3.9.18

As mortes do dia 20

No dia 20 de agosto de 2018, o Rio de Janeiro teve mais um dia daqueles terríveis. Matou-se nos quatro cantos da cidade. Sabemos quem são os mortos, os de sempre: negros, jovens, moradores da periferia, alguns que trabalham no tráfico, outros que simplesmente vivem ali onde o tráfico — e não só ele — está entrincheirado. Há um grito para que legalizem a pena de morte, mas ela, se não está legalizada, impera entre nós. Praticada pelo Estado, praticada pelo tráfico (pelo roubo, pelo sequestro). A pena de morte não resolve, temos prova suficiente disso, basta tirar o véu dos olhos. A violência não coíbe a violência, ao contrário, alimenta-a. Minha utopia, digo e redigo: desarmar a polícia, o Estado. A reação dos bandidos se daria no mesmo sentido, por que gastar tanto com armas se o outro lado não as tem mais? Meu leitor, você está lidando com um utópico, guarde um pouco de seu pragmatismo ao combater minhas ideias. Vamos nos alimentar de um sonho.
Querem reduzir a maioridade penal, pois, argumentam, as crianças estão carregadas de maldade e portam fuzis. Perguntar a razão disso não se pergunta. Isso de perguntar muito não leva a lugar nenhum. Melhor prender, arrebentar, dar um corretivo ou mesmo o corretivo final. Crianças? Que não vinguem. O fato é que muitas delas já estão encarceradas nos estabelecimentos que deveriam servir a sua reeducação. E essas crianças, um jornal do Rio de Janeiro, na véspera do 20 de agosto, mostrava, umas assassinam as outras. Essas crianças suicidam-se. Elas já recebem o tratamento que os senhores da violência imaginam ser a solução para o futuro do país. Em vez da violência, plantemos uma utopia. Vamos nos alimentar de um sonho.
Os que acreditam no chicote e na bala não são pessoas de diálogo, claro que não. Como seriam? Ouvir o outro pode significar baixar a mão, recolher o relho, tirar as balas da culatra e enfiar para sempre a arma no coldre, o coldre no lixo. Dar ouvido ao outro pode significar entendê-lo, dar-lhe razão. Mas como abandonar suas próprias razões, essas adquiridas não com reflexão, mas com experiência? Qual experiência? Ora, não venham com perguntas, eles não gostam de perguntas. Eles têm resposta. Mas respondem a quê, se não respondem a uma pergunta? Não respondem. O que fazem então? Reproduzem a ignorância alheia. Matem. O ladrão? Matem. A mulher que não baixa a cabeça? Matem. O pedinte? Matem. Deixemos que a morte faça o seu serviço sujo, ela existe para isso, não precisamos, feito Deus, agir por ela. Plantemos uma utopia. Vamos nos alimentar de um sonho.

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