24.4.21

Adeus, otimismo

 Nasci otimista, e assim permaneci por muito tempo. Fui o típico garoto leve; leve de espírito, fique bem claro, pois sempre cultivei minhas gordurinhas. Pensando bem, acho que eu era, de fato, bobo, herança de meu pai. O círculo pelo qual o velho Joaquim transitava, e eu o acompanhava muitas vezes, era cheio de bobos, inclusive ele, donde concluo que a máxima feminina — os homens são bobos e infantis — está correta. É o que somos.

Otimista ou bobo, me tornei sociável e cercado de turmas que, dependendo da cidade em que morava, Passos, Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro, se renovavam. Meu papel em todas era o de fazer o comentário engraçado, rápido, tirando gargalhada dos chegados ao riso e pequeno riso dos sisudos. Esse meu comportamento transbordou até para o ambiente de trabalho. Mais uma vez encontro similaridade com meu pai, só que o ambiente de trabalho dele era a rua, o ponto de encontro dos negociantes, o curral onde estava o gado a ser comprado ou vendido, enquanto o meu, a sala de aula, como aluno ou professor, a repartição pública, algum evento literário.

Como posso dizer otimista ou bobo? Um se confunde com o outro? Não, mas o meu jeito bobo associou-se à certeza de que o futuro seria um tempo no qual todos os problemas estariam resolvidos — novamente tangenciando o velho. Apesar disso, não me tornei cego e conheço o lado obscuro ligado à vida privada — perder amigos, por exemplo — ou a nossa injusta e violenta vida comunitária. No campo do afeto particular, graças ao otimismo, chorei as perdas e segui adiante zelando pela memória dos ausentes. No que diz respeito à convivência em sociedade, acreditei que a política amputaria a injustiça, que, não esqueçamos, é uma característica inaugural de nosso país, estava lá desde a distribuição das sesmarias, cuja sobrevivência, enquanto negócio, como nos ensinou Celso Furtado, só foi possível com a escravidão.




O bobo e otimista — penso, por conta da rima, em “O bêbado e o equilibrista”, o hino do Brasil confiante, oposto ao de agora, feito no fim da ditadura por João Bosco e Aldir Blanc, um cara que não foi meu amigo, mas cuja morte recente me dói como se houvesse sido —, o bobo e otimista, repito, aguentou as perdas e acreditou na política, ainda que, com a experiência, tenha passado a ser mais parcimonioso em acolher um novo amigo e se tornado menos ingênuo e mais racional, menos o que diz isso passa ou chegaremos lá e mais o que acredita na justiça como uma conquista.

Então o Brasil do compromisso inaugural, masculino, violento e excludente, voltou à tona. Ao longo de nossa história, não fomos capazes de enquadrar a escravidão e a ditadura como crime e dívida coletiva a ser quitada pelas gerações futuras. O pagamento exigiria reduzir as regalias da elite e abrir as portas para uma vida digna, com comida à mesa, educação e saúde, no mínimo, aos historicamente marginalizados. O dono de escravos e o ditador, nunca punidos, saíram da toca a partir de 2013, ganharam o poder em 2018 e, desde então, têm ceifado o pouco que se fez para diminuir as brutais diferenças que marcam nossa sociedade.

O Brasil atual — no qual as mortes pela Covid-19 ilustram a incompetência de um governo que empobrece os pobres e promove retrocessos nas políticas ambiental, de segurança, dos direitos individuais etc. —, me transformou no mais pessimista entre os pessimistas, o que não vê saída. Não sou mais uma boa pessoa para, numa troca de ideia com os jovens, inclusive os meus filhos, fazê-los rir, dar-lhes um pouco de leveza, essa que foi tão minha, e, mais importante, de esperança.

6 comentários:

Estação das Letras disse...

Vc não é nem nunca será um bobo da corte. Está como todos nós apavorado diante do Brasil profundo que pensávamos de superfície, amigo! E espero poder continuar ao lado da sua leve sensibilidade para tudo o que realmente importa, apesar dos pesares. Um beijo azul

Nilma Lacerda disse...

Meu amigo, se você escreve é um otimista, lamento informar. Ou melhor, lamento nada, você é resistência, resiliência, afeto, palavra leve e densa. Viva Alexandre Brandão.

Unknown disse...

Você vai continuar sendo o nosso bobo, queira ou não!!!

Vermelho

No Osso disse...

Suzana, Nilma e Vermelho, meu pessimismo é ciclotímico, basta uma atençãozinha dos amigos e já fico faceiro. Vamos pegar nosso país de volta.
Obrigado pela leitura.

Dag Bandeira disse...

Força amigo, eu sempre soube que seu codinome era PollYanna menina e, pra mim, vai continuar sendo. Vai passar.

No Osso disse...

Oi, Dag, se você diz que vai passar, eu acredito. Assinado Alexyanna ou Pollexandre.