Os meninos — sem se desgrudarem de suas
garrafinhas de plástico, utilizadas não para beber água, mas para cheirar
benzina e cola — corriam em disparada pela Voluntários da Pátria, via
movimentadíssima do Rio de Janeiro, sem se importar com carros. Pensei em
assalto, em briga, no pior. Logo me dei conta de que corriam na direção de uma
Kombi parada em fila dupla. Pude ouvir então que gritavam a plenos pulmões:
sorvete, sorvete. Imagino que se aproximaram da Kombi, onde se distribuía sorvete.
Só isso, não mais que isso.
Assim serão as histórias que contarei
daqui até o final desta crônica. Não sou jornalista, não tenho compromisso com
a história inteira, muito menos com a verdade. Sou antena de rádio a válvula,
capto pouco e chio muito.
Em São Paulo, um dos escritores mais
respeitados entre os contemporâneos contou numa roda de bar que anda sempre com
fone de ouvido, mas não escuta música alguma. É apenas uma estratégia para as
pessoas que estão na rua, especialmente nos bancos do metrô ou dos ônibus, não
se importarem com ele e falarem à vontade, sem pudor. Ele anota tudinho e
aproveita depois num diálogo de um romance ou como o primeiro sopro de uma
história. Pertenço a essa grei.
Duas mulheres caminhando. Primeiro na
minha frente. Depois a meu lado. Por fim, atrás de mim. Não diminuíram a voz
com minha aproximação. Sentiam-se sozinhas na rua, e uma reclamava que não era
mulher dessas, o que estavam pensando?
Certa vez, ao sair do trabalho, a lua já
no céu, duas meninas andavam em sentido contrário ao meu. Elas vinham, eu ia.
Uma perguntou a outra: “E o fulano?”. “Não estamos mais juntos” — foi a
resposta. “É?” — estranhou a primeira. “Sim, amiga” — justificou-se a que tinha
terminado o namoro —, “não dá para ficar com um cara que tem a bunda maior que
a minha.” (Confesso que, tão logo pude, me virei para saber se era fácil ou
difícil ter uma bunda maior que a dela. Era fácil.) Elas passaram, e eu não sei
como foi a reação da amiga curiosa. Sendo eu um poeta óbvio, resmungo: naquele
momento, além das duas amigas, só a lua soube os desdobramentos do fim de um namoro
cujas razões foram tão corpóreas. Eu chupei o dedo, eu vi navios.
Sob o plástico preto, um corpo. Talvez
de mulher. Pode ter sido atropelamento ou tiro. Pode ser que, antes da chegada
da ambulância dos bombeiros, como na música do Aldir Blanc e do João Bosco, alguém
acendesse uma vela e outro vendesse quinquilharias aos curiosos. Certo, certo
mesmo, é o que ocorreria mais tarde: escorrendo num rosto diferente daqueles
então em torno do defunto, lágrimas fariam crer que a dor nunca teria fim. E teria.
Ora, sempre tem.
O rapaz passa tresloucado em seu skate
pela rua perigosa. A mulher anda às gargalhadas. O que foi feito do pirulito
Zorro? O namorado segura a namorada e a encosta no muro. O engraxate vai
contando seus trocados pela calçada. O ônibus não para no ponto. Seu Frota
voltou para Natal, ainda nos anos de 1960. Alguém que não conheço me
cumprimenta. Do lado de fora, ouço um zunzum na fila do caixa do supermercado.
O jornaleiro pendura uma revista na parte externa da banca. O cachorro para,
olha para o céu e late. O pai faz careta para o filho que leva no colo. Não
existem mais velocípedes de ferro.
Tudo eu não sei. Nem quase.
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