Acordar, passar pelo banheiro para se aliviar das
necessidades mais prementes da manhã, coar o café, sentar-se à mesa e então
ingerir os venenos produzidos a um custo altíssimo de pesquisa, acrescido de
outros que garantem a comercialização e o acesso do produto ao consumidor, no
caso, o produtor rural.
Olhar a maçã, conferir se a lavou direitinho e decidir por
comê-la sem a casca, os riscos devem ser menores. Mordê-la e, ao contrário do
escritor francês que tinha delírios nostálgicos ao comer uns biscoitinhos, não lhe
chegar à boca ou ao nariz qualquer lembrança da infância. A maçã mata, não com
brevidade, aos poucos. E não sozinha, mas com a ajuda de outras frutas, dos
legumes, das verduras, dos cereais e das carnes. Morre-se por comer. Como Deus
é irônico!
A maçã é mais letal na outra ponta, não naquela em que está
o dono do negócio — por favor, isso nunca —, mas, sim, do lado do sujeito que
pulveriza as árvores com o agrotóxico que não deixa nenhum bichinho de maçã, o Cydia pomonella, se engraçar com a fruta
responsável por nossa expulsão do paraíso — que, agora, nos dará ao céu, se ao
céu formos dados. Aquele homem é, de fato, um esteta e garante a maçã grande, esfera
quase perfeita, encontrada nos mercados. Não é raro que os trabalhadores rurais,
atingidos diretamente pelo veneno, tenham vida curta, apesar das roupas
protetoras; são, portanto, estetas e vítimas.
Come-se para morrer, para morrer lentamente. Ora, ora, não é
a vida uma morte lenta? Verdade, mas, não fossem os venenos, morrer-se-ia de
coisa menos corrosiva e, mais importante, sem que o mundo morresse junto, ferido
pelo desastre ambiental que produzimos.
Como viver sem o aumento de produtividade, já que a terra é
pouca para os seus sete bilhões de habitantes? Não está aqui o romântico das
hortaliças, longe disso, a revolução verde, que chegou tarde ao Brasil, tem
méritos. Mas não raro erra a mão, e é aí que nosso país tem se excedido,
aprovando qualquer veneno, mesmo alguns já descartados em outros países.
Morde-se a maçã meio aguadinha. Lê-se o jornal e depara-se
com o projeto político de ignorância aviltante, no qual o agrotóxico em uso
desmedido é uma parte menor diante do ódio à Floresta Amazônica (responsável,
entre outras coisas, pela chuva nas demais regiões do país), do ódio à ideia de
um Brasil como peça fundamental no controle ambiental, do ódio à ciência. Odeia-se
muito e ama-se um quase nada.
Come-se a maçã e imagina-se uma cena: um assistente
aterrorizado (e com razão) entra na sala de um desses magnânimos da ignorância
e diz: “Estamos com dificuldade de exportar nossos produtos depois que abrimos
a porteira para não sei quantos novos agrotóxicos”. O chefe, que crê no mundo
plano, lhe responde: “Ora, nem me venha com primavera”.
As flores murcham.
E nós também.
4 comentários:
Faltou colocar sal, na maçã verde....hehehehe...
PARABÉNS! Abraços.
Muito bom seu texto, Alexandre. Só um aparte, se me permite: na verdade, produzimos mais comida do que precisamos. Infelizmente, se há sobra na produção, há também extrema desigualdade na distribuição, fazendo parecer que falta comida. Assim, o argumento de que é preciso aumentar a produção e, para isso, utilizar agrotóxicos, é absolutamente equivocado e mal intencionado. Essa é uma informação muito pouco difundida. Quem sabe vira mote para outra crônica? Beijos, adoro seus textos!
Cueca, querido, maça com sal eu nunca comi. Com sal, só aquela velha e boa manga de vez.
Jaqueline, obrigado pela visita. Não sei se vou tão longe quanto ao não uso de agrotóxicos, mas imagino que você conheça mais o assunto que eu. Seja como for, estamos além do razoáv
Gostei do tema e do texto! Posso repassar e usar trechos nas minhas apresentações?
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