23.10.21

O velhinho

Enquanto a pandemia desnudava a incompetência bolsonariana, Paula Lavigne fazia vídeos caseiros de Caetano Veloso. Ele aparecia de pijama, sapato com sola de corda, retratado, aos meus olhos, como um velhinho. Em um dos vídeos o artista discorda de Celso Cunha, de quem lê um livro da década de 1980, que vaticinava o fim do sotaque caipira. Caetano argumenta que o tal “R retroflexo” está aí, firme e forte, como demostram falantes do Centro-Oeste, do Paraná (Moro, o “ex-tudo”), Tabata Amaral, Mano Brown e cantores sertanejos. Tendo encontrado o mesmo “R” no espanhol falado no Paraguai, Caetano o liga à influência do Tupi-Guarani. Pijamas, pantufas, resistência ao exercício físico, gula de paçoca, alguma rabugice, às vezes dificuldade de entender determinada coisa: um velho, mas um velho que, curioso e atento, estuda. Naqueles vídeos, havia um atrito (velado) entre o marido e a mulher, além da pressão para que ele fizesse uma live (ele e os filhos fariam uma linda).


Imagens extraídas do Instagram de Caetano Veloso



A mesma exposição da velhice encontrei em pequenos vídeos que Augusto Nascimento, filho de Milton, fez do pai. Ora, os autores de “Paula e Bebeto” são velhos e, no frio, têm, como Milton faz, de se agasalhar com exagero e, em casa, devem abusar do pijama. De todo modo, por ter crescido encantado com a potência desses caras — e de Chico, Gil e Paulinho da Viola, a plêiade de nossos gênios musicais —, é difícil lidar com seu declínio.

A pandemia fez um ano, fez um ano e meio e caminha para o segundo. Somamos 600 mil mortos e uma leva de outros desastres. Mas eis que, livre do pijama e da câmera invasiva de Paula, Caetano lançou uma nova música, a primeira de um álbum (“Meu coco”) que viria a público um pouco depois. Não é uma música qualquer, é uma baita música. “Anjos tronchos” (Drummond espia e ouve) dialoga com o que é o grande bem e o grande mal do nosso tempo, a internet, isso que nos aproximaria e miseravelmente tem nos distanciado, que foi criado para nos libertar e tem nos aprisionado, que foi concebido como plural, descentralizado, e tem se aglutinado em monopólios; isso que se tem reduzido a um grande mercado. Caetano compõe com faro e fúria de jovem. Não por acaso, ele, que na música diz: “Agora a minha história é um denso algoritmo / Que vende venda a vendedores reais”, afirma em entrevista: “Meu desejo é confundir os algoritmos”. Ah, moleque! A velhice em Caetano é um detalhe besta, talvez lhe pese, pois a velhice pesa, mas não lhe subtrai a fome de compreender e embelezar o mundo e a capacidade de nos surpreender.

3 comentários:

pausado tempo disse...

Caetano é lindo! E inspirou em mim reflexões semelhantes. Obrigada, Alexandre!

Varanda disse...

Muito bom!!! Adorei a plêiade!!! Saudades!

Unknown disse...

Só tenho umas coisas a dizer: Caetano é Caetano!!! Milton é Milton Chico é Chico!!! Gil é Gil!!!

Vermelho