27.9.21

Saindo do armário

Estava teclando — já não se tecla mais — com o amigo e escritor Fernando Andrade, e ele me disse que quer comprar o CD da Mônica Salmaso com músicas do Guinga, seu vizinho de rua. Lembrei-me então de, no início dos anos de 1990, ter feito contato com o ainda dentista, mas já parceiro de Aldir Blanc. Não sei como foi nem por que foi, o fato é que liguei para o seu consultório e conversamos um pouco. Ele, simpático à beça, me ofereceu convite para o show que faria no Jazzmania, casa famosa no Arpoador e hoje fechada. Depois do espetáculo, dei-lhe um exemplar de “A palavra em construção”, primeiro livro do Estilingues.

Como uma memória puxa outra, me vi em outro show do Guinga, dessa vez com Hermeto Pascoal. Imagine o que pode ter sido isso, pois então, foi assim e mais. Novamente, fui conversar com o músico que, se não estou enganado, havia invertido as coisas e passara a dentista nas horas vagas. Ele me perguntou se eu percebera o Hermeto tentando “derrubá-lo” a todo instante. Não gozo de tamanha sensibilidade musical. De todo jeito, o violonista não reclamava, ao contrário, queria mostrar como estava estimulado pelo “duelo”. Para a glória de quem os assistia, os dois “bruxos” se divertiam.

O palco daquela vez era o do Instituto dos Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro (IAB-RJ), uma construção antiga e linda perto do Largo do Machado. Ao pensar no IAB, recordo de um aniversário da Soninha (20 de setembro) comemorado ali quando uma de suas amigas cuidava do restaurante e sou visitado por um colega da primeira oficina literária que frequentei, a Afrânio Coutinho. André Solti era ou fora presidente do IAB-RJ, não sei bem. O que sei é que num conto dele tive contato com a palavra “tremelicar” — as peças de salame tremelicavam num armazém gaúcho, coisa assim. Ou seja, fui apresentado à palavra já em estado poético. Arquiteto reconhecido e escritor promissor, André deixou a vida ainda mais novo que a Soninha.

Espremo o sumo dessas memórias e concluo que, sim, o país já deu sinais de que trilharia caminhos distintos dos atuais. Mas não devemos ficar cabisbaixos, Guinga ainda está aí, e Salmaso lança um disco com suas músicas. Bem faz o Fernando em estar ansioso por comprá-lo, pois, com certeza, nas composições de Guinga, na voz de Mônica, o Brasil luminoso bota os pés fora do armário.

5 comentários:

Unknown disse...

Tamos juntos na torcida!!!
Sua crônica me fez lembrar que o restaurante era de duas grandes amigas minhas: Carmem, uma alemã que virou brasileira, embora com muito sotaque, que continua cozinhando divinamente, e a Juçara, mineira, colega de faculdade e melhor amiga da Goretti, minha mulher. Juçara, infelizmente, já partiu faz algum tempo.

Vermelho

Daniel disse...

Caro Xandão, já assisti tanto o Guinga como a Monica Salmaso aqui no sesc pompéia. Um arraso!

No Osso disse...

Vermelho, era elas mesmas, a Carmen era grande amiga da Soninha, que rascunhava, inclusive, um romance sobre a vida dela (não deu tempo, infelizmente).
Daniel, meu véi, dois craques e agora vai sair, se já não saiu, um disco dela com músicas dele. Tô doido pra ouvir.

Unknown disse...

Mônica é ótima. Nossa, quanta gente boa morrendo.

Nilma Lacerda disse...

Assim seja! O Brasil fora do armário, e com todos os gêneros e não gêneros.