numa lembrança de si mesmo.
Na dobra noroeste do desejo, vende-se o que, na mente dos
carrancudos, não passa de ilusão. É boa dica de compra para fazer acompanhado
daquele sujeito — do poema de Pessoa (Tabacaria), agora redivivo em romance de
valter hugo mãe (“a máquina de fazer espanhóis”, Cosacnaify) — sem nenhuma metafísica. Esfregue nas fuças desse
cabra da peste que, sim, isso que não é ilusão tem rosto. Tem nome. Não é
metafísica, nem precisa ser, pois é o amor, esse alimento que, cru ou não, é
único, porque mata a fome e devora o mal.
Contra sandices mais gulosas que famélicas, a estratégia
ideal passa por um mergulho na noite do meu, do seu, do nosso bem. Nela, como cantou
Dolores Duran, há “paz de criança dormindo e abandono de flores se abrindo”,
temperos para uns e outros, para estes e aqueles. Em noites como essa, babau
infortúnios.
Sempre há um segredo que nem mesmo o guia dos guias revela,
pois ele cuida de reservar um canto para os iniciados, os críticos, os capazes.
Menos por elitismo e mais por necessidade, esse esconderijo é onde ganha corpo
o espírito iluminado, capaz de indicar aos outros a melhor sopa, o melhor vinho,
o crème de la crème da culinária.
Igualmente, no caso da culinária intangível tratada aqui. Não revelo o endereço
onde nos reunimos para desfrutar de delícias sem igual, mas adianto: lá a janta
é um vento que despenteia o careca, e a sobremesa tira a vergonha daqueles que,
no carnaval, sambam com desalento.
Para terminar, um conselho: depois de comido e recomido o pasto sublime, amigo, não resta alternativa a não ser fazer a sesta que nos leve ao sono do sono do sono do sono. Nesse instante, chegamos ao subúrbio de nós mesmos, onde reciclamos o que somos.
Para terminar, um conselho: depois de comido e recomido o pasto sublime, amigo, não resta alternativa a não ser fazer a sesta que nos leve ao sono do sono do sono do sono. Nesse instante, chegamos ao subúrbio de nós mesmos, onde reciclamos o que somos.