21.9.19

Aghata Vitória Sales Félix - Morta pela polícia do Rio, em 21/09

Aghata, eu não segurava a arma, não dei o tiro, mas sou seu assassino. Se me calo, torno a matá-la, a ceifar sua vidinha tão miúda, seus oito anos. Não vou depositar aqui, como flores de uma inteligência que a tudo alcança, explicações em relação aos descaminhos tomados por esse Brasil vergonhoso.

Venho apenas confessar meu crime. O crime de quem nunca atirou, de quem não estava no Alemão, ali no Estofador, na hora que uma policial — ela terá filhos? —, talvez de olhos fechados, disparou o fuzil.

Pequena Aghata, fui eu o assassino. Minhas mãos estão limpas, mas minha consciência não. Sabe o que eu fazia mais ou menos na hora que o tiro encontrou suas costinhas em formação? Eu tirava uma selfie para fazer uma brincadeira no Facebook e atiçar a curiosidade de meus amigos ou conhecidos daquela rede sobre a frase que acompanharia a foto: “para o ano”. Eu fiz isso, está lá a foto. Ao fazer isso, eu a matava no Alemão, sem dar um tiro.

Seu nome parece que é nome de uma santa, santa protetora dos seios, veja isso, dos seios, nosso primeiro prato farto, nosso primeiro bibelô, nosso primeiro travesseiro. Será que sua mãe lhe deu o peito? Sua mãe morreu um tanto ontem. Você e ela por minhas mãos. Por minhas mãos limpas.

Se me calo, atiro mais uma vez e mato você, que já está morta. Mato você de novo e, de novo, outras tantas crianças iguais a você, pretas e pobres. Porque a ideia agora é evitar que vocês cresçam, que vocês tomem assento no parlamento, que conquistem seus direitos no grito, na garra. Vocês têm tanta garra, vê se é possível conviver com isso!

Eu a matei, Aghata. Que grande bandido anda grudado nas minhas mãos limpas.

5 comentários:

João Paulo Vaz disse...

É como me sinto também.
Só um país que divide o povo em humanos e sub-humanos admite um louco furioso e canalha no governo. Em qualquer país medianamente civilizado esse Witzel estaria num manicômio judiciário.

ricardonick disse...

Como promover oo julgamento no Tribunal de Haia? Eles não julgam e condenam os genocidas?

No Osso disse...

João Paulo e Ricardo, sinto que estamos de pés e mãos amarrados, muita gente está, assim como eu, sem saber ao certo como agir. Este desconforto, todavia, é o princípio de alguma reação. É preciso conversar, estar juntos e conversar.

Dag Bandeira disse...

Texto sensível mas a importância dele é que nos faz refletir e pensar de como estamos sendo coniventes com tudo isso. Não porque queremos, mas como você mesmo disse ao João e ao Ricardo, não sambemos ao certo como agir. Triste, muito triste tudo isso.

João Paulo Vaz disse...

É trágico, é revoltante, é deprimente. Nessa absurda Guerra às Drogas, que só serviu para criar e engordar o tráfico e nunca, em lugar algum, diminuiu o consumo de drogas, um dos exércitos, justo o mais caro e mais perigoso, é pago com os nossos impostos.