Vamos, confesse aqui para o seu
amigo, você já namorou em uma quebrada, não foi? Sua mãe não precisa saber,
prometo sigilo, e seus filhos, se você os tiver, sabem o que é estar quebrado,
mas não sabem o que é uma quebrada. Vamos, amigo, amiga, contem aqui no meu
ouvidinho, sem medo, sua história.
Com o advento do motel, as coisas
mudaram. Por um lado, ficou mais fácil namorar, por outro, não. Se chegar a um
quartinho todo arrumado e desfrutar dos doces momentos da vida é uma beleza, chegar
ao motel nem sempre é trivial. Às vezes, o casal
tem o carro, mas está sem grana. Às vezes, tem o carro, tem a grana, mas a
cidade é pequena e o porteiro é conhecido de um tio, do pai.
Nessas horas difíceis, dar uma
meia-volta na modernidade e aceitar a única opção possível é o que nos resta.
Pois, quando um casal fez o pacto do encontro, se não for no conforto de um
quarto será no Fusca. Ah! O Fusca. Quanta ginástica, meu Deus. Muitos dos
problemas de coluna que temos hoje se devem aos movimentos que fomos obrigados
a fazer dentro de um Fusca. Por amor, é claro. Até o amor, que não tem contraindicação,
tem efeitos colaterais.
Todos sabemos, entretanto, que as
quebradas têm lá os seus perigos. Mesmo em cidades pouco violentas, sempre há
um espírito de porco doido por assustar alguém. Comigo já aconteceu de ser a
própria polícia a me pegar no flagra. Sorte que foram compreensivos e fizeram
vista grossa à minha tentativa de corrompê-los — quer dizer, não aceitaram os
meus minguados 5 contos — e nos mandaram, a mim e à namorada, dar o fora da
área. Que não se repetisse aquilo outra vez, senão... Com outros amigos foi
pior. Uns bandidos os deixaram nus com a mão no bolso — não é exagero.
Se para o amor a quebrada foi
deixada de lado, servindo apenas como a última opção, para coisas ilícitas, ela
passou a ser o quente. A moçada corre aqui e ali para enrolar seus baseados; o lado A e o lado B de uma
transação fora da lei marcam encontro no mais escondido dos lugares. E por aí
vai. A quebrada mudou da água para o vinho; ou melhor, deixando a citação
bíblica de lado: não é mais cantinho do amor, mas escritório de negócios escusos.
Todavia, a grande transformação da
quebrada ocorreu lá em casa, já vai um tempo, quando meus filhos mais velhos
tinham não mais que dez anos. Estávamos recebendo amigos. Os adultos ficamos na
sala, sorvendo um bom vinho, beliscando queijos e pães. As crianças
espalharam-se pelo resto da casa, pulando da cozinha para a sala, da sala para
um quarto e deste para outro. Era uma farra medonha. Para nós, os coroas,
estava tudo bem, as crianças gritavam, mas a gente conseguia botar a conversa
em dia.
Numa certa hora, resolvi pegar um CD
no meu quarto. Eis a surpresa: escondido entre o guarda-roupa e o armário em
que estão trancados meus preciosos CDs, o que eu vejo? O Ken e a Barbie
transando. Sim, caro leitor, estava lá o namorado da Barbie, aquela boneca
bonitinha, mas sem sal, deitado sobre ela.
Tudo bem, os dois são só bonecos,
e meu quarto não é um matinho providencial. Mas, nestes tempos em que o ser
humano transa por computador, aquela foi realmente a mais explícita das cenas
de sexo. Não tive vontade, leitores, de repreender os meus filhos. Pai de
primeira viagem, não acreditava em repressão sexual pura e simples. Hoje, com
filhos na casa dos vinte anos, não me arrependo.
Não posso negar, entretanto, que fiquei pasmo,
sentindo o mesmo assombro que nossos pais teriam sentido quando éramos nós que
crescíamos. Talvez um pouco mais: precocemente, intuí que meus próximos passos
seriam dados dentro de um túnel, dentro da escuridão que a estúpida
responsabilidade nos impinge. Assim tem sido, e não sei avaliar se estou me
saindo muito bem.
4 comentários:
Descoberta: a Barbie e o Ken? Meninos criativos e um pai que só pensava naquilo. Eles me contaram que era só a demonstração de uma prática saudável que viria, mais tarde, e na hora certa.
E veio, Dag. E os meninos parecem felizes no que diz respeito ao assunto em questã....
Beijos
Comentário de Maria Balé, que coloco a pedido dela.
Alexandre, o tempo passa, a vida voa, no entanto, penso, o sexo, e seus respingos, vai sempre ser um susto. Melhor assim. Do contrário, perderia o encanto, a surpresa e a aura do sublime. Linda crônica! Um beijo, Maria
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