Brinco dizendo que meu único erro na vida foi ter nascido — alguns acreditam que digo a verdade e muitos concordam com a tese da minha brincadeira. Francamente, não passa de um exagero.
Exageros de certo modo garantiram nossa vida tal e qual a temos hoje. Não fossem eles, não passaríamos de uns 10 ou 12 Adões e Evas, filhos pingados à terra em momentos de tédio de Deus.
Exagero foi ter dado ouvido (asas ainda não demos) à cobra e comido a maçã que o diabo lustrou com o bafo. E ainda: guerrear por Helena; erguer a Muralha da China; pintar a Monalisa; revelar os sentidos dos sonhos... Não à toa cantamos: “Exagerado, eu sou mesmo exagerado, adoro um amor inventado” (Cazuza, Ezequiel Neves e Leoni).
Na verdade, e sem exagero, cometo erros de toda espécie. Chego mesmo à borda do pecado, mas parece que não passo daí. Veja se concorda.
Os dois primeiros mandamentos pregam que devemos amar a Deus sobre todas as coisas e não usar Seu nome em vão. Talvez eu queira discutir um pouco o que seja Deus, mas, pondo-nos de acordo sobre isso, respeito o divino sem outra discussão.
Sempre honrei pai, mãe e os outros legítimos superiores. Nunca matei. Nem roubei. Jamais levantei falsos testemunhos (tudo bem, uma ou outra vez para ver um dos meus irmãos em apuros com mamãe, mas já fui perdoado, era uma criança!).
Quanto a guardar domingos e festas de guarda, convenhamos, o mundo mudou, e eu mudei com o mundo.
Não entendo bem o que seria guardar castidade nos pensamentos e nos desejos. Temo ter ferido e ainda ferir tal preceito, não apenas no nível do pensamento e do desejo. Não sou mesmo um santo.
Mal redigido (ou mal traduzido), o último mandamento — não cobiçar as coisas do outro — se fia numa palavra ambígua: coisa. Se por ela devo entender os bens materiais das outras pessoas, não os cobiço, mas, aqui e ali, invejo-os. Nada muito grave, de fato são lampejos de inveja, que vêm e vão. Porém, se, como afirmam alguns, a mulher do outro está entre essas coisas, ô, dó de mim.
Leitor, acabo de me expor ao ferro e fogo do seu julgamento. Espero que olhe para si antes de dizer que, de fato, era melhor eu não ter nascido, que meu erro foi esse.
Nas vezes em que me vejo nervoso, quando não coço os olhos, assobio. Um gesto ou outro me confortam, com eles ganho tempo; e o tempo — recorro ao banal — opera milagre, com seu beneplácito pode-se reverter a mais desfavorável das situações.
Assobio enquanto escrevo e espero seu veredicto.
Fiat lux: assobiando encontro o erro que jamais cometi: nunca votei no Bolsonaro.
Isso compensa meus quase pecados?
5 comentários:
Pecados todos cometemos e Jesus, que é misericordioso, disse: quem nunca pecou atire a primeira pedra. Não serei eu a atirar a primeira, nem a última. Pode ser que os meus pecados me tornem muito pesada e eu acabe afundando. Ai posso até não me encoontrar mais com meus amigos. Tá danado...
Isso aí, Tia Beth. Nem em brincadeira nossos pecados têm sido muito pesados. Estaremos sempre leves sobre as águas desse mundo.
Pelos ato público e atitude contrita, eu o absolvo em nome da literatura, amém. Mas vai tirando o cavalinho da chuva, pois há uma pequena penitência que seguirá por e-mail. Por enquanto, vá rezando 10Pai-nossos e cem Ave-Marias.
Dag, já estou com terço na mão....
Comentário de Maria Balé:
Alexandre, primeiro, belíssimo texto. Primoroso em forma, conteúdo e narrativa. Ar-ra-sô! Agora, de minha parte, pra você, não há absolvição. Explico. Não há absolvição pela ausência de seu contrário, o pecado. Você, meu amigo, se vê nos seus olhos, na remotíssima hipótese de ultrapassar a tênue fronteira entre a virtude e o crime, terá tido um motivo que o franquie. Não duvido.
E, pra já, pra já, se é houver julgamento, me, 'myself and I' arderemos no fogo do inferno.
Postar um comentário