18.5.23

BH íntima e distante




Morei três anos em Belo Horizonte, entre 1977 e 1979, assim, sempre que volto à cidade, sinto um misto de intimidade e distanciamento. Vivia no bairro Santo Antônio, frequentava primeiro o icônico Estadual Central – projeto de Niemeyer –, depois o Promove da Gonçalves Dias, batia pernas na Savassi e no Centro, visitava amigos, tudo a poucos metros da república que dividia com minhas irmãs e alguns conterrâneos. As maiores distâncias a que eu ia eram, de quando em quando, o Mineirão e, para encontrar um dos meus primeiros amigos na cidade, a Nova Suíça, o que exigia que eu tomasse pelo menos dois ônibus. A área mais central conheço bem, me desloco com desembaraço. Recentemente, novos amigos (graças à literatura) têm me levado à Cidade Nova, à Nova Vista e até a Sabará. Bares de familiares, por sua vez, e já há algum tempo, me oferecem um drinque no Prado (bairro em que se passa o espetacular “O amanuense Belmiro”, de Ciro dos Anjos) e na Lagoinha. Enfim, enquanto percorro os “novos” lugares, busco alongar meus braços para envolver a verdadeira extensão da cidade.

Passei a semana que subtraiu Rita Lee de nós na capital mineira. Minhas saídas foram, na maioria das vezes, para locais que pouco conheço. Visitei um amigo convalescente no Padre Eustáquio, um escritor querido na Cidade Nova, tomei cerveja com outro no Prado e, com o poeta cujo empurrão me jogou nesse mundo da literatura e sua companheira, minha conversa fiel de Whatsapp, comi uma pizza no Carlos Prates.

Durante a pandemia, fui convidado por três amigos, duas escritoras e um escritor, a discutirmos, em encontros virtuais quinzenais, os capítulos de romances que cada um desenvolveria. Jamais imaginei escrever um romance, pois o preguiçoso que mora em mim é um ditador impiedoso. Mas me voltei contra ele e aderi à proposta. Depois de não sei quantos encontros, a maioria de nós chegou a uma primeira versão dos textos. O meu se passa parte em Passos e parte em Belo Horizonte, numa história que se desenvolve entre o final dos anos de 1990 até os dias iniciais da pandemia, período no qual eu estive bem distante tanto de uma cidade quanto de outra. Ao fazer essa opção, fugi daquilo com que tenho mais contato e intimidade e, quando falo do romance, prefiro esquecer o risco de escrever sobre o desconhecido e explorar o motivo de voltar, por meio da literatura, a essas cidades das quais saí, primeiro de Passos, com quinze anos e, em seguida, de Belo Horizonte, com dezoito.

Há uma razão simples e bastante óbvia: não abandonamos o lugar e o tempo em que germinamos. Até os dezoito, vivemos nossos anos mais esperançosos e os mais sofridos. A descoberta do sexo, o desejo de ser adulto, os sonhos de vida, a impossibilidade de conquistar o mundo, tudo está ali. No meu caso, cheguei a essa idade vivendo nas duas cidades de Minas Gerais onde a história do romance acontece.

Especulo que uma outra intenção, pouco clara, terra a ser explorada, ajude a entender essa opção. Os últimos anos, esses em que a incivilidade da direita fez (e continua a fazer) um estrago nas relações básicas entre familiares e amigos, me custaram muito. Me distanciei de muitos mineiros que amo demais, e isso foi o mesmo que ver Minas escapar de minhas mãos. O romance é um jeito de resgatar não exatamente os amigos, mas a mineiridade da qual gosto tanto.

2 comentários:

Antonio Barreto disse...

Prazer e honra ter estado com você novamente nessa última visita à Beagandaia, manoveio! Pena que não pudemos ficar mais tempo juntos. Na próxima vamos na pizzaria do Lucas, lá na Sapucaí? Graça também manda abeijos! E volte logo! PS: na maior curioquice pra ler esse seu novo romance... deve estar vindo mais coisa boa por aí, tenho certeza! Inté! Vortalogo!

No Osso disse...

É sempre uma alegria compartilhar uma boa conversa com vocês, querido Barreto. Voltarei em breve. Quanto ao romance, é uma primeira versão, que agora dorme numa gaveta virtual. Mais adiante volto a ele.