Aghata, eu não
segurava a arma, não dei o tiro, mas sou seu assassino. Se me calo, torno a
matá-la, a ceifar sua vidinha tão miúda, seus oito anos. Não vou depositar
aqui, como flores de uma inteligência que a tudo alcança, explicações em
relação aos descaminhos tomados por esse Brasil vergonhoso.
Venho apenas
confessar meu crime. O crime de quem nunca atirou, de quem não estava no
Alemão, ali no Estofador, na hora que uma policial — ela terá filhos? —, talvez
de olhos fechados, disparou o fuzil.
Pequena Aghata,
fui eu o assassino. Minhas mãos estão limpas, mas minha consciência não. Sabe o
que eu fazia mais ou menos na hora que o tiro encontrou suas costinhas em
formação? Eu tirava uma selfie para fazer uma brincadeira no Facebook e atiçar
a curiosidade de meus amigos ou conhecidos daquela rede sobre a frase que
acompanharia a foto: “para o ano”. Eu fiz isso, está lá a foto. Ao fazer isso,
eu a matava no Alemão, sem dar um tiro.
Seu nome parece
que é nome de uma santa, santa protetora dos seios, veja isso, dos seios, nosso
primeiro prato farto, nosso primeiro bibelô, nosso primeiro travesseiro. Será
que sua mãe lhe deu o peito? Sua mãe morreu um tanto ontem. Você e ela por
minhas mãos. Por minhas mãos limpas.
Se me calo,
atiro mais uma vez e mato você, que já está morta. Mato você de novo e, de
novo, outras tantas crianças iguais a você, pretas e pobres. Porque a ideia
agora é evitar que vocês cresçam, que vocês tomem assento no parlamento, que
conquistem seus direitos no grito, na garra. Vocês têm tanta garra, vê se é
possível conviver com isso!
Eu a matei, Aghata.
Que grande bandido anda grudado nas minhas mãos limpas.
5 comentários:
É como me sinto também.
Só um país que divide o povo em humanos e sub-humanos admite um louco furioso e canalha no governo. Em qualquer país medianamente civilizado esse Witzel estaria num manicômio judiciário.
Como promover oo julgamento no Tribunal de Haia? Eles não julgam e condenam os genocidas?
João Paulo e Ricardo, sinto que estamos de pés e mãos amarrados, muita gente está, assim como eu, sem saber ao certo como agir. Este desconforto, todavia, é o princípio de alguma reação. É preciso conversar, estar juntos e conversar.
Texto sensível mas a importância dele é que nos faz refletir e pensar de como estamos sendo coniventes com tudo isso. Não porque queremos, mas como você mesmo disse ao João e ao Ricardo, não sambemos ao certo como agir. Triste, muito triste tudo isso.
É trágico, é revoltante, é deprimente. Nessa absurda Guerra às Drogas, que só serviu para criar e engordar o tráfico e nunca, em lugar algum, diminuiu o consumo de drogas, um dos exércitos, justo o mais caro e mais perigoso, é pago com os nossos impostos.
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