22.5.23

O sol pelo basculante: o consolo da poesia

Caio Junqueira Maciel 


Publicado pela editora Urutau, o livro de poemas O sol pelo basculante, do mineiro Alexandre Brandão traz, entre algumas epígrafes, um verso de Drummond, de “A flor e a náusea”, que diz: “O sol consola os doentes e não os renova.” Se esse poema drummondiano está em Rosa do povo, é dali que busco outro, “Consolo na praia”, para alavancar melhor essa basculante solar do poeta de Passos, agora acariocado.

 Drummond começa seu poema assim: “Vamos, não chores.../ A infância está perdida./ A mocidade está perdida./ Mas a vida não se perdeu.” No livro de Brandão, estruturado em 8 partes, a primeira vem justamente falar da infância, do “Menino de mim”. O poeta fala de seu refúgio numa mangueira, do cavalo trotão e sua “tristeza zaina”, das descobertas sensuais do corpo, da gambiarra vencendo a escuridão.

 A segunda parte, “Coração pequeno”, que também remete à equação drummondiana do coração vasto ou pequeno diante do mundo, Alexandre branda versos que abordam primeira comunhão, circo, celebração com chope, morte e o “pequeno infinito” que é o seu moleque jogando basquete, “enterra seu seus sonhos e/ resgata, na entrada do garrafão/ a fé na vida.” Um poema elegíaco à morte de uma amiga fecha essa segunda parte, em que a partida para o além significa em aceitação do voo.

 “Diminutas sirenes” batiza a terceira parte: aqui a natureza dá suas cartas, com formiga, montanha, peixe, pássaros e até o prosaico pernilongo, o que porta as tais “diminutas sirenes”. Depois, na quarta parte, vem o cortejo dos “poemas datados”, a tensão da pandemia, o poeta diante da única via ou última quimera; o dia contendo mil horas; o cheiro do medo. E há ali um poema de que gosto bem, é “meu canto”, revisitação daquela frase bandeiriana que a poesia está nas estrelas e nos chinelos. Alexandre canta sua havaiana marrom, sem uma das tiras, e, em vez de tirar, põe de vez sua poética no cotidiano e com isso nos consola.

 Na quinta parte, “O azul não é um acontecimento”, contrabalançando com as sombras da pandemia, o poeta exalta o prazer de estar vivo, o amor que resiste ao redemoinho, a busca do sol não obstante haja a “destruição triunfante”. Porém, em outro texto, afirma que é preciso reagir diante das montanhas de medo. Hesitando entre a paralisia do azul e o movimento, o poeta traça seu mapa, inclui ausências e sai em busca dos “Fantoches”, que é o nome da sexta parte. Se a poesia parte do homem, do logos e do cosmos, esse bloco se estica ao mundo, seja Minas, Bagdá, as guerras e as cidades. E as urgências, as urgências com relação às mortes estúpidas provocadas por balas perdidas.

 Na sétima parte, “Aqui e ali do poema”, mesmo sabendo da dificuldade de se escrever poemas profundos, o poeta sabe que palavra poética traz seu sol, é consolo, afaga a alma, traz esperança. É preciso insistir com “palavra verso estrofe”, liberar trovões reprimidos, “alfabetizar a lucidez do infinito.”

 No epílogo, “Fuga em prosa”, mesclam-se os signos da prosa e da poesia. Poetas, crianças, cachorro, cidade. Que cessem os latidos, a caravana da poesia passa e traz o sol que nos consola, todas as vezes que um poeta refaz e renova o necessário ofício de lutar com as palavras.

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